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Fotografia: Paradigm Disc
Publicado a: 20/01/2022

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica Série II | #3: GAZTWEEN / DJ Ride / Lazuli / NO FUTURE

Fotografia: Paradigm Disc
Publicado a: 20/01/2022

Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.



[GAZTWEEN] I / Jazzego

Não se pode dizer exactamente que a Jazzego siga uma linha ortodoxa, embora uma certa ideia de “jazz” lhe aponte nitidamente o rumo, mas pode ainda assim pensar-se nestes GAZTWEEN – projecto portuense que reúne os talentos de Gazpa (Miguel Tenreiro) e Arctween (Tito Romão) – como o mais nítido desvio dessa tal ideia. Mais electrónico e com o “sopro” jazz a surgir mais diluído na fórmula que, em termos rítmicos, oscila entre um lânguido downtempo (“Boavista”) e umas mais frenéticas “Floco” ou “7400” que tomam o seu pulso nos modelos mais “líquidos” do drum n’ bass ou mais “profundos” do house, o som dos GAZTWEEN é um curioso híbrido que parece resultar de uma vontade de beber em muitas fontes ao mesmo tempo: às coordenadas rítmicas já mencionadas é possível adicionar lições captadas na espacialidade dub como parte de uma fórmula que parece resultar de forma particularmente eficaz num bom par de auscultadores, tal a atenção aplicada aos detalhes no minucioso sound design que embrulha as seis malhas (uma delas, uma pequena intro) desta auspiciosa estreia. Com inputs do produtor Shrumate (“Boavista”) e da violinista e também produtora Klin Klop (“Sopro), a música aqui apresentada apresenta, sem dúvida, uma sofisticada visão do lado mais dançante da electrónica contemporânea. I será, espera-se, rapidamente seguido de um II e um III e, correndo tudo bem e a manter-se a “tendência”, os títulos serão mesmo a coisa menos imaginativa nesse futuro output.



[DJ Ride] Beat Tape Vol. 2 / Ed. de autor

Já pouco se pode escrever sobre DJ Ride que não tenha já sido afirmado e repetido vezes sem conta: criador incansável, Ride nunca se conformou com fórmulas e nunca temeu sair dentro da caixa em que originalmente se apresentou ao mundo. Esta “singela” beat tape – a segunda que apresenta e que sucede a um primeiro volume lançado em 2020 –, não tentando reinventar a roda ou atirar o seu autor para um qualquer novo cenário, confirma-lhe a boa forma e só peca, na verdade, por ser tão breve: com apenas cerca de 18 minutos de duração, a tracklist de 14 temas pode encarar-se, caso se decida escutá-la sem pausas, como uma espécie de suite que se completa com diferentes cadências, quase sempre mais próximas dos diferentes pulsares hip hop, evoluindo entre melancólicos loops feitos a partir de fragmentos de vozes, quase sempre envoltos em neblina de reverb, com acordes que lhe acentuam um nítido carácter nocturno. A verdade é que cada uma destas curtas peças poderia evoluir para uma composição de maior fôlego, tal a profusão de ideias que as sustentam e o experimentado bom gosto que as orienta, nomeadamente ao nível da programação rítmica, mas nesta brevidade pode – e se calhar deve-se – também ler uma urgência de criação que talvez seja estimulada pelo estranho tempo presente em que vivemos. Beat tape perfeita para uma viagem de metro, para uma nocturna travessia de rio ou para uma pausa na varanda, enquanto se tentam adivinhar as vidas que as luzes da cidade vão iluminando.



[Lazuli] Space Locke / Ed. de autor

Lazuli, de seu verdadeiro nome Rui Afonso, produtor do Porto cheio de mundo dentro, é nome com pergaminhos platinados que se esconde (ou revela) nas listas de créditos de bangers de gente tão diversa quanto Wet Bed Gang, Harold ou Bispo, para citar apenas alguns exemplos nacionais de um output que já ultrapassou as nossas fronteiras. Agora, sem “distrações” vocais, apresenta Space Locke, álbum instrumental para que convoca, nalgumas faixas, alguns dos seus pares: Nedved acompanha-o em “Serket”, Boltex surge em “West World”, noGrad em “Rainbow Road” e, finalmente, DJ Ride ajuda a fechar a viagem com a sua participação em “Willard”. O álbum soa como banda sonora para um possível filme que Michael Mann pudesse fazer numa moderna metrópole antecipando um futuro próximo: isto é música que soa a néons reflectidos em capots de carros escuros e rápidos, profundamente digital, carregada de drama emocional acentuado pelas cadências lentas e plena de detalhes aurais, como se o guião pudesse ser inteiramente inferido a partir do que cada tema nos “conta”. “Rainbow Road”, a peça em que participa noGrad, por exemplo, arranca desenhando tensão com cordas sintetizadas e vozes corais distantes a embrenharem-nos na trama e, logo depois da intro que se estende por quase um minuto, a entrada do kick e do baixo dilatado, sublinham uma ideia de movimento e de mistério, sugerindo um qualquer acto de procura por parte de uma personagem que imaginamos existir dentro deste “filme”. Essa inquietude é permanente nos arranjos que nunca se minimizam em loops, antes evoluem, em líquidas espirais de brilho electrónico digital. Venha de lá o filme.



[NO FUTURE] Galerie Y Fiori / Monster Jinx

Terceiro nome do Porto na edição desta semana da Oficina Radiofónica (e façam favor de ver significância nisso), NO FUTURE alinha pela equipa mais púrpura da electrónica nacional somando muitos “minutos de jogo” em compilações como a que homenageou MJ DOOM, nos dois volumes de Cursed e também nas séries ROXO, Crib Season ou Beat Camp. Em nome próprio, NO FUTURE conta com alguns EPs, mas esta galeria de flores sónicas que agora nos apresenta é, sem dúvida, a sua mais ambiciosa colecção de trabalhos.

Quem deseje conferir as diferentes compilações da Jinx para que NO FUTURE contribuiu descobrirá que, curiosamente (ou talvez não…), as suas produções surgem quase sempre nas rectas finais dos respectivos alinhamentos, como se fosse necessária preparação prévia para se chegar à sua música, qual prato que se assume como a tour de force numa refeição abundante de entradas. A densidade extrema de Galerie Y Fiori confirma essa ideia. O produtor que subtraiu o nome a uma das mais conhecidas máximas do punk não é propriamente fiel a uma única cadência e a sua música explora diferentes graus de intensidade rítmica, percorrendo o “beatómetro” que vai de downtempo (“Cicatrice”) a techno (“Audácia”) com igual eloquência. A sua música vive de uma difusa memória rave, como se fosse o resultado de uma noite regada a ácidos e passada a circular entre os diferentes espaços de um mega-clube, procurando extrair o máximo efeito de abandono hipnótico das suas musculadas programações rítmicas. Há uma clara “dureza” no seu som, uma aura de depuração máxima e de tensão industrial que dispensa adornos supérfluos em favor de uma maximização da eficácia. Isto é música para presentes (no future, lembram-se?…) apocalípticos, para raves em subterrâneos desprovidos de luz, para as Detroits que se escondem dentro de todas as grandes cidades. Ouvindo “Personna”, por exemplo, percebe-se que a galeria de flores de NO FUTURE não se faz de coloridas plantas viçosas expostas em vasos, mas de sombrias naturezas mortas pintadas a spray em muros de fábricas abandonadas (ou algo do género). Potência máxima, está na hora de acelerar. E não se preocupem com a parede que avança na vossa direção a 200 à hora: é apenas um holograma…

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