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Ilustração: Riça
Publicado a: 24/01/2020

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica #6: Danny Wolfers / Lapalux / Project Symbiosis

Ilustração: Riça
Publicado a: 24/01/2020
A Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.
[Danny Wolfers] The Land is Entranced With Peace / Nightwind Records O caso de Danny Wolfers, aka Legowelt, é dos mais fascinantes na música electrónica contemporânea. Com um output estonteante espraiado por diferentes identidades (no Discogs listam-se 49 identidades diferentes incluindo uma dúzia de projectos colaborativos), é por vezes complicado mantermo-nos a par de tudo o que vai lançando em diferentes selos (uma consulta rápida ao seu site oficial em busca de mais informações sobre este The Land is Entranced With Peace revelou a edição iminente de Secrets After Dreams, LP de Legowelt a ser lançado nos próximos dias pela editora Mystic & Quantum…). Mas atenção redobrada a este produtor através da consulta regular do seu quartel general digital, da sua página bandcamp e das suas plataformas sociais garante justas recompensas. O projecto que agora merece por aqui análise, o quarto que assina como Danny Wolfers na sua Nightwind Records, foi originalmente gravado ao vivo em 2017 no LAB111, sala de cinema em Amesterdão. Trata-se de uma banda sonora criada para Fata Morgana, filme de 1972 de Werner Herzog baseado em imagens registadas no deserto do Sahara. A edição original de apenas 20 cassetes preparadas especialmente para uma pop-up shop da Clone durante o ADE de 2018 passou, naturalmente, muito despercebida, mas mereceu agora uma reedição ligeiramente mais ampla em cassete, generosamente ampliada na versão digital que Wolfers oferece de forma gratuita em ficheiros de alta resolução no seu Bandcamp. Explica o próprio autor que “com a componente visual afastada, só algumas narrações fragmentadas se mantêm para nos lembrarem o filme. Rearranjadas como samples hipnóticos, elas dão ao ouvinte uma esparsa orientação poética na papa metafísica que é esta cassete”. “Papa metafísica” não seria exactamente a primeira imagem que eu sugeriria para descrever a música com que Wolfers nos presenteia aqui, mas acaba por fazer algum sentido. Tratam-se de tranquilas deambulações sintetizadas, de timbres de recorte digital clássico (pena que o produtor, habitualmente transparente em relação aos recursos técnicos que usa em diferentes projectos não nos diga com que ferramentas criou esta banda sonora) que soam, desligadas das imagens que as inspiraram originalmente, como um potencial score para um qualquer filme distópico. Wolfers é um erudito dos sintetizadores e no seu site estão profusamente detalhadas as suas visitas a museus de sintetizadores bem como a sua exploração obsessiva da tecnologia, sobretudo a que é oriunda da explosão de instrumentos electrónicos dos anos 80. E isso manifesta-se em música que soa quase sempre como estudo ou homenagem das propriedades metafísicas de cada teclado, como se Wolfers acreditasse poder sintonizar-se com o espírito ou, como diriam os Police, o fantasma de cada máquina. O caso presente não é diferente e Wolfers estrutura The Land is Entranced With Peace como uma longa e delicada massagem aural apoiada nas propriedades da síntese FM em busca de uma transcendência qualquer. E é perfeitamente justo concluir que casadas com as psicadélicas imagens de Herzog, estas peças de Wolfers poderiam levar-nos a atingir um qualquer nirvana numa terra extasiada com paz.
[Lapalux] Amnioverse / Brainfeeder O quarto álbum de Stuart Howard, aka Lapalux, para a Brainfeeder de Flying Lotus é, pode argumentar-se, também a sua mais ambiciosa criação. Amnioverseé um projecto conceptual em torno da ideia de ligação entre o saco amniótico e o universo, um disco imersivo, portanto, com essa ideia a ser sublinhada pela capa que podia ser baseada no frame de uma qualquer fantasia futurista cinematográfica dos anos 70 mas que é, na verdade, uma interpretação do fotógrafo Dan Medhurst e do designer de cenários Owen Gildersleeve do trabalho do artista James Turrell, mais especificamente da sua mega instalação Twilight Epiphany Skyspace que inspirou Lapalux através de uma fotografia: “Olhei para ela todos os dias durante três anos, enquanto fazia este disco”, explica Howard nas notas que acompanharam a apresentação deste projecto. “As pessoas estão sentadas no que se parece com uma sala de espera iluminada com uma aura púrpura, olhando para o escuro céu nocturno através de um buraco rectangular no tecto. A imagem tem tanta profundidade e significa tanto para mim… parece que estamos todos nessa sala de espera, à espera de estar num sítio ou de ir para um sítio qualquer. Foi isso que tentei encapsular neste disco”. A narrativa de Amnioverse é ainda erguida em torno de palavras gravadas a partir de declarações de “amigos, amantes e ex-companhias” que conferem ao disco um arco de busca espiritual. As vocalistas JFDR (islandesa) e Lilia (presumivelmente americana) pontuam algumas das faixas, com Lapalux a usar o seu set up modular como ponto de partida para deambulações mais ambientais ou para momentos de concentração rítmica: “Earth” remete para o drum n’ bass clássico; “Momentine” é techno ambiental, erguido em torno de texturas abrasivas; “Thin Air” mantém-se em terrenos techno, procurando imaginar a que soaria Bjork numa faixa com Underground Resistance; “Limb to Limb” desvia-se por terrenos breakbeat combinados com atmosferas etéreas; e “The Lux Quadrant”é uma extrapolação das toadas acid para o tal universo paralelo, imersivo e algo aquático que Lapalux pretende descrever. Com uma atenção de minúcia obsessiva a cada detalhe sonoro através de uma mistura cuidada, Amnioverse soa como uma escultura sonora, pensada para nos levar para uma realidade alternativa em que nos possamos religar com as mais profundas forças do universo. New age para a era das plataformas sociais e da net 5G que exige, no entanto, uns auscultadores melhores do que aquelas coisas brancas de plástico que provavelmente têm nos ouvidos enquanto lêem isto.
[Vários Artistas] Project Symbiosis / Helliwell Industries Imagine-se um arqueólogo que decidisse construir um instrumento inexistente nos dias de hoje, mas revelado através de inscrições numa pirâmide egípcia ou num pergaminho medieval, tentando depois imaginar a música produzida na era em que tal instrumento pudesse originalmente ter existido. Essa é, mais ou menos, a premissa do investigador Ian Helliwell nesta compilação intitulada Project Symbiosis (que tem edição limitada a 100 exemplares em CD). Helliwell é o autor de Tape Leaders, um compêndio lançado pela revista Sound on Sound em que se procurou enumerar os pioneiros da cena electrónica britânica indo ao encontro de obscuros criadores fascinados com as possibilidades que nas décadas de 60 e 70 as novas tecnologias ofereciam aos espíritos mais inquietos e exploratórios. Como era o caso de Malcolm Pointon, autor da coluna Electromuse na revista Practical Electronics nos anos 70 (espécie de congénere britânica da americana Popular Electronics), um pioneiro que Helliwell homenageou numa antologia, titulada a partir do nome da já referida coluna, lançada em 2016 na Public Information. Procurando inspirar os seus leitores para o então nascente universo da música electrónica, a Practical Electronics (PE) publicou vários esquemas para a construção caseira de sintetizadores, como o Transcendent 2000 (que Bernard Sumner revelou, no documentário Synth Britannia, ter montado e usado em estúdio com os Joy Division) ou o Minisonic, criação do engenheiro electrotécnico GD Shaw para a qual Pointon criaria um score gráfico destinado a desafiar os leitores da revista a explorarem os desafiantes terrenos da música electrónica. Durante a investigação para o projecto Tape Leaders, a viúva de Malcolm Pointon cedeu vasto material a Ian Helliwell, incluindo bobines de fita em que se encontrava a realização do próprio compositor para o tal score gráfico publicado na PE. Durante esse período de pesquisa para o livro sobre os pioneiros da electrónica, Helliwell recebeu também uma peça criada por Paul Williams em 1978 a partir do mesmo score. E esse foi o ponto de partida para esta compilação que inclui, além das duas leituras da “partitura gráfica” de Pointon datadas dos anos 70, uma série de revisões contemporâneas da partitura publicada originalmente em 1974 que poderia ser executada no Minisonic ou em qualquer outro instrumento electrónico, de fabrico caseiro ou não. Em Project Symbiosis participam entusiastas como Simon James (artista que também assina trabalhos como The Simonsound e que opera nos domínios da hauntologia), Graham Massey dos 808 State ou Peter Keene, um apaixonado pelo universo da electrónica pioneira britânica que reconstruiu a mítica máquina Oramics de Daphne Oram e, claro, o Minisonic. E o resultado final é uma sucessão de estranhos e exóticos bleeps, pulsares que mesmo sendo resultado de produção contemporânea soam como ecos de um tempo distante, a reimaginação de uma era em que o futuro se apresentava como um mistério tão insondável quanto irresistível.

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