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Ilustração: Riça
Publicado a: 18/09/2020

Techno, house, hauntology e outras ondas.

Oficina Radiofónica #38: Especial Crónica com Pedro Rebelo, compilação Deriva e Roel Meelkop

Ilustração: Riça
Publicado a: 18/09/2020

Oficina Radiofónica é a coluna de crítica de música electrónica do Rimas e Batidas. Música Electrónica? Sim. Techno e footwork, house e hauntology, cenas experimentais, ambientais, electro clássico e moderno, drum n’ bass e dubstep, dub e o que mais possa ser feito com sintetizadores e caixas de ritmos, computadores e osciladores e samplers e sequenciadores e outras máquinas que façam “bleep”, “zoing”, “boom” e “tshack”.



[Pedro Rebelo] Listen to me / Crónica

No texto em que se apresenta Listen to me, na página reservada a este lançamento na plataforma Bandcamp, explica-se com algum detalhe o percurso artístico e académico de Pedro Rebelo, artista, investigador e pedagogo com impressionante currículo, que é actualmente Professor de Artes Sónicas na Queen’s University de Belfast. Rebelo foi recentemente agraciado com dois importantes subsídios pelo Arts and Humanities Research Council que suportarão alguns dos seus projectos de investigação, incluindo um com o título Sounding Conflict em que se propõe analisar as relações entre o som, a música e situações de conflito. Coordenadas que, certamente, melhor amparam a audição de Listen to me, que pode, estando o ouvinte de posse dessa informação, ganhar outro tipo de relevância.

As duas peças que compõem esta obra, que a Crónica disponibiliza em edição digital ou em cassete, foram realizadas no âmbito de uma residência que decorreu em Braga, em 2017, no International Nanotechnology Laboratory. Pedro Rebelo propôs-se captar os sons que povoavam o ecossistema aural do laboratório, o som das máquinas laboratoriais, mas também das ventoinhas que faziam o ar circular, o som dos processos – como o que resulta do acto de despejar nitrogénio líquido ou os “banhos” ultrassónicos usados para misturar certos compostos, explica-se. Este laboratório, conclui-se aí também, estava cheio de sons e ruídos que, de certa forma, e cada um à sua maneira, imploravam “escutem-me”.

Ora, esse é, precisamente, o distinto “olhar” de um criador que se afirma quando presta atenção e encontra interesse naquilo que a maior parte de nós ignora. Quem porventura já possa ter passado longos períodos de tempo em espaços muito preenchidos deste tipo de sons artificiais e mecanizados, sobretudo se repetitivos (como os que se escutarão numa fábrica com uma linha de montagem, numa enfermaria de hospital, numa oficina ou estação de comboios), reconhecerá que se costuma investir algum esforço numa tentativa (tantas vezes vã) de se “abstrair” desses sons, de os bloquear ou ignorar. O que acontece muitas vezes, no entanto, é que esses sons se tornam familiares, são absorvidos e quase passam a ser uma espécie de novo silêncio.

Aqui, Pedro Rebelo observa minuciosamente os detalhes, e com os pulsares, com os diferentes ruídos, repetidos ou não, curtos ou contínuos, constrói o nítido retrato de um espaço que, curiosamente, surge diante dos nossos ouvidos como inumano, vazio de vida, mas preenchido de ânimo tecnológico, um verdadeiro organismo complexo, que entrega ao ar um conjunto de diferentes frequências decorrentes do funcionamento dos diferentes aparelhos que no laboratório procuram soluções para resolver problemas, caminhos para transformar o mundo, conhecimento, saber. Sons da ciência, na verdadeira acepção da expressão. Sons da humanidade, portanto. Sons que pedem para serem escutados. Porque estão vivos, enfim.



[Vários Artistas] Deriva / Crónica

Quem porventura possa ler regularmente esta coluna (sim, vocês os três…) há-de reconhecer que a palavra “deriva” é usada com alguma frequência como descritivo para muita música aqui focada. A ideia de desvio imprevisto e sem destino calculado que essa palavra carrega parece, de facto, apropriada para descrever muita música mais exploratória e experimental, música que nasce de um impulso criativo, de uma dúvida, de uma qualquer ideia, mas que quase sempre desconhece ou nem sequer se importa com o resultado final, com um objectivo concreto. O importante é a busca, não o destino, o importante é a colocação da problemática, não necessariamente a resposta obtida.

A presente compilação resulta, precisamente, de um desafio lançado a uma série de criadores – Simone Castellan, Stefano Giampietro, Natura Wiwa (Pietro La Rocca e Carlos Zíngaro), Petri Kuljuntausta, Chelidon Frame, Rinaldo Marti, Emanuele Costantini e Dimitrios Savva – por VacuaMœnia (Fabio R. Lattuca and Pietro Bonanno), entidade focada em “revolucionar o significado estético de espaços sónicos abandonados” e apostada na “realização de eventos relacionados com ecologia acústica”, explica-se na página Bandcamp respectiva. E o desafio, revela-se também, é o de investigarem o tema da “deriva”, em termos sónicos, conceptuais, filosóficos e estéticos. “Que práticas, formas, estratégias se podem adoptar?”

As respostas são dadas pelos artistas seleccionados – que são, sobretudo, italianos, mas também com (e é fácil adivinhar quem) representação portuguesa, finlandesa e cipriota, e que pertencem a diferentes gerações (o português Carlos Zíngaro, nascido em 1948, é o mais velho ao passo que Stefano Giampietro, de apenas 27 anos, é o mais novo) – que apresentam aqui uma série de oito intensas peças que procuram traduzir essa tão difusa quanto real ideia de deriva.

Com uma consistência estética assinalável, as peças altamente abstractas aqui apresentadas vivem de drones, matéria harmónica em suspensão, ruídos concretos, manipulação electrónica, processamento acústico minucioso de gravações de campo, trabalho laboratorial em torno das propriedades do próprio som, confundido os planos do natural e do artificial, do real e do hiper real, numa hipnótica viagem que convida à imersão e que leva, obviamente, à deriva do pensamento: muito curioso o resultado do exercício de audição concentrada, em ambiente desprovido de luz, destas oito peças que efectivamente têm o poder de nos transportarem até destino perfeitamente desconhecido, pois claro.



[Roel Meelkop] Crossmodulated / Crónica

Nascido em 1963, Roel Meelkop “estudou artes visuais e teoria da arte” em Roterdão, na Holanda. A sua prática musical recua ao início dos anos 80, altura em que criou o projecto THU20 com Jac van Bussel, Peter Duimelinks, Jos Smolders e Guido Doesborg, colectivo cujas edições – realizadas entre 1986 e 2020 – espelham uma actividade contínua e prolífica.

Meelkop tem ele mesmo uma abundante discografia que se estende entre meados dos anos 90 e o presente, período dilatado em que acumulou vasta experiência e que lhe permitiu colaborar em múltiplos contextos com artistas muito diferentes.

Nas notas de lançamento de Crossmodulated, Roel Meelkop adianta ainda que nos últimos anos se concentrou sobretudo em trabalho ao vivo, “especialmente em colaboração com outros artistas como Jos Smolders, Machinefabriek, Das Synthetische Mischgewebe”, revelando também que a sua “prática de estúdio recebeu um novo alento com a descoberta da síntese modular”, descoberta essa que credita ao seu companheiro criativo de longa data Jos Smolders.

A edição presente, explica igualmente o autor, resulta de combinação de sessões de síntese modular com gravações de campo, com origem no seu arquivo e em trabalho efectuado em tempos mais recentes. Crossmodulated é assim uma obra profundamente abstracta, experimental na forma como procura testar pontes e ligações entre os sons captados nas gravações de campo e depois altamente processados em estúdio (pouco aqui soa “natural”), sendo por isso mesmo tratados como matéria aural análoga aquela que é gerada pelos impulsos eléctricos que percorrem o seu sistema modular. A ideia, aliás sublinhada pelo título, parece ser a de eliminar a diferença ou a distância entre o que é som “sintético” e o que foi captado nas gravações de campo, criando um corpo sónico único, sólido, sem margens ou características definidas.

O lado B da cassete abre com “Crossmodulated 4”, tema que vive de um pulsar rítmico que parece ter sido captado num qualquer dispositivo mecânico, mas que funciona como o elemento propulsivo que nos carrega até bem perto do silêncio que depois se explora a seguir. O longo drone a que se sobrepõem umas parcas notas do que soa a um piano evoca o som da própria tensão, como se o tema servisse de banda sonora a um thriller psicológico moderno, rodado quase sem luz, numa estrutura industrial abandonada. Mas para evitar spoilers de qualquer espécie, o melhor mesmo é que vejam vocês o “filme”, com os olhos bem fechados, obviamente, e que tirem as vossas conclusões (sim, vocês os três…).

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