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Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 09/06/2019

Jorge Ben Jor e Erykah Badu foram os outros destaques no último dia do festival.

NOS Primavera Sound’19 – Dia 3: o futuro chama-se Rosalía

Fotografia: Pedro Mkk
Publicado a: 09/06/2019

Segundo a NOS, 75 mil pessoas passaram pela edição deste ano do Primavera Sound portuense, números menos volumosos que os de 2018 — na altura, a organização divulgou que 100 mil pessoas marcaram presença no festival (e isto incluía o concerto grátis de Fatboy Slim na Avenida dos Aliados).

A premissa do NPS é criar espaço para novas (e alternativas) vozes, mas isso não é impedimento para pequenas aulas de história, que foi o que aconteceu no concerto de Jorge Ben Jor, lenda viva da música brasileira que se apresentou de guitarra ao peito e coração na boca. Autêntico furacão que estava longe de aparentar 74 anos — o samba e o funk (o outro, o norte-americano) devem ter propriedades rejuvenescedoras…

De “País Tropical” a “Mas Que Nada”, passando por “Ponta de Lança Africano”, não existiu canção que não fosse celebrada e dançada, com muito ou pouco jeito, algo pouco importante quando à nossa frente tínhamos um daqueles nomes que se riscam de listas importantes. Feito!

A maior multidão dos três dias de NOS Primavera Sound juntou-se ontem frente ao palco principal para receber, adorar e aplaudir Rosalía, a cantora catalã que se esforçou por comunicar em português com os muitos milhares de fãs que juntaram as vozes para ampliar os coros dos seus maiores êxitos.

O triunfo de Rosalía ontem é mais uma confirmação da vaga de fundo que tem vindo a transformar a face internacional da pop. Já não é apenas uma questão de diversificação das línguas com que se pode ascender aos lugares cimeiros dos tops globais — e às mais nobres posições nos cartazes dos grandes festivais –, mas também a imposição de novos modelos musicais que desviam o até aqui inabalável foco nalgumas tradições anglo-saxónicas.

“Pienso en tu Mirá” foi o primeiro sinal da total sintonia entre Rosalía e o público. Com El Guincho a assumir a parte instrumental operando um set up muito simples, com timbalão de chão, sintetizador e pouco mais, e ainda um coro flamenco com vozes carregadas de drama e palmas sincronizadas à boa maneira andaluz, Rosalía cantou, encantou e dançou ladeada por um conjunto de bailarinas que trouxeram para o palco os motivos coreográficos dos seus icónicos vídeos. Todos os elementos são importantes: El Guincho, produtor de El Mal Querer, é o injector de modernidade, o homem que coloca trap na salada flamenca; o coro é a âncora que mantém Rosalía presa à tradição; e as bailarinas o elemento pop que nenhum dos cabeças de cartaz desta edição de NOS Primavera Sound esqueceu — nem J Balvin, nem Solange abdicaram dessa componente própria dos grandes espectáculos. Mas é Rosalía que assume a parte principal do concerto: é nela que convergem os olhares, são para ela os aplausos e é dela a voz capaz de silenciar o mar de gente que se estende à sua frente quando assina, por exemplo, uma comovente versão acapella de “Catalina”, tema do seu primeiro álbum, Los Angeles.

Antes, Rosalía já tinha passado por “Barefoot in the Park”, o tema de James Blake a que ofereceu a sua voz. Essa seria, aliás, apenas uma de três versões por que a cantora passaria no alinhamento, com a previsível abordagem a “Brillo”, o tema em que se cruzou com J Balvin, e uma discreta homenagem às Grecas, em “Te Estoy Amando Locamente”, a deixar claro que Rosalía não esquece quem antes de si procurou levar o flamenco até ao futuro.
A voz de Rosalía é um portento: afinada, carregada de carisma, de drama e de paixão, mas também capaz de se moldar com efeitos, de se transformar ela mesma num instrumento de modernidade, como tão bem demonstrado com “A Ningún Hombre”, por exemplo. Nesses momentos, em que a voz é a única coisa a que podemos agarrar a nossa atenção, a cantora prova ter garra e força para impor uma carreira ímpar, trazendo para a arena global um som e uma imagem e uma postura singulares, que em nada duplicam o que já se conhece nessa esfera. O mundo está pronto para mudar e Rosalía está mais do que disponível para contribuir para essa mudança.

Como seria de esperar, El Mal Querer ofereceu os principais argumentos ao alinhamento de cerca de uma hora com que brindou o público que se juntou frente ao Palco NOS: além dos temas já citados, outros como “Que no Salga La Luna”, “Maldicion”, “De Aqui no Sales” ou “Bagdad” também se fizeram ouvir, garantindo aplausos que deixam claro que Rosalía não é artista adorada por causa de algum single isolado, mas antes porque a sua ampla visão traduzida já em dois álbuns é abraçada totalmente.

A recta final do concerto trouxe os dois singles que já lhe antecipam o futuro — a infecciosa “Con Altura”, em que participa J Balvin e o próprio El Guincho, e a mais recente “Aute Cuture”, delícia pop servida por mais um icónico vídeo evocado em palco com a coreografia. E depois a apoteose com “Malamente”, o hit que a colocou nas bocas do mundo, o tema que rompeu a direito pelas entranhas de uma tradição e expôs a sua ambição progressiva.

O público saiu rendido e não há como não perceber que ontem foi o primeiro capítulo de uma história que Rosalía há-de escrever em solo português. Foram muitos, e tão sinceros quanto é possível entender neste contexto, os “quero-te muito, Portugal” e sincera igualmente a promessa de voltar e de aprender mais a nossa “língua bonita”. É aguardar então. Coliseu? Altice Arena? Venha ela.

35 minutos depois da hora anunciada, Erykah Badu apareceu, vinda sabe-se lá de que planeta, para nos conceder a maior das dádivas: a sua presença. Com vestes que pareciam apropriar-se do imaginário de uma qualquer tribo indígena (real ou fantasiada, não importa), a autora de clássicos como Baduizm e Mama’s Gun destilou soul por todos os poros e a banda, eficaz e com o groove no sítio certo — o som do baixo, musculado e assertivo, saltou à vista –, cumpriu a mais complicada das missões: criar as condições certas para que a sua estrela brilhasse mais.

Os assobios ouvidos na espera pela cantora desvaneceram-se rapidamente no éter — as desculpas pelo atraso ajudaram — e a diva, como já há poucas, voou sobre nós com uma delicadeza e excelência que pareciam exigir o menor dos esforços, dividindo-se ainda por uma máquina de onde disparou beats esqueléticos que, muitas das vezes, serviram de preâmbulo para os seus temas — que foram de “Caint Use My Phone (Suite)” e “Hello”, ambas da sua mais recente mixtape, lançada em 2015, a “On & On” e “Appletree” do já referenciado (e reverenciado) disco de estreia.

Apesar de parecer que está sempre numa frequência diferente, não deixou de reparar nos drones (sugeriu que seriam da CIA e respondeu-lhes de dedo médio espetado em tom de desafio…) e ainda se mostrou comunicativa perante um público jovem que, para alguém que se importa tanto com energias e vibrações, é tão importante quanto beber água. O misticismo à volta de Miss Badu só se adensa ainda mais ao vivo e a sua prestação corrobora a velha máxima: boa música não fica enclausurada na época em que foi criada e editada.

O regresso do NOS Primavera Sound no próximo ano já tem data marcada: de 11 a 13 de Junho, o festival volta ao Parque da Cidade.


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