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Fotografia: Gregz
Publicado a: 28/09/2021

Para os inquietos.

Mura: “Quis fazer um álbum para pensadores”

Fotografia: Gregz
Publicado a: 28/09/2021

Mura lançou ontem, dia 27 de Setembro, O Álbum do Desassossego pela Godsize Records.

Quem acompanhou os primeiros passos do rap em Portugal certamente terá memórias da loja de discos Godzilla, mais tarde apelidada de King Size. Com o grande salto que o género deu nos últimos anos, ao tomar conta das rádios e das plataformas digitais, perdeu-se aquele sentimento de comunidade e de exclusividade que interligava os nerds da cena, que não perdiam o rasto a uma única das inúmeras edições independentes que se encontravam em constante exibição no espaço que nasceu na Rua dos Douradores, em Lisboa.

“Foi uma das grandes influências para o baptismo da editora”, começou por revelar Sensei D. numa curta troca de impressões com o Rimas e Batidas, ele que há duas semanas dava a conhecer ao mundo um dos seus mais ambiciosos projectos, a Godsize Records. “A expressão ‘Godsize’ tem surgido assertivamente ao longo da minha vida, seja em formato musical como em outros formatos artísticos, e tudo isso impulsionou para dar o nome final”, concluiu.

Com esse lado nostálgico do preciosismo e do coleccionismo bastante presentes, a nova label de hip hop tuga surge com a promessa de oferecer ao seu público o acesso a material físico ultra-limitado, com vista a fomentar a intimidade uma vez mais na relação entre o artista e os seus ouvintes. Sensei explica:

“Hoje em dia a música tem uma ‘validade’ muito curta e as cópias físicas foram desvalorizadas, dado que existem imensas plataformas digitais. A Godsize quer valorizar todo o trabalho criativo envolvente na realização de um álbum, e consequentemente valorizar as pessoas que os procuram e que os estimam. As nossas edições não passarão de 50 cópias limitadas, todas elas identificadas, numeradas e assinadas pelo próprio artista num OBI. Quero reforçar que a relação da editora com a arte vai muito para além da música e valorizamos também o trabalho de artistas visuais através da divulgação dos seus trabalhos nos nossos formatos físicos e outras colaborações.”

Já com um “ADN bem definido” e a preparar os próximos quatro lançamentos, “todos em fase final” de concepção e com edições previstas até ao final de 2021, os planos da Godsize vão também passar por ter “um podcast, uma reedição do Vivificat com material extra, um filme e muito mais”, adianta-nos o produtor. O primeiro fruto deste projecto já se encontra nas ruas e intitula-se Álbum do Desassossego, que assinala a estreia de Mura no formato longa-duração. Durante a conversa com o ReB, Sensei lembra como descobriu aquele que se viria a tornar na primeira aposta do seu selo discográfico:

“A primeira vez que ouvi o Mura ele ainda fazia parte de um grupo musical e desde logo percebi que tinha algo de especial. A música ‘Dissabor‘ captou, em definitivo, a minha atenção. Escolhi o Mura para ser a primeira edição da Godsize porque vai de encontro ao que a editora pretende, um nicho menos mainstream e mais concept oriented.”



Por outro lado, o rapper da Margem Sul, que também falou sobre este momento tão especial na sua carreira com a nossa redacção, explica como esses primeiros contactos com o autor de Vivificat, ele que assina o artwork d’O Álbum do Desassossego, acabaram por resultar numa parceria editorial:

“Posso dizer que fiquei a par desta ‘mega-operação’, talvez, há um ano, ainda por volta da quarentena. Nessa altura já tinha o álbum a meio, mais ou menos, e por sorte minha o Sensei manda-me uma mensagem para trocarmos umas ideias e passar na casa dele para ouvir uns beats. Assim aconteceu, fui ao estúdio dele, ouvimos assim umas faixas por alto e ele pergunta-me no final se não gostava que o projeto saísse pela Godsize. Como grande hip hop head nacional que ele é, era mais que um prazer ter essa ‘guidance‘ vinda dele e dar esta oportunidade ao meu disco de estreia. Depois disso foi cumprir planos e traçar metas para que tudo fosse concretizável.”

Antes das 14 faixas terem aterrado nos domínios do digital, houve ainda tempo para um duplo avanço, “Desabafos Pt.2 x É só Bulir”, que contou com Wugori na produção. Lançado no arranque de 2020 mas não anunciado à data como parte integrante do LP, “Desabafos Pt. 1” dava o pontapé-de-saída nesta proveitosa relação entre MC e produtor, dois dos mais recentes talentos a surgir no panorama do rap nacional. Mura conta como tudo se desenrolou:

“Foi numa daquelas noites d’O 36, por acaso. Na altura, se não me engano, ele estava a apresentar um EP lá no bar e, para alem do skill, adorei a vibe que ele deu ali em live e sempre com o seu humor característico. Fiquei a ver o set todo. No final, o grande Pedro Cabrita puxa conversa de maneira a que nós bulíssemos juntos e, curiosamente, assim aconteceu [risos]. Fizemos o ‘Desabafo Pt. 1’ e desde aí que mantivemos contacto até hoje, até porque esta série dos ‘Desabafos’ reservei especialmente só para beats do Wugori.”

Mas o álbum foi construído com o auxílio de “mais ouvidos” e esse processo durou “mais ou menos dois anos”. Além do artista que veste a pele de rapper em MAL PASSADO BEM PENSADO, também o próprio Mura colhe alguns créditos ao nível da produção, existindo ainda espaço para instrumentais cedidos por gente como DarkSunn, Catalão, YOUNGSTUD ou Sensei D.. Muito em breve, o Álbum do Desassossego conhecerá também o formato CD através de uma tiragem bastante restrita.

Sobre o título deste seu grande projecto de apresentação, o autor revela como este foi influenciado pelos grandes vultos da literatura portuguesa:

“Houve uma altura em que andava a consumir muita história portuguesa. Achava (e acho) que ainda temos muito para explorar. Então, com o desenrolar de dias e noites a absorver informação, cruzei-me outra vez com o Fernando Pessoa, com o Almada Negreiros e com o Agostinho da Silva. Voltei a ler o Livro do Desassossego e deu-me um click, como se tivesse despertado o Mura novamente, até porque eu revia-me ali. Acabou quase por ser uma droga aquele livro [risos]. Pela maneira de viver e pensar destes três autores eu tive um género de uma wake up call tanto na minha vida como na minha arte. Posso dizer que nunca tinha chegado ao início deste álbum se nunca me tivesse cruzado com algo tão intemporal como o que estes senhores fizeram durante toda a sua vida. Com isto, quis fazer um álbum para pensadores, para pessoas que têm curiosidade em melhorar e aprender e que se motivam todos os dias porque gostam do que fazem, nada mais. Para homenagear a língua portuguesa e a sua poesia decidi chamar-lhe o Álbum do Desassossego.”


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