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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 11/03/2021

Gonsalocomc ajudou o jovem artista a pintar o seu novo auto-retrato.

Wugori sobre Mal Passado Bem Pensado: “Tentei ao máximo ser sincero. Foi essa a minha rede de segurança”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 11/03/2021

Mal Passado Bem Pensado é o curta-duração que junta as rimas de Wugori às produções de Gonsalocomc. O trabalho foi colocado à nossa disposição nas diferentes plataformas digitais e, na versão que mora no YouTube, vem acompanhando de um vídeo realizado pelo próprio rapper.

Foi na recta final de 2019 que Nuno Rodrigues lançou o seu primeiro trabalho, Ciclo Das Duas Cobras, numa aposta arrojada por parte da Chinfrim Discos, que assim juntava o rap pela primeira vez ao seu catálogo. Escrito e produzido por Wugori, no EP ouviam-se as mesmas dedadas poeirentas, saturadas e repletas de macaquices que, um ano antes, haviam sido celebrizadas por Earl Sweatshirt em Some Rap Songs, com as rimas a encontrarem também alguns rasgos de génio semelhantes aos do ex-Odd Future, num registo que tem tanto de cru e venenoso como de vulnerável e autobiográfico.

Poucos meses após essa edição, o MC e beatmaker subia pela primeira vez a um palco, num festival organizado pela Chinfrim no Anjos 70, e tudo parecia bem encaminhado para o artista da Amadora que agora conta 24 anos. Tal como a todos nós, a pandemia trocou-lhe as voltas. Nos tempos que se seguiram, o obstáculo tornou-se em combustível e do seu sótão não pararam de surgir novidades. Entre o Bandcamp e o SoundCloud, foram vários os devaneios editados que nos mostravam o jovem criativo a fazer de tudo para desbravar terreno, não apenas na música mas também na vertente gráfica, ele que assina as capas e vídeos dos dos seus próprios lançamentos. Este agente duplo infiltrou-se ainda na cena trap sob o nome de código Juice Manuva e protagonizou uma série de avacalhos que lhe valeram alguma tracção no SoundCloud — com direito a chamada para lançar na Andamento Records.

Ainda é demasiado cedo para prever como acaba mas, para já, 2021 fica marcado por um regresso de Wugori à casa de partida, o boom bap lo-fi, mas numa nova fórmula, já que delegou a tarefa da produção a Gonsalocomc. Mal Passado Bem Pensado é uma espécie de livro de bolso em jeito de auto-retrato, no qual o rapper se mostra mais maduro, seguro e apto a abraçar novos desafios.

Em conversa com o ReB, Nuno traçou o seu próprio percurso na música, abordou a criação deste seu mais recente projecto e deixou ainda claro o ADN que tenciona introduzir num álbum de estreia que está neste momento a ser delineado, “ali ente o trap e a electrónica.”



Lembras-te de quando é que começaste a fazer música? Como é que foram esses primeiros passos?

Tinha para aí 12 ou 13 anos e comecei a fazer loops no virtual DJ e a sacar programas pra fazer música, acabando por chegar ao FL Studio… Nessa altura estava no 7º ano e tinha um colega meu que produzia kuduro e foi daí que retirei bases para aprender e experimentar dentro da música electrónica. Dois anos depois mostraram-me J Dilla e Madlib e eu senti-me desafiado a chegar ao mesmo nível de produção daqueles dois, coisa que ainda hoje acontece.

Quanto ao teu nome de artista, Wugori, há alguma história por detrás disto?

Vem de dois grupos que ouvia muito, os Wu-Tang Clan e os Gorillaz. Quando era mesmo puto ouvia muito o primeiro álbum dos Gorillaz, e na altura juntei os dois nomes e deu Wugori.

Além dos Wu-Tang Clan e dos Gorillaz, que outros artistas dirias que tens como referência para o tipo de hip hop que fazes?

As influências das cenas mais tradicionais que faço são Earl Sweatshirt, Quelle Chris, Madlib, MF DOOM, Roc Marciano, Ka e Flying Lotus. Na onda da eletrónica tenho inspirações da minha zona, como os Buraka Som Sistema, e outros produtores como o Mike Dean e mesmo Justice, TNGHT e FKA twigs, por exemplo.

Tu tinhas lançado o Ciclo Das Duas Cobras, mais ou menos há um ano, pela Chinfrim. Creio que até eras o único artista de hip hop na editora. Como é que surgiu a ligação a eles?

Basicamente, o Dragão Inkomodo convidou-me para fazer um live set no Desterro, onde acabei por conhecer o Bernardo, que me convidou mais tarde para a Chinfrim. Entretanto já não estou com eles, mas lancei lá o Ciclo Das Duas Cobras, o primeiro EP em que “cuspi”, e apresentei-o ao vivo no Anjos 70, sendo que foi o meu primeiro concerto com o mic à frente, o que foi grande cena pra mim.

Agora tens um novo EP, cuja sonoridade se encontra dentro do mesmo espectro onde se situava o primeiro, mas pelo meio eu vi-te bastante activo a experimentar outras coisas, até mesmo com outros alter-egos. Queres falar-me um bocado sobre estas investidas?

Depois de lançar o C2C quis explorar novas sonoridades e para enganar o meu cérebro, e não me meter limites, criei o Juice Manuva, o meu alter-ego, onde acabei por investir mais na onda do trap. Ainda cheguei a colaborar com o pessoal da Andamento, mas agora o Juice ficou um bocado em standby tendo em conta que quero explorar novas cenas com o Wugori. No fundo tinha nascido de sessões no sótão com os meus amigos e era basicamente uma diversão nossa que achámos por bem partilhar com o mundo. E tenho também feito outras experiências. Durante o último ano estive a tentar descobrir-me um bocado, depois daquilo que fiz no Ciclo Das Duas Cobras. Não queria estar só ali de volta do boom bap mais tradicional. Andei para a frente e para trás até ter encontrado o Gonsalocomc, que é uma pessoa de quem eu gosto bué, quase um irmão para mim. Conheci-o por causa do Ciclo Das Duas Cobras, que foi um projecto que ele também curtiu bué. Encontrá-lo deu-me a oportunidade de voltar um bocadinho atrás naquilo que eu estava a fazer e a sentir-me confortável outra vez. Agora sinto que já estou mais pronto para mostrar outras coisas ao público e até fazer um álbum. Vai ser algo diferente, mais electrónico, fora do tradicional.

Este projecto com o Gonsalocomc: vocês criaram os temas ao lado um do outro?

Eu nunca estive com o Gonçalo. Nós falamos mas nunca estive com ele, até por causa disto da pandemia… Ando a ver se isto abrande um bocadinho para me tentar encontrar com ele. Mas fizemos tudo pelo WhatsApp, basicamente. Ele mandava-me os beats, eu gravava, fazia uns loops, tentava mixar tudo, masterizar… Tentava deixar tudo assim, mais bonitinho, mas não demasiado.

A principal diferença que eu notei deste disco para o teu anterior é que a tua escrita está mais limada, mais objectiva. Sentes que ao libertares-te da produção ganhaste mais espaço para te focares nessa vertente?

Se calhar. É capaz. Eu ainda estou a tentar perceber o que é que isso me deu. Mas descobri um outro lado meu, porque eu antes tinha aquela ideia de “se sou produtor, só vou rimar em beats meus”. Ter aberto este espaço para trabalhar com alguém com quem me identifico foi libertador e se calhar deu-me mais espaço para escrever. Não sei… Já a experiência toda que eu tive antes, como Juice Manuva e a tentar fazer outras coisas, também me libertou um bocado para eu aprender a escrever e a posicionar-me melhor nos beats. Uma cena que eu aprendi agora com o Gonçalo foi a adaptar-me ao beat. O Gonçalo mandava-me o beat e eu sentia o que é que o beat estava a pedir. Isso para mim foi novo e foi uma aprendizagem porreira.

Então, no Mal Passado Bem Pensado, escreveste sempre para um determinado beat? Não te aconteceu teres uma letra já feita que só depois foi adaptada ao instrumental?

Normalmente, como sou eu a produzir, tenho as ideias primeiro e quando começo a criar o beat ele já vai ser feito a pensar naquilo que eu quero dizer. Neste caso, no Mal Passado Bem Pensado, foi ao contrário. Eu tive de ir buscar essas coisas a outro sítio e foi bom, porque eu tentei ao máximo ser sincero. Foi essa a minha rede de segurança. O que quer que eu fosse fazer no beat, tinha de ser sincero. Acho que isso é o mais importante. Com isso ganhei espaço para me adaptar a cada instrumental.

Ah, e ainda fizeste a peça em vídeo que acompanha o trabalho no YouTube. Por acaso, até estava há bocado no Bandcamp a olhar para as tuas capas. Todas elas me parecem seguir o mesmo traço. És tu que tratas disto tudo?

Ya. Sou eu que faço tudo o que é design e vídeos. Acho que dá um ambiente bonito e conta uma história ligada àquilo que é lançado. E trabalhar o lado visual é também algo que eu gosto de fazer.

Foi algo que arriscaste em aprender sozinho e fazer?

Exactamente. É espontâneo. Consoante aquilo que eu quero fazer, vou aprendendo e tentando fazer até meter cá fora.

Há bocado falavas-me na ideia de um álbum de estreia de Wugori. É algo que já tens em marcha ou ainda é só uma ideia?

Eu tenho várias coisas que ando a desenvolver. Tive esta ideia do álbum no ano passado. Estava até com esperanças de o lançar no final do ano passado. Fui fazendo. Tenho músicas guardadas no computador que ainda não sei se vou usar ou não. Já tenho algumas experiências porreiras. Agora é ver. Continuo a criar coisas novas, ando a explorar… Ali entre o trap e a electrónica. Não quero fazer aquilo que já fiz. Já estou um bocado farto. O Juice Manuva também me fartou um bocado daquele tipo de trap… Não consigo voltar a ir por aí. E ainda bem, porque não era o que eu queria. Agora é explorar e tentar criar algo novo dentro daquilo que eu gosto de fazer.

Nesse disco vais ser novamente só MC ou agarras também o papel de produtor?

Acho que vou ser eu a fazer tudo. Produção e escrita. Não sei ainda, mas é capaz que surjam convidados. Mesmo assim… Estou mesmo numa de fazer tudo sozinho e de me encontrar. Até porque eu sinto uma certa responsabilidade em lançar isso e mostrar às pessoas. Já estou há muito tempo aqui fechado na minha bolha. Lancei agora este projecto, um regresso ao boom bap, mas preciso de provocar e ir um bocadinho mais longe.

E isto do distanciamento social, veio afectar de alguma forma o teu processo laboral?

Não alterou muito. Tenho sempre o meu sótão e estou habituado a vir para aqui trabalhar. De vez em quando aparecem amigos, vão embora… Mas eu estou sempre a trabalhar. A quarentena só me fez ficar mais tempo em casa e a trabalhar mais. Não senti qualquer mudança…

Foi essa a mudança: trabalhares mais.

Pois, exacto. O que me chateia agora é o não poder ir lá fora espairecer um bocado e apanhar sol. Sinto que isso também é muito importante. Tem um peso grande.


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