Não é fácil decifrar Mike11, o jovem artista lisboeta que se deu a conhecer há cinco anos com a sua fusão original de r&b moderno com guitarra portuguesa — herança do fado da cidade, cultura onde cresceu profundamente imerso. Com um novo disco recentemente lançado, ELEVEM, por um lado mostra-se desapontado com a indústria musical e melancólico (algo que vem da sua personalidade mas também do fado que carrega); por outro, revela que teve de se sentir realmente feliz para conseguir compor este disco de love songz. Mike é enigmático, intrigante, expondo as suas visões mas medindo sempre as palavras.
A “mulher”, assume, costuma ser a sua musa inspiradora, seja alguém com quem teve uma relação ou a mãe ou a sobrinha (que abre o disco, na faixa “I.L.J.”, com os seus choros de bebé). Mike11 construiu um disco de canções de amor, num tempo que não é de amor e em que alegadamente as pessoas cada vez menos escutam álbuns. São temas açucarados que podem ter ressonância universal; mas ao mesmo tempo vêm de um lugar muito específico, do universo muito próprio que Micael Henrique Gomes tem vindo a construir e a idealizar.
Seja nos videoclipes ou na produção, certo é que Mike11 procurou ser mais auto suficiente em ELEVEM face a 19.2k, o seu disco de estreia, editado há dois anos. Desta vez apenas contou com a participação de dois amigos e colaboradores próximos nas vozes (Jaca e Agnes Nunes); e de uma dupla na pós-produção, Jorsonn e G-Vargs. Pelo meio, mesmo que não esteja creditado, também ouvimos a voz de Ty Dolla $ign, célebre artista norte-americano com quem o português privou quando visitou os EUA no início deste projecto musical, encetando ligações com Scott Storch e Jeremih, que resultaram no seu estrondoso single de estreia, “My Tata“, em 2018.
Cada vez mais despido de constrangimentos, Mike11 mostra-se em busca de uma maior honestidade e liberdade artística e criativa, sem amarras que o prendam a padrões formatados pela indústria. Independentemente dos resultados, é cada vez mais ele próprio na sua música. ELEVEM foi o mote para uma conversa com o Rimas e Batidas na Baixa de Lisboa, enquanto o seu autor ia trocando as cordas da sua guitarra portuguesa.
Quando é que começas a construir este disco? E foi uma construção intencional, consciente de que seria um álbum, ou simplesmente vais sempre trabalhando em música nova e eventualmente fez sentido tornar-se num disco?
Uma questão sobre mim é que nunca faço nada de forma muito consciente. O álbum, assim como todos os projectos… Não penso sobre eles. Comecei a fazer o álbum em Março. Há um dia que eu acordo e é sempre assim: apetece-me compor e vou fazer um disco. Aliás, eu tinha planeado que iria fazer um álbum e lancei o “Madruga“, no final do ano passado, e supostamente esse seria o primeiro single do disco. Só que entretanto fiquei sem inspiração ou simplesmente não o fiz, e depois há um dia em Março…
A partir daí estavas num estado de espírito propenso à criação e por isso é que foi um processo tão rápido?
Sim, e estive nesse estado até há bem pouco tempo, até há uma semana. Terminei o álbum e acho que depois fiz mais umas três músicas. Já há muito tempo que sonhava fazer os meus vídeos, realizar e editar, então também estou nesse processo.
É uma questão de quereres explorar a tua estética visual à tua maneira?
Sim. Uma das minhas primeiras ligações ao mundo da arte foi com o Johnny Depp. Em puto, era muito fanático e tudo o que envolve a arte, a música, o cinema… Infelizmente não estudei cinema, não tive essa consciência.
Mas gostarias de ter estudado?
Sim. Mas, pronto, comecei a fazer vídeos mesmo para me tornar mais independente a produzir, para ir ao encontro daquilo que gosto de fazer, escrever as minhas próprias histórias.
Voltando ao disco: criaste as canções muito por impulso criativo. Em termos conceptuais, foi algo que se foi desenvolvendo no processo, ou já tinhas algum objectivo definido à partida?
A minha vida é música, então o objectivo é quase o meu dia a dia. O ELEVEM é quase uma tentativa de chamar a atenção para este tipo de música, que não se ouve tanto, o r&b, este instrumento [aponta para a guitarra]… Sendo eu um representante dessa estética, os projectos estão sempre nesse querer, que as pessoas oiçam este tipo de música. É um disco também feito numa idade mais adulta, tenho 25 anos…
Lembro-me de dizeres, quando lançaste o teu álbum anterior, que era um disco muito ligado à família. Este também tem um conceito em concreto, para ti?
Bem, os meus projectos serão sempre sobre família. Até porque não sou uma pessoa de muitos amigos. Então, as pessoas com quem me dou é sempre uma coisa muito familiar. Os projectos têm sempre um agradecimento ao amor, e a família faz parte disso. Às vezes os artistas falam de precisar de estar numa vibe mais down… Eu só consigo compor quando estou feliz, por isso é que componho pouco [risos].
Em termos de processo criativo, o que mudou neste disco?
O que mudou foi que produzi tudo sozinho. Nos anteriores tinha tido uma ajuda na produção, meio que uma coisa feita a dois, e neste não acontece isso. A pós-produção fiz com o Jorsonn e o G-Vargs, mas é um projeto produzido por mim do início ao fim. Fizemos as nove canções em duas semanas, para aí.
E estavas a dizer que depois do disco já compuseste outras canções. Mas quiseste lançar o álbum com nove temas — sendo uma delas uma faixa bónus — por alguma razão específica? Ou simplesmente consideraste que o disco estava feito naquele momento?
Eu tenho um bocado uma ligação com os números e [especialmente com] o 11. Então, os 9 + 1 + 1 dá 11. Não sei se é bom para mim ou não, mas é inegável, nasci a 11 do 11. Meio que vou juntando os números e vou tendo a minha fé de que, se os juntar, há-de correr melhor.
E o que representa o ELEVEM do título? Obviamente, além da alusão ao teu nome e ao teu número.
Estava no carro com um amigo meu que toca viola, o João Domingues, e ele na última back da música “Refúgio” disse: “Parece-me que diz ‘eleva-me'”. E pensei: “Olha, o disco vai chamar-se ELEVEM“. Foi assim. E meio que veio dar mais expressão àquilo que peço às pessoas, de forma simples, fazendo a minha música: peço que elas a oiçam, se quiserem.
Como é que tem sido até agora? Já passaram alguns dias desde que o disco saiu.
O mundo vive em guerra. O pessoal não está para ouvir love songz. As pessoas vivem numa correria desmedida, e eu sou um filho da era do áudio, cresci a ouvir outras coisas… Sei que sou um puto que criou uma coisa meio louca num primeiro tempo de redes sociais, que foi agarrar numa guitarra e meter-me em cima de carros e aquilo efectivamente explodiu. Mas, depois, no fim do dia fui criado para fazer música. Não consigo viver nessa coisa de ter que fazer algo para a música funcionar… E, efectivamente, estamos num tempo em que o amor não é a prioridade. Estamos muito mais focados em nós mesmos, sozinhos, e é o que é. Se lido mal com isso? Não. Vivo confortável com o que a vida me dá. Mas faço música há quase 20 anos.
E é quando estás feliz e nesse mood das canções de amor que ficas estimulado para compor?
Sim, preciso é de não estar muito feliz na relação amorosa [risos]. Continuo sempre a pintar sobre o mesmo quadro, até que me canse.
A primeira faixa do teu disco é muito mais instrumental.
A minha sobrinha nasceu no meu dia, o dia 11 — de fevereiro, o que faz com que também seja 11 do 11, de certa forma — e a primeira vez que a miúda chorou à minha frente gravei e fiz esse instrumental. Então o instrumental sou eu e a minha sobrinha. “I.L.J.” significa Isaura Lobo Janeiro.
E a tua música, instrumentalmente, também funciona bastante bem. Sendo tu um amante de guitarras, suponho que também gostes de álbuns que só tenham guitarra ou instrumentos de cordas.
De instrumentistas específicos, sim. Oiço muito o Vicente Amigo, por exemplo.
Porque, como não têm voz, consegues fazer coisas diferentes com o instrumento e podes explorar mais. Fiquei a imaginar como seria um disco instrumental de Mike11.
Exactamente. E têm-me pedido esse álbum, desde sempre. E farei, de certeza, mas quando sentir que a minha coisa do cantar, do produzir e de tocar para mim estiver num sítio com que me sinta confortável. Antes de tocar, comecei por cantar. E cantar também é um sonho meu. Só ainda não sei bem… Queria tocar alguma coisa assim diferente, mas ainda não sei bem o que quero.
Em termos sonoros, comparando este álbum com o 19.2k, no que é que notaste a tua evolução? Procuraste fazer coisas diferentes, olhando agora em retrospectiva?
Sou muito mais eu. Como fiz tudo do zero, fui brincando com os instrumentais. No 19.2k, senti depois que “mudaria isto ou aquilo”. Neste não. Há um mês, eu era aquele artista e fui fiel a isso, sem pensar em mudar alguma coisa ou o que seja. Por exemplo, às vezes na produção tento não tocar tantas guitarras. Sei que as pessoas gostam, mas ao mesmo tempo sei que é algo que as tira das músicas.
Da parte mais r&b da coisa?
Mesmo na vida das pessoas. Quando ia a um club, ouvia o “My Tata”, vinha o solo e o DJ cortava… As pessoas hoje não ouvem música em silêncio. E é um facto que o som da guitarra portuguesa pede às pessoas, sem elas perceberem, para que estejam em silêncio. Até porque — e é curioso — as pessoas pedem-me um álbum instrumental mas nos meus maiores hits nenhum tem guitarra portuguesa, só há viola. E eu adoro tocar viola, atenção, sobretudo a viola de nylon, a flamenca, amo a sonoridade. A guitarra portuguesa é um instrumento muito mais de casa, de tocar ao ouvido, é Lisboa.
A música com o Ty Dolla $ign estava guardada desde quando estiveste com ele nos Estados Unidos?
Sim, desde aí.
Estavas à espera do momento certo?
Não… Senti que o meu público mais fiel queria a música há muito tempo e estive muito tempo para a lançar, então decidi lançá-la agora. Até porque passou algum tempo mas eu continuo a adorá-la. No fim do dia, apesar de algumas questões que eu possa ter, como músico e pessoa, como toda a gente, efectivamente aos 20 anos tinha gravado com os meus artistas favoritos da vida toda, o Jeremih e o Ty Dolla. Sou um apaixonado por r&b e, dos mais próximos da minha geração, são aqueles de que sempre mais gostei. Então, ao ver as músicas cá fora também sinto: “Consegui isto.”
Mas porque é que não incluíste a faixa no 19.2k, por exemplo?
Achei que não tinha tanto a ver com o estilo do disco. Já tinha muitas músicas, no 19.2k também estava um bocadinho mais zangado com a América, voltei a resolver-me agora.
Gostavas de voltar lá, para fazer mais colaborações e trabalho de estúdio?
Estar em estúdio, sim… Gostava. Mas não agora, já. Agora apetece-me mesmo fazer música portuguesa, com portugueses, para os portugueses.
A música que tens com o Jaca e a Agnes Nunes, a “Refúgio”, também é um dos temas que se destacam no disco. Obviamente trabalhas em tudo com o Jaca, mas queres contar como é que nasceu esse tema?
Eu tinha o pré-refrão, o refrão, o meu verso, o verso do Jaca, num beat mais simples que eu tinha feito, com esta estética das guitarras. E sempre que pensei no “Refúgio” pensei no “Corazón Partío” em português… Era fãnzaço do Alejandro Sanz. E eu sou amigo da Agnes há algum tempo e perguntei-lhe se ela queria fazer o pré-refrão, e ela foi ao estúdio, aquilo foi super rápido. Ela cantou aquilo lindamente, com aquela coisa dela. Depois pus-me a ouvir o instrumental sem vozes e acho que está lindo, adoro aquele instrumental.
Nas tuas músicas, é sempre o instrumental que vem primeiro? Ou não necessariamente? Por vezes há melodias de refrões que dão o início para a canção?
Sim, sim. Na realidade, acordo todos os dias com melodias. Acho que tenho três mil sons…
E é fácil perceber se essa melodia é mais indicada para a guitarra ou para a voz?
Sem dúvida. Na guitarra tento sempre aquela coisa de fazer no momento — e quem me grava sabe disso. É sempre mais fixe. Nenhuma música do meu disco tem um solo repetido ou uma malha repetida. É para trazer esta coisa que faz viver a guitarra portuguesa, que é o sentimento do momento. E também é a minha forma de tocar mais pura. Porque se for muito perfeito, não sou eu. Preciso daquela sujidade… É tudo gravado live, one take. O que sentir é o que fica.
E a escrita em si?
A parte da escrita é toda muito parecida. Eu tenho um problema na escrita, que é ser pouco gratuita. Porque cresci com uma estética fadista, então a mensagem não é tão directa. É mais abstracta. E falo sempre sobre o amor, nesta minha coisa mais melancólica. É um processo fácil, também.
E normalmente já tens a base instrumental mais ou menos definida quando começas a escrever?
Sim, pode até estar sem drums ou qualquer coisa. Nasce sempre mais pela viola, como tem uma base harmónica mais sólida. A guitarra portuguesa, por si, é mais melódica. Então tento criar por cima das violas ou nos acordes de um pad.
Não fazes fado, embora tenhas uma enorme ligação à cultura e toques um instrumento que tem tudo a ver com o fado. Sentes que o teu lado melancólico também vem muito daí?
Sem dúvida. É muito de personalidade, mas obviamente quando o fado cai na minha vida, isso vem ainda com mais ênfase. Fala-se, por exemplo, da solidão ou da morte nos fados como uma coisa natural do dia a dia. Aliás, um português não é português sem sentir saudades. Há muito tempo que não oiço fados no carro, por exemplo. Tento é ir aos fados, sempre que posso. O que me apaixonou pelos fados foi essa coisa que acontece, à noite, com uma data de pessoas, que cantam há 50 anos…
Qual é o teu sítio de eleição para ouvir fados?
O que nunca me deixou foi a Tasca da Bela, em Alfama. E a Mesa de Frades. Mas toquei em todas.
E vês-te um dia a colaborar com artistas mas a fazer uma coisa diferente? Ou seja, a misturar o projeto de Mike11 — com o r&b, etc. — com um ou uma fadista, a criar uma fusão diferente, mais próxima do fado?
Sim, sem dúvida. Aliás, vou produzir agora o disco da minha sista, a Beatriz Felício… Claro que terá a minha forma de ver as coisas, mas é meio que isso. Se bem que sempre me tentei descolar desta coisa dos fados para não vender às pessoas uma ideia errada do que é o projecto. O que tive a ganhar com os fados já ganhei, que foi conhecer pessoas incríveis, que me educaram enquanto músico. Os fados trouxeram-me uma das minhas maiores paixões que é a guitarra portuguesa e a música… E no dia que eu meio que tentar agregar este projecto ao fado, sem ser pela causa natural que é este instrumento que respira nestes dois mundos — no do fado e no meu mundo —, estou a ser ingrato para com o fado. Estou a querer roubar-lhe uma coisa e não o posso fazer. O que ele me tinha a dar já deu e agradeço mesmo muito por isso. E continua a dar todos os dias. Por isso é que tenho de continuar a não vender laranjas como se fossem morangos. Devo-lhe isso.
Falando do teu papel enquanto produtor, e tens trabalhado bastante com o Jaca, obviamente é uma componente criativa diferente porque estás a contribuir para o trabalho de outra pessoa. Também gostas desse papel?
Sim. Assim muito por alto, acho que já fui convidado para produzir muita gente — e bem, agradeço — mas produzir o Jaca não é bem servi-lo. Porque, ao fim de conhecer tanta gente a fazer música, conheci uma pessoa que fala como se fosse eu. Então produzir o Jaca é quase como produzir-me a mim. Até porque a história de vida dele, noutro prisma, é muito parecida com a minha. E os dois sentimos dores muito parecidas. Com outras pessoas, estou interessado se me identificar com o projecto. Por exemplo, adoro o EU.CLIDES… Eu só fui a três concertos na vida: Sting, Alcione e EU.CLIDES. Mas isto é tão uma religião para mim que só irei produzir um projecto se sentir tanto como o do Jaca. Nunca será algo a menos. Porque vou dar tanto como se fosse para mim — ou mais. E no projecto do Jaca, ou da Bia, há um comprometimento humano e musical. Não consigo fazer música com uma pessoa que não conheça. Mesmo nos casos que aconteceram na América, tenho de me sentar com a pessoa à mesa e saber quem é.
Já disseste que colaboraste com as tuas duas principais referências desta área musical. Mas há mais alguém com que sonhasses concretizar uma música?
Curtia muito de fazer com o PARTYNEXTDOOR, por exemplo. E o Dr. Dre, o 50 Cent… Não o defino como o meu rapper da vida, mas, ao crescer, o homem estava… Com a cena no instrumental, aquela coisa muito clubbing, adoro aquilo.
E o r&b contemporâneo que se faz hoje em dia nos EUA, com todas as influências de trap, estimula-te ou nem por isso?
Não… Os projectos estão um bocado estagnados… É como tudo, é cíclico. O trap, por exemplo, começou a funcionar mais há oito anos, talvez, e tudo tem o seu tempo. Na primeira vez que estive com o Scott, ele disse-me: o trap começou a bater agora, vai durar 10 anos. Meio que sinto que é isso. Por acaso há um grupo de miúdas de que eu gosto que são as Flo, com aquele r&b mais pausado. Tenho ouvido mais bossa nova e samba agora…
Também gostas dessas guitarras.
Adoro. Acho que o músico que mais ouvi a minha vida toda foi o João Gilberto. Sei tudo, de uma ponta à outra. É outra classe.
Gostarias de explorar algo mais aproximado disso?
Sim, por acaso o Scott convidou-me há um ano para fazermos um álbum de bossa nova com trap… Mas amo tanto bossa nova que, não sei…
É o mesmo que estavas a falar em relação ao fado.
Exacto. Se calhar tenho de pensar um bocadinho melhor sobre como é que poderia pôr um gostozinho disso. Por exemplo, o “Refúgio” tem ali um samba por baixo. Mas sem magoar. E esta coisa das vibes mais afro que o álbum até tem… Esta coisa de que se vive ainda, desta chatice da cor da pele… Efectivamente os músicos portugueses e as pessoas não se podem esquecer de que também somos filhos do C4 Pedro, do Nelson Freitas e do Grace Évora… Portugal é uma junção disto tudo. Por exemplo, o “Eleva-me” tem aquele beatzão com a cadência afro e a guitarra portuguesa… Pá, adoro. É uma junção de culturas e cresci mesmo com aquilo. A música portuguesa é uma junção de muita gente.
Em Portugal, há uma imensa cultura de rap, mas de r&b não tanto. Houve e há algumas coisas, mas nunca tanto como rappers e produtores de hip hop. Sentes que é uma lacuna?
É a questão de o mundo estar em guerra. Dantes vivia-se com mais amor. A minha geração quando pensa em dizer “amo-te” ou ser carinhoso com alguém, pensa se aquilo irá de alguma forma baixá-lo perante a outra pessoa. E o r&b é falar sobre o amor de forma clara. Não posso dizer que amo o meu amigo e antes de lhe dizer pensar “será que isto me vai deixar mais frágil”? Não, efectivamente eu amo-te. E o r&b é isso. Acho que o Murta o faz bem, nalgumas músicas, o Jaca também, embora seja mais rua… O Jaca é mais rua na escrita, eu sou mais rua nos beats, mais 2000. De agora, adoro Smino, SiR, aquela coisa jazzy… Já os imagino a cantar todos com uma banda jazz. Adorava fazer isso comigo. Por acaso já estou a fazer um novo disco, que quero fazer com uma banda jazz, não perdendo essa cadência marcada do drum… E aqui, nalguns instrumentais, já tem um bocadinho… Tentei sempre soar mais livre, de tudo. A forma como toco em 2023 não é igual como quando tocava no 19.2k em 2020. Estou cansado de não ser eu para poder pintar para esta indústria.