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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 11/03/2022

Dois nomes que ainda vão andar por aí mais alguns anos.

Mereba e Masego no Coliseu de Lisboa: uma estrela em construção e um astro em velocidade constante

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 11/03/2022

É curiosa a forma como nos apercebemos que o mundo nunca mais será o mesmo a cada dia que passa, que nós mudamos com ele e que as nossas experiências esculpem aquilo em que nos vamos tornando. Apesar de um tema mastigado — talvez agora abordado com leviandade e curiosidade de um horizonte próspero — é de notar que o mundo pós-pandémico ainda está a ser delineado e são as várias as incertezas e as transformações que decorreram ao longo destes dois anos. E curioso foi ver caras tão jovens ao entrar numa sala tão antiga, que já perdeu conta dos rostos que por lá passaram e voltaram a passar, como a do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para acolherem a passagem de Studying Abroad Tour: Missed My Flight, de Masego, numa data simbólica como o Dia Internacional da Mulher. 

A primeira parte da sessão ficou a cargo de Mereba e da sua sonoridade peculiar que mescla o soul e o r&b numa homogeneidade que soa a facilidade, não soubéssemos nós a complexidade das suas influências. Pela primeira vez a pisar um palco português, Marian Mereba apresentou-nos um pouco do seu repertório, passando pelo single “Black Truck” e a “Beretta”, faixa rapidamente reconhecida pelo público, que integra o seu último EP, AZEB, com selo da Interscope Records. Apesar do instrumental que acompanha as suas melodias ser aguçado e delicado, o que confere uma sublime e notável actuação de Mereba é, sem qualquer dúvida a sua voz, que respeita fielmente as versões de estúdio, tornando-se assim um instrumento por si só essencial para todo o concerto.

É impossível não pensarmos em Lauryn Hill, Erykah Badu ou até mesmo Joni Mitchell enquanto nos deixamos levar por Mereba, mas foi Stevie Wonder, o seu mentor, que ajudou a artista norte-americana a encontrar o seu próprio universo: “This is what the world needs: honest, pure music just pouring out of someone”. As palavras de encorajamento de Wonder levaram Marian a não só escrever as suas próprias letras, como a aprender a produzir as mesmas, de forma a respeitar ao máximo a sua sensibilidade. Numa entrevista com Vince Staples para a Interview Magazine, Marian explica que este processo, apesar de não ser fácil e de não ter o método mais eficiente, foi uma “linguagem” necessária para facilitar o trabalho com outros artistas. Assumindo que muitas das vezes não sabe o que está a fazer, o resultado deste exercício tem vindo a dar frutos. A receptividade com a qual Marian Mereba vê e sente o mundo é perceptível na criação das suas paisagens sonoras, que lhe concedem um lugar de destaque no r&b contemporâneo. Ainda que haja muito a ser escrito, discutido e ouvido, a sua performance na capital portuguesa foi curta para fazer jus à dimensão do que poderá vir a sair dali num futuro próspero, mas o primeiro passo foi dado e a experiência foi bem recebida. Fica o desejo de um regresso em nome próprio numa sala que consiga enaltecer o potencial da sua voz e sonoridade e, sobretudo, com um público que se relacione e identifique com a sua sensibilidade musical.

Face ao choque do regresso à realidade após uma completa imersão no mundo de Mereba, durante a meia hora que se seguiu antes da sessão principal do dia, notou-se um público heterogéneo e difícil de decifrar. Podemos até, de uma maneira menos objectiva, dizer que o concerto de Masego foi o momento de união entre a geração Tiktok e os millennials do cigarro eletrónico. É um tanto curioso a mudança desta audiência face à primeira visita do artista americano a Portugal, que remonta a 2018, na altura para o Super Bock em Stock. Ao contrário da fila que se fazia na altura para se entrar no Capitólio e assistir ao fenómeno do “TrapHouseJazz” de Micah Davis, desta vez houve lugar para todos. E todos, de telemóveis ao alto gravando o momento para a celebração do imediato, receberam Masego ao palco ao ponto de ser impossível vê-lo senão através de um pequeno ecrã.

Não obstante esta pequena observação, a actuação e interação de Sego conseguiu superar a anterior prestação, uma vez que o alinhamento e devidas transições revelarem terem sido aperfeiçoadas e ter sido ainda acrescentada uma narrativa romântica à sua apresentação. Masego contou-nos a sua procura por uma cara-metade ao longo do seu repertório que não esqueceu canções de Lady Lady, o primeiro álbum de estúdio. Davis é um instrumentista criativo — isso é inegável — para além de metódico, cativante e um excelente performer. As origens do improviso são evidentes, mas pecou com solos de saxofone previsíveis e contidos, tendo deixado esse espaço de liberdade para a bateria, que desta vez não se atreveu a brincar.

Depois de um moonwalk de homenagem a uma das suas influências musicais, de distribuir rosas pelo público e rolar umas bolas pelos ares em modo malabarista, fechou o concerto com a faixa que o tornou célebre: “Tadow”, para além de inevitável, foi a primeira música que tocou aquando da sua passagem pelo Capitólio. Masego continuará certamente a fazer aquilo que sabe melhor — nomeadamente música que conforta –, resta saber se o seu público continuará a renovar-se ou se se tornará, mais cedo ou mais tarde, vítima desse aconchego sónico.

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