[TEXTO] Alexandre Ribeiro e Alexandra Oliveira Matos [FOTOS] Direitos Reservados
Maria & Sensei D. e Pedro Mafama inauguraram a aula de Ciência Rítmica Avançada com diferentes propostas e calibraram as expectativas de todos aqueles que marcaram presença pela primeira vez: se ainda não sabiam, a curadoria aponta sempre para o lado menos óbvio. Desta vez ouviram-se pedaços de história, dos Gorillaz ou de Beck, de hip hop ou de drum n’ bass, que nos tiram o chão e nos reensinam a dançar e letras tragicómicas desta Lisboa que anda a encontrar um rumo cada vez mais interessante e abrangente.
Se a dupla de produtores convocada para marcar o arranque desta viagem a partir do terraço do Capitólio teve que enfrentar o frio com o sistema de som com decibéis domados para não atrapalhar a clientela dos hotéis da vizinhança, Pedro Mafama, nas costas do renovado espaço do Parque Mayer, deixou claro que não há frio que o impeça de nos aquecer com uma música de inegável potencial, com o trap a dar as mãos a algo que é só nosso e que nem por isso deixa de ser transmissível.
A nova geração mostrou do que é feita no Capitólio. Russa, rapper que assinou recentemente um álbum pela editora algarvia Kimahera, tomou conta do palco na companhia de M.A.F., DJ e produtor que criou alguns dos instrumentais que encontramos em Catarse. Com garra de quem sabe que ainda tem muito a provar, a MC cantou temas como “Rude e Fria”, “Snitch”, “Sigo Só na Via”, “Entre Lisboa e Londres” ou “O Teu Abraço”, título improvisado para uma faixa que ainda não lançou. Com muita atitude e desembaraço numa actuação em crescendo, a artista aproveitou um dos momentos entre músicas para revelar que se iria dedicar a tempo inteiro ao rap, um acto arrojado de quem confia plenamente nas suas capacidades. E existiria melhor altura na história do hip hop português para fazê-lo?
Em semana de visita do presidente angolano a Portugal, também tivemos oportunidade de assistir a um pouco do que serão os concertos em Luanda de NGA, mas o público que marcou presença no Capitólio não tinha as rimas na ponta da língua. Ainda assim, o rapper da linha de Sintra não se fez rogado e deixou tudo o que tinha em palco num concerto recheado de bangers. Do mais recente trabalho, Filho das Ruas II a canções mais antigas, não faltou energia e entrega ou sequer os companheiros Prodígio e Don G. Afinal “tudo o que a vida dá, a gente partilha”, cantou logo a abrir com “Irmandade”.
Momento alto e arrepiante quando rimou “Tatuagens, Cicatrizes & Diamantes” acompanhado de guitarra eléctrica de um amigo que apresentou como Fábio e pela voz de Hélvio Vidal, artista angolano. E, obviamente, a música que dedica à mãe arrancou calorosos aplausos ao público. No fim, ainda houve chuva de álbuns para oferecer ao público porque, como o próprio NGA frisou, o importante é ouvirem a sua música, seja de que forma for. Zizzy e Zara G, dos Wet Bed Gang, estavam entre a multidão de companheiros do rapper que invadiram o palco na última canção.
— NGA (@Nga_reidals) 24 de novembro de 2018
Um alienígena no Tivoli é o título que sugerimos para o álbum ao vivo (esperemos que tenha sido gravado…) sobre a passagem de Conan Osiris pela edição deste ano do Super Bock em Stock. Sala a rebentar pelas costuras com o público a saltar das cadeiras à primeira batida, claque improvisada no terceiro anel a gritar “dá-lhe, Conan” como se estivessem a ver o melhor jogador do mundo a meter golo atrás de golo e uma performance memorável do cantor e do seu bailarino, João Reis Moreira, a tarraxarem até às estrelas com Adoro Bolos a servir de combustível.
Depois de um ano para recordar, Tiago Miranda meteu a cereja no topo do bolo com um regresso em grande a Lisboa. Como qualquer fenómeno não-convencional, os amores e os ódios fizeram-se notar durante o concerto — houve quem não “aguentasse” o que Conan tinha para dar. Não é para todos, nem parece ter essa pretensão, mas não há dúvidas que causa uma impressão forte em todas as pessoas que ousam aventurar-se no seu mundo. A escrita idiossincrática, as danças desenfreadas e a voz, magnética e adornada por pequenos pormenores que são resgatados aos mais variados géneros musicais, ganham força sobre-humana ao vivo através de temas como “Barcos (Barcos)”, “Borrego”, “Titanique”, “Celulitite” ou “Adoro Bolos” e abalam qualquer estrutura (é provável que o Tivoli nunca mais volte a ser o mesmo depois do que aconteceu ontem…).
Seja a puxar por aqueles que conhecem as canções menos ouvidas ou a picar o público, a cantar em inglês ou a deambular entre pose sóbria à fadista e estardalhaço desgovernado à Blaya, o artista nunca deixa de soar autêntico, como se tudo aquilo fosse tão natural como respirar. Teatral, livre e intenso: o futuro de Conan Osiris só pode ser brilhante.
“Foi incrível, já pagou o valor do bilhete”, ouvia-se depois de Masego ter deixado o Capitólio a ferver com o seu “Trap House Jazz”. “Tadow”, provavelmente a mais conhecida, abriu o concerto e não foi de todo uma escolha de alinhamento falhada. Parece que os portugueses conhecem bem o músico e o seu álbum Lady Lady fazendo com que o espectáculo nunca abrandasse e passasse depressa demais. Lá fora, uma fila que parecia nunca mais acabar. Tal como aconteceu com Sevdaliza na última edição do Vodafone Mexefest, a impressão que fica é que o público daria para encher a maior sala do festival.
Sempre a surpreender, não só tocou habilmente o seu saxofone como foi brincar nas teclas e na bateria orquestrando tão bem a sua banda como a multidão que ora erguia o mindinho ora levantava os braços e formava corações com as mãos à batuta de Masego. “Crazy crowd”, não deixou de notar. Das suas inspirações e influências ninguém ficou indiferente a “Prototype” dos Outkast ou, mais ainda, a “Señorita” de Justin Timberlake com mão de Pharrell.
Masego chegou com tudo para o primeiro concerto em terras lusas — menos a mala da roupa que foi perdida pela companhia aérea em que voou — e merece voltar em breve.