Depois das sessões de estreia a 11 de Janeiro do documentário Filhos do Meio – Hip Hop à Margem, o filme realizado por Luis Almeida é novamente exibido esta semana no Auditório Fernando Lopes-Graça, no centro de Almada.
As sessões estão marcadas para 23 e 25 de Janeiro, às 21 horas. A entrada é livre, mediante levantamento de bilhetes, sendo que a admissão é sujeita à lotação da sala. A reserva de bilhetes pode ser feita através do endereço de email [email protected] e do número de telefone 21 272 4927.
Para antecipar as novas datas de exibição, publicamos em baixo uma pequena entrevista com o realizador Luis Almeida e a produtora Alexandra Oliveira Matos, ambos da produtora Many Takes e cujas histórias também passam pelo Rimas e Batidas, que também estará incluída no livro do projecto Filhos do Meio, a ser lançado a 8 de Fevereiro.
Alexandra Oliveira Matos e Luis Almeida formam uma incansável dupla criativa que tem já percurso sério no campo do documentarismo. Chegaram a este projecto com o embalo de uma primeira abordagem ao vasto universo do hip hop tuga com a produção da série De Sol a Sol, mas, sobretudo, porque lhes era reconhecida uma enorme paixão pela cultura e um real sentido de missão em fixar histórias tantas vezes invisíveis.
Com a aliança formalizada na criação da produtora Many Takes, Luis e Alexandra criaram uma estrutura profissional e humana que lhes tem permitido encetar novos projectos, com crescente ambição. O documentário que agora assinam no âmbito da exposição Filhos do Meio – Hip Hop à Margem é o mais recente.
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O que sentiram quando vos foi lançado o desafio para criarem o documentário para Filhos do Meio?
[Luis Almeida (LA)] Foi um misto de felicidade e receio. Felicidade porque é sempre bom quando me desafiam a fazer algo que esteja relacionado com música, principalmente hip hop. É o género que mais ouço, cresci com ele, faz parte do meu ADN. Portanto, contribuir para a cultura documentando-a é sempre muito bom para mim. Receio porque contar a história de uma cultura tão plural e vasta é sempre um empreendimento bastante difícil. Não acredito que seja possível fazê-lo só com um documentário, precisa de ser um trabalho conjunto de vários meios, que, no final de contas, vão criar uma espécie de tapeçaria daquilo que é a cultura. Portanto este documentário é apenas uma faixa dessa tapeçaria, que já vem a ser criada há muitos anos. É “só” a visão de um grupo específico de pessoas que apenas acrescenta à conversa, não pretende ser a versão definitiva do assunto.
O projecto inicial foi-se alterando. Foi a importância da história que ditou uma maior ambição na abordagem a este documentário?
[LA] Sim, à medida que fomos entrevistando as pessoas, fui percebendo que há muita história dentro da história, e senti que seria redutor não explorar esses caminhos. Acho que os contextos sociais e as relações entre as pessoas, principalmente com os impulsionadores da cultura, explicam muito bem o rumo que as coisas foram tomando. E mais do que simplesmente expor álbuns, músicas e concertos importantes, essas ligações humanas pareciam-me explicar melhor o desenvolvimento da cultura naqueles lugares. Então o documentário foi crescendo e explorando novos aspectos da cultura além do óbvio. Para mim, isso só enriquece o produto final.
Podem falar-nos um pouco do vosso percurso de produção e realização?
[Alexandra Oliveira Matos (AOM)] O nosso percurso na produção e edição começou exactamente no hip hop, em 2016. O Luis queria fazer uma série documental sobre a cultura, tinha um conceito e acreditou em mim para o ajudar a torná-lo real. Fizemos uma temporada de De Sol a Sol, que está disponível no YouTube. Sem financiamento, mas com muito boa vontade. A partir daí nunca mais largámos os filmes e a produção audiovisual, nem sempre em nome próprio. A Many Takes, a nossa produtora, nasce em 2020, em 2021 produzimos a primeira série de ficção realizada pelo Luis (Barman, disponível na RTP Play, da autoria de Carlos Pereira). Em 2024, estivemos em fase de pré-produção da série Novas Narrativas de Caça para a RTP, uma ideia original do Luis.
Enquanto documentaristas, o que diriam sobre a importância de fixar histórias como as que se cruzam em Filhos do Meio?
[LA] Acho muito importante. À medida que fui construindo o documentário e me fui deparando com imagens de arquivo que nunca tinha visto, comecei a pensar na quantidade de coisas que ainda estão por descobrir. Vídeos, fotografias, músicas inéditas que contam a história de uma cultura que não está muito bem documentada. É importante contar a história de pessoas que infelizmente não puderam deixar muita música gravada, mas cujo talento pode ser um pouco testemunhado nestas imagens. Estou a falar, por exemplo, dos Nexo, que são uma referência gigante e que tiveram um papel fundamental a moldar o movimento, mas não têm um álbum. Porém, graças ao realizador Edgar Pêra, conseguimos ver um pouco do talento deles. Documentar esses momentos, arquivá-los para consulta futura, parece-me de uma pertinência óbvia. Vai ser incrível, daqui a 20 anos, ver o que o Sebastião Santana tem no arquivo, por exemplo. Estamos a precisar de um museu do hip hop tuga? Fica a ideia. Além desses documentos, os testemunhos dos intervenientes também são em si um elemento importante. Tivemos o privilégio de ter as pessoas a contar a história na primeira pessoa, em entrevistas longas. Muitos deles nunca tinham tido a oportunidade de falar sobre esses períodos das suas vidas, tudo isto acrescenta à cultura, tudo isto ajuda a perceber a cultura hip hop, mas ao mesmo tempo a sociedade portuguesa. Mais especificamente uma franja da sociedade portuguesa, que nem sempre tem o destaque devido mas que, sem qualquer dúvida, contribuiu para fazer e evoluir a cultura nacional.
[AOM] Sem dúvida. Houvesse mais tempo e mais financiamento que permitisse que nada na história, não só nesta, se perdesse. E que estas memórias que aqui deixamos recolhidas sirvam para homenagearmos o passado, pensarmos o presente e erguermos o futuro com fundações sólidas. Que bom podermos registar, por exemplo, a história do Nelson Neves, que nos contou os problemas raciais da Almada dos finais dos anos 80.
O que podemos encontrar neste documentário? Como o descrevem?
[LA] O que podemos encontrar é um vislumbre do que aconteceu no concelho de Almada para que este seja considerado por muitos o berço do hip hop português, que elementos foram importantes para essa génese, como foi evoluindo, como se encontra agora e como caminha para o futuro. Com um conjunto de entrevistas com quem deu a sua vida pela música, pelo rap e pela cultura hip hop.
[AOM] Além do óbvio relevo do conteúdo, encontram um filme realizado, fotografado e editado com cuidado e amor. Uma bonita direcção de fotografia do nosso colega e amigo Marco Bento, uma incansável recolha de arquivo do TNT e do Ricardo Farinha. E uma realização curiosa e edição minuciosa e entusiasmada do Luis Almeida.