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Little Simz

NO THANK YOU

Forever Living Originals / AWAL Recordings / 2022

Texto de Alexandre Ribeiro

Publicado a: 19/12/2022

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Há dois meses, Little Simz venceu o Mercury Prize com Sometimes I Might Be Introvert. Em Janeiro passado, Inflo foi escolhido como o produtor do ano nos Brit Awards. Se existe uma tendência para que a academia e certas galas de prémios demorem a acertar nos justos merecedores de reconhecimento, chegando sempre entre o “muito” e o “ligeiramente” atrasados, 2022 parecia ter sido generoso com estes dois. Mas nem tudo é o que parece. NO THANK YOU, o novo álbum da artista britânica, fala-nos sobre isso, mas também é uma chamada de atenção sobre as particularidades de se mergulhar em águas que nos querem, invariavelmente, sugar todas as energias até ao momento em que nos arrastam em definitivo para o fundo dos fundos. Mas, até aí, há quem saiba saiba virar-se, como é o caso de Simz, que declara em “Broken”: “The beauty is in the findin’ the darkest parts of the ocean/ Deep waters in motion, the tide was comin’ in heavy/ I always knew I was chosen to handle whatever chose me”. 

A aproximar-se dos 30 anos e com cada vez mais experiência acumulada, Simbiatu Ajikawo, que desde o primeiro dia privilegiou a independência, pinta-nos uma imagem bem clara das dificuldades de se navegar por aí sem perder o amor pela arte nos dois versos de “Heart on Fire”. Porém, é na segunda metade (aquela que é destacada na curta-metragem que lançou a acompanhar o disco) que se emociona e mete essa energia que advém desse sentimento ao serviço da canção: 

“We all start off so pure
Do it for the love, nothin’ more
Nah, maybe to cop mum a house, but nothin’ more
Maybe to sort my cousin out, but nothin’ more
Maybe I’ll get the new coupe and nothin’ more
Fifteen to a hundred shoes, nothin’ more
By the time you know it, that list never stop growin’
And you don’t know what you even do this for”

Pouco depois, a artista dá a resposta para um dos grandes problemas da actualidade em concertos e festivais de música: “Is the afterparty a social party?/ With everybody talkin’, the music should’ve been paused”. Amén, Simz. Amén. 

Mais preocupada em tirar cá para fora aquilo que lhe pesava nos ombros e no coração do que em grandes conceitos (os interlúdios desaparecem em relação ao seu antecessor), a artífice da palavra acabou por entrar em modo rap total (à excepção de “Who Even Cares” e “Control”, uma mudança de tom no final que pode antecipar o que virá no futuro), chegando mesmo aos três (ou quatro até) versos em metade do alinhamento. Ela tinha que dizer isto e essa fome/vontade tinha de ser respeitada. Ganhámos todos. 

Se as letras de Little Simz são perspicazes e profundas e a técnica na hora de entregá-las é praticamente imaculada, um dos grandes factores diferenciadores dos outros mestres da sua geração é ter Inflo na produção, alguém que através dos SAULT trouxe o foco central para a música e menos para o que a rodeia e que parece ter até reinventado em definitivo o papel do produtor na óptica da geração hip hop: a maneira como programa os drums, o sampling (informal e formal) e a visão nos arranjos (seja de coros, secções de cordas ou sopros – e “X” e “Heart on Fire” devem ser os melhores exemplos da sua competência neste disco) são as bases para definir essa sua sensibilidade para entender e misturar os elementos de rap, gospel, soul, afrobeat ou r&b, tudo parte de um continuum perpetuado por autores negros ao longo da história. Em “Angel”, a protagonista reconhece o valor deste seu companheiro (ou realizador) quando atira “Flo and I comin’ like DeNiro and Scorsese”. GREY Area, Sometimes I Might Be Introvert e NO THANK YOU serão os seus Taxi Driver, Raging Bull e Goodfellas? E não esqueçamos o +1 de Dean Josiah Cover nestas aventuras: a fantástica Cleo Sol, um anjo que nos abençoa cada vez que é chamada a agir. 

“Let me get the beat, so they remember who I am”. Esta é a energia que Simbi traz para NO THANK YOU, mas as palavras são de Megan Thee Stallion em “NDA”, faixa de Traumazine, disco que também foi lançado este ano. Dois anos depois da americana ter sido alegadamente alvejada pelo rapper Tory Lanez, o julgamento desse caso, que está a acontecer neste momento, vai demonstrando mais uma vez que a misoginia e a forma como se tratam as mulheres nesta indústria não mudou nem um pouco. Que duas rappers de dois continentes e backgrounds diferentes precisem de ventilar isso na sua música em 2022 só demonstra que há um longo caminho a percorrer. Ou como canta Simz em “Sideways”: “When you men have your daughters, you’ll see how important I am”. Bam!


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