pub

Fotografia: Gonçalo Nogueira
Publicado a: 10/09/2023

Imortais, tal como quem os inspirou.

José Pinhal Post-Mortem Experience na SMUP: uma noite de festa a relembrar

Fotografia: Gonçalo Nogueira
Publicado a: 10/09/2023

São sete da tarde de sexta-feira e reparo pela minha janela do quarto que já está escuro. Tenho ainda de fazer o jantar e de preparar-me para sair. Fico desmotivado. Mas disse que escrevia uma reportagem e pedi convite para tal, esquecendo-me completamente que uma amiga minha já tinha comprado bilhete para mim duas semanas antes. É o que dá ter a vida sempre a mil, às vezes esquecemo-nos de coisas.

Estou com preguiça de sair de casa, mas lembro-me que, pela primeira vez nuns quantos meses, sinto-me com vontade de ir a um concerto dos José Pinhal Post-Mortem Experience. Isso dá-me energia para concretizar os obséquios necessários. Quando os vi no FNAC Live, em junho, senti como se estivesse a viver uma out of body experience, preso num capítulo de um livro cuja história era contada por outra pessoa. À minha volta, uma quantidade infindável de pessoas a cantar as canções de José Pinhal, muitas delas usando t-shirts com a sua cara, e eu ali, no meio, a tentar perceber como aquilo tudo tinha acontecido.

Peço imensa desculpa, já agora, por este texto ser mais sobre mim do que os Post-Mortem Experience. Mas por esta altura, já praticamente toda a gente sabe a história: as cassetes de José Pinhal foram descobertas no início dos anos 2000 na casa do seu agente por Paulo Cunha Martins, tocadas em festas no Porto, e via o “passa a palavra” e a internet, acabaram por chegar a cada vez mais pessoas. Eventualmente, para celebrar dois aniversários, os Post-Mortem – Bruno Martins (ou Bruno de Seda), David Machado, João Sarnadas (Coelho Radioactivo), José Cordeiro, José Pedro Santos, Nuno Oliveira e Tito Frito – passaram a ser uma cena, e começaram a tocar em forma de homenagearem o cantor de Santa Cruz do Bispo. Depois, um documentário, A Vida Dura Muito Pouco, e as reedições levadas a cabo pela Lusofonia Record Club. E finalmente, um artigo que “misteriosamente” (parem de dizer isso!) apareceu no The Guardian, assinado por mim, que mudou a vida de praticamente todos os envolvidos, levando-nos a um segundo verão de celebração da vida e obra de José Pinhal.

Um dos meus críticos favoritos, o norte-americano Larry Fitzmaurice, já escreveu várias vezes sobre como é ser um escriba musical, um crítico, um jornalista – o que lhe quiserem chamar – e dar de caras com o impacto na vida real de uma das coisas que escreveste. Não me lembro exatamente do texto ou das palavras, mas lembro-me que ele explicava que era qualquer coisa de estranho e surreal a sensação de sentires que mudaste a vida de um artista porque escreveste, por exemplo, uma crítica muito positiva na Pitchfork sobre o seu novo disco. E quem diz positiva, diz o inverso. Se malhaste num artista e a carreira dele foi com os porcos, também fica a pairar uma sensação estranha na tua mente. Quem diz que a crítica musical, ou o jornalismo cultural, não tem impacto, está francamente errado. Ainda tem o poder de mudar vidas e carreiras.

Acho que a verdadeira razão por que quis ir assistir ao concerto na SMUP dos Post-Mortem Experience era para averiguar se a minha incredulidade com tudo o que aconteceu nos últimos sete meses mudou. Vou fazer aqui um disclaimer: eu propus o artigo ao Guardian porque, além de gostar da música de José Pinhal (mesmo não sendo originais!), senti que a sua presença assídua nos festivais em 2022 simbolizava a mudança de ares na música portuguesa perante algumas sonoridades que, anteriormente, eram tratadas com termos pejorativos por críticos e hipsters. Queria voltar a viver e celebrar a música de José Pinhal sem sentir o burburinho na minha mente que provoquei um glitch qualquer no universo. É a síndrome do impostor a bater forte, digo eu. E esta é a primeira vez que escrevo sobre José Pinhal ou sobre o artigo do Guardian em público – entendam sobre isto o que quiserem.



Na SMUP, o calor fez-se sentir. Literal e figurativamente. Mais parecia uma sauna que uma sala de concertos, mas isso não impediu a festa. Antes do concerto dos Post-Mortem, Francisco Correia, músico ligado à Cafetra Records, em modo DJ Hipster Pimba, meteu a malta a dançar, a cantarolar, e a fazer comboinho. Ramboia preparada, hora de os camaradas dos Post-Mortem virem fazer das suas. E das suas assim fizeram.

Pouco depois das 23h, adornados com as fatiotas que os caracterizam, os Post-Mortem surgiram no palco da SMUP, adequado para este tipo de festas, para serem recebidos com muito amor e carinho. Porque independentemente se é meme ou não, existe claramente afeição pela música de José Pinhal quando esta é escutada. Nenhum público canta todas as canções sem um pouquinho de devoção à mistura. Se é devoção performativa, isso já não sei. Mas quero acreditar que, na maioria, não é.

Os Post-Mortem fizeram uma bela festa na SMUP. É o que se espera deles. Celebraram a vida de José Pinhal e o público aderiu à ramboia. Curiosamente, desde a última vez que os vi, parecem estar a tocar melhor. Deve ser da prática. “Ciganos” abriu a festa, “Perdoa-me” manteve a energia em alto, “Covarde” teve tanto coro a acompanhar que quase silenciava a banda em palco. “Tua Mulher” recebeu muitas palmas, “Porém Não Posso” teve direito a crowdsurf e saltos suficientes para fazerem abanar o chão de madeira da SMUP, cantigas como “Gitano Soy” ou “Magia” (esperemos que José Cid saiba que a versão de Pinhal é superior à sua) fizeram-se ouvir entre público e banda ao ponto de ter sido necessário pedir mais do equipamento para a coisa prosseguir. É assim que se celebra a vida de Pinhal. “Baby Meu Amorzinho” prosseguiu as hostilidades, “Comigo Não Podes Viver” foi tocada pela primeira vez no Sul, e “Tu És A Que Eu Quero (Tu Não Prendas O Cabelo)” fechou o tempo regulamentar do concerto em formato de enorme festa da terrinha enclausurada entre quatro paredes.

Fez-se barulho, pediu-se encore, encore ocorreu. E durante o encore, dei por mim a pensar, enquanto “A Vida Dura Muito Pouco” era tocada, em tudo o que aconteceu. E enquanto o champanhe era aberto durante “Volveré”, senti-me em paz com tudo. Senti o amor na sala perante a música de Pinhal e perante estes tipos do underground portuense (shout-out Favela Discos!) que estarão para sempre associados à sua vida e obra. Imortais, tal como quem os inspirou. 

A vida dura muito pouco para ficarmos presos a pensar porque é que algo aconteceu – mais vale celebrá-lo. Devidamente. 

A vida dura muito pouco e muda rapidamente. Mas com tanto amor e carinho à mistura, como acontece com a música de José Pinhal, vale a pena vivê-la.


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos