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Texto: ReB Team
Fotografia: Alexandra Almeida
Publicado a: 03/03/2022

Uma peregrinação espontânea.

João Mortágua: “Sem os palcos, não faria sentido a existência de MAZAM”

Texto: ReB Team
Fotografia: Alexandra Almeida
Publicado a: 03/03/2022

Em 2020, o grupo MAZAM lançou o sétimo melhor álbum português de jazz para o Notas Azuis. Em 2022, a banda liderada pelo compositor e saxofonista João Mortágua está de regresso aos discos com Pilgrimage — desta vez com o selo da Clean Feed –, e já existem concertos de apresentação marcados para este mês em Barcelos (4), Coimbra (12), Lisboa (17/18) e Porto (25).

Na crítica a Land, Rui Miguel Abreu descrevia-nos o som desta banda:

“Mazam é um quarteto que se apresenta sob a direcção do saxofonista João Mortágua. Ao seu lado encontram-se o o pianista Carlos Azevedo, o contrabaixista Miguel Ângelo e o baterista Mário Costa, equipa de luxo que representa bem o vigor da cena jazzística da Invicta. Em Land, trabalho dado à estampa pela Carimbo Porta-Jazz em Março último, o quarteto evolui entre peças firmadas por Mortágua e ‘improvisações espontâneas’ e, de certa forma, esse parece ser o fio condutor do álbum: um ziguezague, como o que se apresenta na imagem da capa, entre as duas margens de um caminho (de um rio?) que é, afinal de contas, o do próprio jazz. A um zigue de material previamente composto, segue-se o inevitável zague que, estando o quarteto bem oleado com essas peças estruturadas, resulta da invenção livre que nasce da interacção de quatro pensadores que se conhecem muito bem.

Gravado de forma cristalina pelo próprio Miguel Ângelo de forma a tornar o estúdio ‘invisível’ (não há, ou não são perceptíveis, edições ou efeitos que interfiram com a identidade tímbrica dos diferentes instrumentos), Land é, como de resto também legível no artwork, um território composto por diferentes topografias, com melodias sólidas que permitem a cada um dos protagonistas a exibição dos seus consideráveis atributos técnicos (o pianismo de Azevedo é carregado de alma, os pulmões de Mortágua parecem não ter fim, o pulso de Costa é elegante e firme ao mesmo tempo, ao passo que o balanço de Ângelo é de uma expressividade imensa) sem que – detalhe importante, no entanto – isso alguma vez se sobreponha ao som colectivo. E essa é outra característica definidora deste trabalho: se por um lado o grupo se desafia encarando de frente tanto material previamente escrito como agarrando o que o momento lhe deposita à frente quando se largam os mapas e se avança a direito por terreno desconhecido, por outro, percebe-se que se procura aqui uma ‘voz’ colectiva, aquele som que é bem mais do que a soma das partes e que se consegue quando todas as peças se encaixam e não é possível alterar nem um dos elementos da equação sem que se comprometa o equilíbrio entretanto alcançado.

Entre o nervo firme aprendido a escutar atentamente as lições do mestre Coltrane (‘Sereno’) ou a busca da liberdade que se pressente em ‘Caos e Ordem’, este disco deixa entrever, enfim, mais uma marca de identidade igualmente basculante, assumindo-se um lugar entre a história clássica e o presente mais modernista, entre o mainstream e os subterrâneos mais exploratórios, entre a acção e a reflexão. É uma ‘terra’ deveras interessante, esta a que os Mazam aqui habitam. Resta agora esperar que possam nessa ‘terra’ florescer mais projectos discográficos porque a promessa desta estreia é demasiado entusiasmante para que o quarteto se quede por aqui.”

No ano passado, o director do Rimas e Batidas pôde vê-los in loco:

“Logo depois veio ‘um grupo de amigos’ para apresentar Land, álbum dos Mazam que a Carimbo lançou em Março de 2020 (ainda se lembram como era?…): Carlos Azevedo no piano, Miguel Ângelo no contrabaixo e, ao contrário do que referia o programa (que apontava Mário Costa, baterista que tocou no álbum e que certamente teve uma razão forte para não marcar presença), um exuberante Diogo Alexandre na bateria. Além de João Mortágua, claro. O saxofonista deve ter um interruptor qualquer, porque entrou em transe logo que o concerto começou, só despertando dessa condição cerca de uma hora mais tarde. Pelo meio, percebeu-se que o entrosamento do quarteto é total, com as composições abertas o suficiente para admitirem espaços de livre invenção de todos os presentes em palco, o que rendeu uns quantos arrepios e, mais importante até, talvez mercê do poder dos pulmões do líder, uma abertura no céu carregado de nuvens, mesmo a tempo de deixar o sol espreitar um pouco antes do período da noite ter início.”

Antes da mini-digressão, Mortágua acedeu a responder a cinco questões do Rimas e Batidas colocadas sem se ter tido ainda acesso ao novo trabalho:



A estreia de MAZAM ocorreu em 2020, na Carimbo, e tem seguimento agora em 2022, na Clean Feed. Porquê a mudança? Alguma razão especial?

A mudança foi uma consequência natural de dois factores: em primeiro, já editei uma série de discos (Janela, Mirrors, Axes, Dentro da Janela, Mazam:Land) através do Carimbo Porta Jazz, e atendendo à frequência com que tenho editado música, bem como à importância que tanto eu como a associação damos à diversidade de nomes no seio do Carimbo, revelou-se lógico começar a variar a porta de saída dos meus trabalhos. Em segundo, sendo este um álbum inteiramente produzido a partir de improvisações, sempre na óptica de quem compõe em tempo real, afigurou-se-nos evidente esta opção. Continuarei ligado à Porta Jazz, que muito prezo, mas a nosso ver fazia sentido este álbum sair pela Clean Feed. Vemos isto como uma nova etapa do grupo, rumo a caminhos mais abertos e improvisados. 

O que é que o novo trabalho traz de diferente? Ou vês como uma continuação?

O primeiro álbum era um misto de música escrita e improvisações. Este segundo é um disco maioritariamente improvisado. O que a meu ver faz dele uma continuação natural do primeiro. E o futuro da formação passará certamente (também) por esta vertente. 

Onde e como foi gravado?

Foi gravado no CARA, em Matosinhos, pelo João Bessa (que também o misturou e masterizou), com assistência de Nuno Couto. Em Setembro de 2020, aproveitando o embalo do primeiro álbum e a vontade de contrariar o marasmo dos primeiros meses de pandemia, decidimos ir dois dias até ao estúdio, gravando as improvisações de entre as quais construiríamos a narrativa (alinhamento) do álbum.  

Volta a contar com composições da tua autoria ou essas responsabilidades são mais partilhadas?

Desta feita, trata-se de composições espontâneas, muito abertas, em que a partir de  certos motes (sugeridos por todos) construímos paisagens sonoras e narrativas improvisadas, cujo caminho é descoberto e partilhado, em tempo real, pelos quatro. 

Cheios de vontade de voltar aos palcos?

Mais que nunca! Queremos partilhar com toda a gente esta nova aventura. Sem os palcos, não faria sentido a nossa existência. 


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