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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 29/07/2025

Da desapercebida imersão à percepção sonora.

Floris Vanhoof: “Sempre me intrigaram as ondas electromagnéticas”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 29/07/2025

Floris Vanhoof tem na Torre e Jardim da Capela da Casa de Serralves duas instalações sonoras que podem ser vistas e escutadas até 9 de Novembro. “Antenna” e “Talking Gongs” dão-nos a perspectiva acústica do meio envolvente e dinâmico das ondas electromagnéticas com que estamos continuamente a interagir sem dar conta. Traduzidas para um campo de escuta, permitem usufruir como peças que captam e devolvem requintes musicais inesperados. 

Desde Antuérpia, o artista belgo tem desenvolvido um corpo de trabalho experimental, re-significando objectos e contextos. Com formação em cinema, é também no campo sonoro que tem feito uma prática regular de intervenção artística. Apresentou-se em concerto na programação alargada do Serralves em Festa’25 com “Soap Bubbles” e “The Mirror Egg” — uma proposta que cruza a projecção de filme em película com a electrónica modular de sintetizadores por si desenvolvidos, entre outras explorações sonoro-visuais. Trata-se de um campo de sobreposição do visual e acústico construído na curiosidade de fazer interagir ondas e imagens, um universo que encontra no álbum The Fluid Computer um portal de entrada do seu trabalho.

Aquando da inauguração da dupla de instalações em Serralves, em discurso directo com o artista sonoro, procurámos ficar a saber mais. Partindo da sua obra, influências e da importância de outros pioneiros artistas sonoros portugueses no desenvolvimento de processos de escuta e emissão. Tudo isso num espaço ao sabor de ondas tão presentes.



Estamos sentados em frente à peça “Antenna”. Antes de mais, direi que esteticamente é bastante atractiva. Faz-me lembrar os moinhos de vento da Flandres. 

Sim, sim, um moinho de vento. Primeiro fiz uma antena quadrada, mas quanto mais redonda for, melhor recebe as ondas. Este é um modelo utilizado por radioamadores. Modifiquei-a um pouco, cortando a madeira, porque de outra forma teria de usar muitos pregos. Não ficaria tão bonito. Tento manter as coisas simples.

Sim, de facto assim o é. E tem um piano por baixo, mas de lado.

Isto começou com uma forma agradável. Se pusermos um piano de lado, ele perde a sua função. É como uma tartaruga [virada de lado ou de pernas para o ar], porque o piano funciona com a gravidade e as teclas não funcionam de lado. Por isso, temos de pensar numa nova função, mas mantemos a forma fantástica e penso que o piano de cauda continua a ser uma das imagens mais fortes que temos na nossa mente da música. Continua a ser uma imagem da era mecânica que já passou há muito tempo. E quando o pomos de lado, perde a sua função. Eu precisava de pensar noutra coisa. Claro que o outro volume que vemos é a antena, e depois algo que interage com ela. É quase o mesmo, tão grande como o piano de cauda — a antena que, visualmente, funciona bem.

Direi que há duas acções diferentes com fios, entre cordas e arames. Quero dizer, temos o cobre a funcionar como um receptor e depois as cordas do piano como um emissor. 

Sim, sim.

Há as cordas do piano como emissão de som, por isso usas o mesmo material?

Material semelhante, mas, sim, usado de uma forma diferente. São ambos tradutores. As ondas são recebidas aqui e depois processadas. São como ondas electromagnéticas, como pequenas tensões electromagnéticas que são captadas pela antena, e estes electroímanes empurram e puxam as cordas do piano umas 100 vezes por segundo.

E há algum mecanismo nesta indução electromagnética do tipo usado num teclado Fender Rhodes?

É diferente, porque lá são elementos de tom que estão a ser induzidos e aqui é o piano real, mas não são só cordas. Claro que uso 16 destas cordas. 

Mas há uma ideia anterior que vem de coisas antigas, livros e desenhos que consultaste. Podes contar essa pesquisa e influência?

Sempre me intrigaram as ondas electromagnéticas. Até existem nesta sala. Há milhões de ondas e muitas delas atravessam as paredes, atravessam até a nossa cabeça e o nosso cérebro. Não imaginam que algumas saltam das paredes e enchem a sala. Sempre me intrigou essa ideia de tantas ondas a acontecerem ao mesmo tempo. Não as podemos ver e, mesmo assim, é preciso uma coisa muito simples para as receber. E foi só quando ouvi a peça “Sferics” de Alvin Lucier que fiquei realmente intrigado, porque ele foi para o deserto e para a natureza, onde não há outras emissões electromagnéticas de humanos — comunicação humana, motores e outras coisas —, e ele foi ouvir coisas que entram na atmosfera e essas coisas dão sons incríveis. Por isso, fiquei muito intrigado com algo que é, de facto, maior do que a Internet. Sempre quis ligar o piano à Internet, porque pensamos na Internet como uma estrutura muito grande, como um sistema muito grande, mas, na verdade, algo muito maior é o espetro eletromagnético e temos todas estas ocorrências naturais, como um relâmpago próximo que será captado pela antena. Mas também as chaves do nosso carro, como a comunicação feita pelo homem, podem acionar a antena.

Selecionas os conjuntos que vão tocar, por isso não é ao acaso, não é?

É uma composição real em que escolho as cordas do piano que “estou a tocar”. E a outra coisa que escolho são as frequências que estou a ouvir. Por exemplo, é interessante ouvir um balão meteorológico, mas não só quando está a apitar uma vez por dia porque, quem sabe, nessa altura não vai estar cá ninguém. Por isso, escolho, por exemplo, o satélite e o balão meteorológico que estão bastante activos, que estão talvez a emitir um sinal sonoro de dois em dois minutos ou de três em três minutos e que desencadeiam algo no piano. Por isso, também escolho esse ritmo. Mas tudo o resto… todas as dinâmicas e o ritmo desta peça são escolhidos por mim, também os sobretons, claro, por isso escolhi a corda. Mas também, se duplicarmos a frequência da corda, temos um harmónico, e eu vou para o quarto ou quinto harmónico. Por isso, não toco 16 notas, mas toco 16 vezes 5 notas e os glissandos pelo meio. Portanto, tudo isso são escolhas composicionais minhas. Mas o ritmo da peça e a dinâmica da peça estão todos a acontecer ao vivo no ar.

Por isso, ao voltar-se, vão ouvir-se as mesmas notas, mas completamente recombinadas.

Também escolho, por vezes, puxar suavemente, assim, mas depois centenas de vezes por segundo, mas também, por vezes, assim: puxar e soltar, ou empurrar e soltar. Isso dá uma cor sonora diferente ao instrumento. Tudo com a ideia de: “Ok, temos 60 notas. Como é que podemos tirar o máximo partido disso? Como é que o podemos manter isto interessante apenas com 60 notas? Como é que podemos tirar o máximo partido disso?” Às vezes estou a pegar numa frequência e estou na mesma frequência, torna-se um pouco matemático — 1001 vezes. Depois temos a mesma frequência e um pouco mais rápida, por isso temos vibratos, como este. Sim, acabámos de escutar um…

Não há muitos…

Oh, sim, é só de vez em quando que isso acontece. Assim, sempre que, por exemplo, o piloto está a fazer contacto com a torre de controlo, abre um portão no computador e envia um sinal para os electroímanes. É assim que funciona.

Assim, o grande objetivo da instalação é fazer chegar à nossa percepção auditiva um invisível campo sonoro. Qual a razão?

Era sobre isso que eu queria fazer uma peça. É muito difícil explicar completamente o espectro eletromagnético, mas se o fizermos, as pessoas começam a ouvir de uma forma diferente. A outra grande razão — porque isso é sobretudo a parte de cima — é o próprio piano. É como usar esta imagem muito forte que ainda temos da música clássica ou da música com o piano de cauda, e se o fizermos — por um simples acto, um acto punk talvez —, se o pusermos de lado, ele deixa de funcionar e temos de encontrar outra solução. É isso que é divertido fazer como artista. Sabes como podes criar um problema e resolve-lo, e eu queria fazer com que este instrumento antigo soasse como algo novo, assim, com os electroímanes. Dei conta que era caro fabricá-los, e foi por isso que sempre soube que não podia ter um para cada corda do piano. Mas isso também me deu a oportunidade de pensar mais profundamente. Estou a activá-las na frequência de ressonância das cordas. Assim, por exemplo, uma corda de 400Hz. Estou a empurrar e a puxar 400 vezes por segundo para que ela comece a vibrar por si própria, como se fosse um “arco-íris” com uma guitarra. Mas depois posso fazer uma coisa especial com estas cordas, também posso deslizar para o harmónico seguinte e fazer glissandos no piano, que é um som que nunca ouvi antes.

O piano, também como instrumento, tem em si esta perspectiva de que toda a gente pode fazer sons com ele. Basta um dedo numa tecla e o instrumento tem imensas potencialidades, o que o torna muito atractivo. Mas a tua obra traz isto das coisas antigas a produzir o novo.

De facto, tal como o piano, é um instrumento antigo. Utilizo projectores de filme de 60mm e projectores de slides em muitos dos meus trabalhos. Gosto sempre de olhar para estas coisas antigas e pensar: “Ok, o que é que ainda podemos fazer com elas?” Talvez haja uma nova ideia e possamos projectá-la no instrumento antigo e ver o que acontece. Além disso, é menos visual, mas é uma coisa minúscula que funciona como um rádio. Como seres humanos, ouvimos rádio e sintonizamo-lo numa frequência. Na verdade, é um condensador que se pode sintonizar. Rodamos o condensador para uma frequência, porque se já ouvirmos duas frequências ao mesmo tempo, para as nossas cabeças torna-se demasiado difícil de entender. E é por isso que reconstruí o rádio no computador, por isso é um rádio definido por software e por isso o computador pode facilmente ouvir 32 frequências ao mesmo tempo.

Esse é o mecanismo como a escrita numa pauta e o que estará a receber a antena agora?

Portanto, neste momento, a antena está a “ouvir” 32 frequências ao mesmo tempo, desde, como eu disse, chaves de carro ou telemóveis, até estrelas em implosão ou relâmpagos e tudo o que está entre elas. Tal como um submarino na Noruega pode ser recebido facilmente, porque o submarino emite uma frequência muito baixa. A onda salta para a atmosfera, volta para a Terra e depois faz um ziguezague desde a Noruega até Portugal. É assim que estas ondas funcionam. É realmente outra dimensão e há muitas frequências que são fáceis de receber, como os balões meteorológicos e os satélites. É tudo fácil e podemos recebê-las livremente e legalmente.

Sim, e surge uma espécie de paradoxo, porque ficando aqui de pé, direi que nestes momentos de escuta temos alguma paz. Mas a maior parte desta tecnologia vem dos tempos de guerra, foi desenvolvida para comunicar entre submarinos e todas essas coisas. 

Eu fiz isto numa altura em que… Terminei-a em 2022. Comecei a trabalhar nela durante o confinamento e demorou muito tempo, porque é uma instalação difícil. Trabalhei durante dois anos e, quando comecei a fazer a minha própria antena e a ouvi-la, de repente consegui ouvir alguns russos a falar, porque quando os russos invadiram a Ucrânia usaram muita informação codificada, mas também informação não codificada, porque precisavam de todos os rádios e era assustador receber esse tipo de coisas. Mas sim, a tecnologia é uma extensão do poder, por isso é muito interessante, enquanto artista, usar essa tecnologia e ver o que podemos fazer com ela. Mas tens razão no que diz respeito ao momento de paz e é por isso que gosto de ter a instalação aqui dentro. O Parque [de Serralves] é muito bonito, muito luminoso e ainda assim calmo, mas há aviões a passar e este instrumento abranda um pouco o ritmo — e acho que isso também é importante.



Uma outra coisa que a arte pode fazer é isso. Foi tua a decisão se trazer a Serralves uma dupla de instalações?

O Pedro Rocha [curador da exposição] veio ver a instalação numa das primeiras vezes em que foi apresentada em Lovaina, na Bélgica, e gostou. Mas não houve uma oportunidade imediata para a mostrar e, meio ano depois ou assim, disse: “Está bem, podemos fazer”. E pediu-me para a combinar com os gongos falantes. A instalação que está pendurada no exterior, gosto muito dela. São duas instalações minhas e ambas utilizam instrumentos clássicos e transformam-nos. Também ambas têm um visual muito, devo dizer, típico. Como os gongos, estão pendurados em cubos. Este tem uma antena hexagonal no topo, por isso falam um com o outro, produzindo sons electrónicos, tudo em conjunto com os dois a fazer uma confusão destes sons, juntamente com o ambiente. Estou muito contente por estarem apresentados juntos, é algo inédito. Por isso, estou muito, muito satisfeito.

Também direi que é um conceito de dentro e fora.

Sim. O som está em todo o lado, mas aqui eu diria que está mais concentrado, é uma questão de foco, mais focado. E lá fora também temos esta interação idílica com os pássaros, até com os aviões que passam. Ali perto há alguém a construir uma casa e consegue-se ouvir as marteladas, e há outras pessoas no parque a passear. Por isso, foi concebido para funcionar em conjunto com o ambiente. É um nível diferente de concentração, talvez.

A instalação exterior “Talking Gongs” vem de uma altura anterior, de 2018, de um outro momento anterior do teu trabalho artístico.

Na altura eu… Tenho formação de cineasta, faço filmes experimentais e faço muitas performances com projectores de filme, e é de uma altura em que as pessoas me começaram a perguntar: “Também podes fazer instalações?” E depois pensei: “Ok, um filme é uma projeção, mas o som também é uma projeção.” Foi por isso que fiz aquela instalação. Tive uma exposição numa pequena galeria em Antuérpia e eles tinham um pequeno espaço exterior e eu sempre pensei que precisava de fazer algo para o exterior.  E depois, finalmente, surgiu-me a ideia simples do círculo e do cubo e de como funcionariam em conjunto.

E depois tiveste essa ideia de instalação.

Sim, estava a pensar visualmente no cubo e num círculo. Gosto destas coisas muito simples e de como é que elas se juntam e como é que isso funciona. E especialmente se tivermos o gongo no cubo, torna-se noutra coisa. Especialmente se o pendurarmos, um círculo num cubo, dentro da natureza, onde há todas estas formas anamórficas, torna-se outra coisa. Tecnicamente, tive de analisar a patente de Ondes Martenot, que é um dos primeiros sintetizadores ou instrumentos de música eletrónica que se construíu em França, porque ainda não existiam filtros muito bons nem nada. Eram apenas osciladores para tornar o som mais rico e interessante. Costumavam fazer uma harpa ressoar como um altifalante. Mas também tinham o Métallique, um dos altifalantes. Isso também é um símbolo e eu procurei isso porque estes gongos eram caros, eu tinha de fazer um buraco neles e só o podia fazer uma vez.

Como se faz essa escolha do ponto certo?

É preciso tocar para alcançar o ponto exacto onde o gongo ressoa mais, porque se o colocarmos completamente no meio, por exemplo, o fio de cobre, não soaria bem. Isso não funcionaria de facto. No entanto, é necessário colocar muita energia para obter poucos resultados. E na patente do Ombart, havia um cálculo de quão longe do centro era preciso estar, e esse é de facto também o ponto onde se bate nos gongos. Se batermos no gongo, não de uma só vez, mas se o fizermos lentamente, ele começa a acumular dentro do metal e começa a ressoar.

Então, ao encontrar-se estes pontos de ressonância e perfurando lá, temos a melhor posição?

Essa foi uma grande inspiração e foi muito prático para mim descobrir isso. E também, sim, isto foi feito há sete anos e eu estava muito ocupado a construir os meus próprios instrumentos electrónicos, como sintetizadores modulares, antes de se tornarem populares. Construí o meu primeiro sintetizador em 2011, quando era mais como um computador analógico. Nestes instrumentos, temos ondas que são de nível áudio, como a frequência áudio, mas também podemos ir, com o mesmo oscilador, abaixo do audível, e é isso que também acontece nos gongos. Isto que ouvimos agora, por exemplo, é muita frequência de áudio que está a passar, mas às vezes também está abaixo do audível e então o ressonador empurra o gongo e faz mais, como um som de tique-taque e ressoa mais dentro do gongo. O que é uma coisa muito interessante de ser apresentada no exterior e a interação com não-humanos, animais e outros seres vivos. Por isso, também podemos tocar em frequências que não são recebidas por um ser humano, mas que os pássaros estão a captar e a interagir.

Provavelmente, são até mais as frequências a sair dele do que as que se conseguem ouvir.

De facto, estive aqui de manhã e já havia pássaros sentados no outro gongo. Eu pensei: “Ok, não é a minha ideia assustá-los tão cedo.” Eles ficam desligados entre o anoitecer e a madrugada.

Ou talvez até estejam a gostar, combina bem. 

Sim, quem sabe? Apresentei esta instalação mais de dez vezes no exterior e apenas uma ou duas vezes no interior, e nunca gostei dela no interior. Estas frequências fazem ricochete contra a parede e contra a janela e tornam-se muito densas e pesadas.

Quando são apresentadas no exterior, não chocam, voam. E depois chamam os pássaros, com um concerto ao ar livre.

Sim, misturam-se muito melhor com o resto dos sons. Temos um local de concertos em Antuérpia no verão. Também fica num parque como este, como um parque de museus, como um parque de esculturas. É um pouco mais pequeno, um pouco mais movimentado, com mais esculturas. Chama-se Museu Middelheim. Dennis Thief é um artista que lançou o meu primeiro disco. Ele construiu um palco no museu como uma escultura. Todos os verões organiza concertos lá. É completamente diferente ouvir um concerto no exterior do que no interior, porque no interior estamos fechados e o som bate contra a parede e entramos no som dessa forma, mas no exterior, sim, o som voa.

Há gravações da instalação em diferentes momentos. Podes comparar de alguma forma as interações com os gongos?

Há, não fui eu que a fiz, mas sim o meu melhor amigo Lieven Martens. Ele dirige a editora Edições CN. É uma editora belga com um nome português, mas ele próprio é um “gravador de campo” e tem um microfone muito melhor do que o meu. Por isso, propôs-me ir lá. E foi muito bom, porque se podia… Lá atrás ouvia-se o trânsito, os pássaros e o ambiente real. É como um espaço acústico. Se conhecermos as pessoas que gerem a galeria, por vezes conseguimos reconhecer as suas vozes, mesmo que estejam dentro de casa a falar. Isso funcionou muito bem para mim. A primeira vez que o expus foi muito emocionante — como quando, por exemplo, ia lá quando estava a chover. Quando estava a chover, o som era completamente diferente, não só porque havia a chuva, mas também porque os reflexos do som eram diferentes.

Aqui haverá tempo para observar essas mudanças, em função da época diferente do ano, porque vai ficar instalada até Novembro.

Vai estar durante todo o verão até Novembro e, por exemplo, como à noite já estará um pouco escuro, talvez possamos colocar um holofote. Estava a pensar na interação do vento e da chuva com os gongos. Nunca os apresentei tão perto da costa, por isso será certamente interessante…

Também para esta instalação tiveste uma influência, qual foi?

Na altura, a maior influência para mim foi algo que li de David Tudor, o compositor, pianista e construtor de instrumentos. Mas ele inspirou-se na ideia de circuitos electrónicos muito pequenos que se traduzem em sons muito grandes ou em esculturas muito grandes, e isto tem cerca de um metro por um metro, mas o circuito de onde sai é constituído apenas por alguns componentes electrónicos que caberiam facilmente na minha mão. Portanto, uma coisa muito pequena, traduzida num circuito muito pequeno, depois traduzido em algo muito grande. Também foi algo que sempre tive em mente quando estava a gravar ondas para esta instalação.

Porque também fizeste algumas gravações para obter algumas ideias ou não?

Quero dizer, não, não fiz. Trabalhei da primeira vez. Foi ótimo. Funcionou da primeira vez. Mas foi também porque o apresentei juntamente com dois outros instaladores de diapositivos. Estava a trabalhar nos três trabalhos em conjunto. Mas depois, na vez seguinte, apresentei-o. Na maior parte das vezes, fiz uma banda sonora diferente. Por exemplo, gravei ondas diferentes quando os gongos eram apresentados e tinham de ficar quase ao lado uns dos outros, e depois faziam mais como uma coisa de pingue-pongue. Não era tão aberto como aqui, por isso era mais como se o da esquerda estivesse a falar com o da direita e vice-versa. Portanto, mais movimentos deste género. Também nesta instalação quase não há movimentos entre as duas, mas como par, poder-se-ia facilmente mover entre as instalações.

Numa conversa anterior falámos também na importância de artistas sonoros portugueses. Mencionaste a propósito da importância do Nuno Canavarro.

Sim.

Podes falar um pouco mais sobre a influência do seu disco Plux Quba?

Sim, se o ouvirmos [tendo presente] na altura em que foi feito, quando os computadores quase não existiam, a forma divertida como ele usava os diferentes instrumentos despertou não só a minha imaginação, mas também a dos meus amigos na Bélgica. Sobre como ouvir e fazer coisas nós próprios, a sério. A música em si, claro, está lá, mas também a brincadeira, a forma como é feita, é de uma forma muito leve, mas ainda assim muito séria e leva-nos a sítios diferentes e isso é algo… Sim, gostámos muito, muito dessa obra. Ainda me lembro que foi um burburinho quando encontrámos a reedição desse álbum, mas também o Rafael Toral. Ele esteve há poucos meses na Bélgica e tocou o último disco.

O impactante Spectral Evolution

A peça Spectral Evolution foi óptima. Estávamos numa sala cheia no Art Center. Estávamos todos de boca aberta a ouvi-la, mas também estas coisas anteriores dele. Chasing Sonic Booms [álbum de 1997] foi um clássico para mim quando estava a estudar cinema e a ouvir muita música ao mesmo tempo, no início dos anos 2000, e depois, talvez há quatro ou cinco anos, ajudei a organizar um concerto muito pequeno do Rafael Toral, talvez só com 20-30 pessoas na plateia. Ele tinha todos estes pequenos instrumentos que me fizeram lembrar o David Tudor, que também trabalhava com feedback e circuitos feitos por ele próprio. E sim, essa abordagem é, penso eu, muito forte e desperta a minha imaginação. Mesmo quando o volume não era tão alto, continuava a estar-se totalmente dentro do som. Isto para além do Tózé Ferreira…

Claro, Música de Baixa Fidelidade. É nisso que estás a pensar?

Sim. É uma combinação muito boa de duas fontes, quer dizer, podemos ver que as fontes em que ele é influenciado são como… como Bob Ashley na voz, mas também como o Instituto de Sonologia em Den Haag, que não fica muito longe de Antuérpia (apenas a duas horas de distância) e tem uma influência eletrónica muito forte. Por isso, essa combinação que nunca tinha ouvido antes, juntamente com a ideia: “Sim, podes definitivamente dizer que é música portuguesa”.

E actualmente também há que contar com uma associação, um grupo de artistas sonoros em actividade no Porto, com a Sonoscopia. 

Sim, que estão de alguma forma relacionados. Foi maravilhoso para mim ir lá. Esqueci-me do meu microfone de contacto na Bélgica quando vim cá dar o concerto [no Serralves em Festa] e apanhei o autocarro para a Sonoscopia. Foi espantoso ver como tudo está na mesma casa. Um estúdio de produção, um local para gravar música, um local onde fazem os próprios instrumentos. Mas também o aspeto social é muito importante. Eles organizam concertos, mas fazem o jantar antes do concerto, todos juntos, e isso é algo de especial.

Então podemos imaginar que, num futuro próximo, possas ser uma presença mais regular e possas vir a colaborar com outros artistas sonoros locais? 

Esta é também a minha exposição mais longa, uma vez que apresentei trabalhos durante quatro meses, mas nunca durante cinco meses. Portanto, isto vai estar aqui durante cinco meses e esperemos que tudo corra bem. Mas caso contrário, se tiver de voltar e reparar algo nas instalações, talvez possa conhecer mais pessoas aqui. Também depois do meu concerto foi óptimo conhecer alguns cineastas de Portugal.


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