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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/06/2021

O presente da música portuguesa passa por aqui.

EU.CLIDES: “Senti que as pessoas ainda não me conheciam muito bem e que era importante criar algo mais introspectivo”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/06/2021

EU.CLIDES é um artista de muitos talentos. Aos 25 anos de idade, o músico que deu os seus primeiros passos nestas lides enquanto prendado guitarrista apresenta agora o seu primeiro trabalho, o EP Reservado. TOTA, Branko, Pedro da Linha e Vanyfox juntam-se a Euclides neste showcase da sua versatilidade que não esquece o instrumento de origem e que resulta num r&b melodioso embalado a seis cordas. 

Ligados entre Portugal e França pelas maravilhas da Internet, o Rimas e Batidas “sentou-se” com o músico para falar sobre a natureza díspar deste EP face aos seus objectivos musicais, os conselhos de Branko e a sinergia que tem com TOTA. Em Julho há apresentações do curta-duração marcadas para Lisboa, Madeira e Porto.



Lançaste o teu primeiro single no 1º de Maio. É um tema de incitar à liberdade, à luta. O teu segundo single apela à “empatia num mundo eminentemente polarizado”. No teu EP apontas para uma direcção mais interna, mais sobre ti. Porquê a mudança para algo mais interior em vez de continuares nesta vertente mais consciente?

No “Terra Mãe” e no “Ira Para Quê?”, mas principalmente no primeiro, eu queria ter as características mais importantes do meu projecto, tanto musicais como a nível de mensagem. Da parte musical tens a guitarra clássica, a forma como a música está tratada, o equilíbrio entre a produção e depois a canção. E é uma letra mais virada para fora, assim como o “Ira Para Quê?”. E isso faz parte do ADN do meu projecto, o que fugiu à regra foi mesmo o EP. Senti que as pessoas ainda não me conheciam muito bem e que era importante criar algo mais introspectivo, daí chamar-se Reservado, é um EP todo sobre mim. Mas o objectivo do meu projecto é virado para fora, e vou voltar a esse discurso mais social, acho importante.

Como é que é a tua relação com o TOTA? Em que é que ele complementa a tua abordagem?

O TOTA é indispensável na minha música. Eu costumo compor tudo sozinho, mas a minha relação com o TOTA já vem de algum tempo. Nós conhecemo-nos num gig, eu estava a tocar guitarra e ele veio cantar, e a nossa amizade tornou-se forte em poucas horas. Já conheci muitas pessoas na vida, mas [o TOTA] tornou-se dos meus melhores amigos assim tipo num dia. Falamos muito e na altura, quando apareceu o “Terra Mãe”, foi algo muito natural. Ele conhece-me tanto que o processo de escrever uma letra acaba por ser muito intuitivo, não temos muitas regras. A maior parte das vezes eu sei mais ou menos do que quero falar, a música puxa-me para um ambiente ou para um tema e depois falamos um bocado de pontos importantes. E ele traz cenas para a mesa, eu trago as minhas cenas para a mesa. E depois ele acaba por pegar em tudo e fazer magia [risos]. E ele tenta sempre colar a métrica com os sons que eu tenho, não vai só buscar palavras à toa, ele ouve os sons que eu estou a dar com a voz e procura palavras que tenham mais ou menos a mesma tonalidade. Mas lá está, é muito complementar. Sobre o “Desmancha-Prazeres”, eu estive com ele em Lisboa e desabafei algumas experiências que tive. E ele, de iniciativa própria, escreveu aquela letra. Ele entrou na história que eu lhe contei e decidiu escrever aquilo. Ou seja, a amizade já é tão forte que as letras acabam sempre por soar a EU.CLIDES, mas ele acaba por muitas vezes trabalhar sozinho. Às vezes dá uma ajudinha com uma estrutura ou com o ambiente de um tema, dá umas ideias criativas fixes, mas assim 70% do trabalho são letras. 

Todos os nomes das músicas têm um hífen. Isto foi propositado? Tem a ver com alguma dualidade tua? 

Na verdade começou com o “Volte-Face” do Festival da Canção, e antes eu já tinha um ou dois temas que já tinham. Não sei se aconteceu ou se foi intencional da parte do TOTA, mas a partir do terceiro tema já houve aquela procura intencional de conseguir um título que fosse duas palavras. Não tem um significado, é só estético. O “Morto-Vivo” é um tema completamente sobre isso. Nos outros temas já é mais estético.

O loop de guitarra do “Morto-Vivo” lembra-me imenso Frank Ocean. Ele foi uma influência neste EP? 

É engraçado estares a falar de Frank Ocean. Ele inspirou-me muito no Festival da Canção, a cena de cantar sentado, por exemplo, veio de Frank Ocean, revejo-me muito nesse estado de espírito. Musicalmente não sei, eu não oiço assim tanto Frank Ocean, eu peguei na guitarra e foi [risos]. Acho que há sempre coisas que acabam por ficar no nosso ADN, nós vamos ouvindo e vamos apanhando algumas coisas.

E que outros artistas é que te influenciaram neste trabalho? 

Para as pessoas o Reservado não soa a algo muito experimental, algumas coisas até podem soar óbvias, mas para mim foi experimental no sentido de eu nunca ter tido muito contacto com a produção. Eu sempre estive mais ligado ao mundo orgânico como guitarrista, [e essa parte da produção] é algo bastante recente. E no EP queria dar força a isso, até pela ligação que acabou por acontecer com o Branko, com o Pedro da Linha, também há a colaboração do Vanyfox. O ano de 2020 foi o ano em que eu colei muito à nova cena afro de produções e de DJs de Lisboa. Essa foi a principal inspiração a nível de sons, tentei trazer isso para o meu mundo. Em termos artísticos não me tentei colar a nada, tentei foi ter muito desse mundo e depois pôr de mim nesse mundo. Por um lado os sons são óbvios, mas também têm um lado improvável, em que eu acabo por conseguir misturar a canção com loops mais de música electrónica. Eu penso muito em pockets, vou buscar uma coisa que acho fixe e sou capaz de vibrar naquilo durante horas e no EP é um bocado igual. Para aqueles que sabem, nota-se que é um guitarrista que está ali atrás, mas se calhar há pessoas que vão ouvir aquilo e nem sabem que o rapaz que está a cantar toca guitarra. Mas sem a guitarra aquilo não existe, para aí três ou quatro temas são loops de drums e depois chega a guitarra e transforma aquilo. Eu até tento desenvolver muitas coisas sem a guitarra, tento ficar o máximo no PC, e depois quando pego na guitarra é quase um alívio para a música, estava a precisar disto [risos]. Eu tento que [a guitarra] não seja principal, mas acaba sempre por ser muito forte, é muito natural para mim. 

Em “Déjà-Vu” optas por uma abordagem instrumental. Isto é algo que te apetece explorar, temas instrumentais? 

Sim, penso muito em explorar isso. Eu canto há alguns anos mas tive mesmo que puxar por mim para assumir esse lado. Eu oiço muito música instrumental, vim da música clássica. Achei que era importante ter um momento instrumental no EP. Já o faço em cada música, acabo sempre por ter ali uns segundinhos de instrumental e improvisação, mas achei que no EP era importante ter esse lado instrumental e conto explorar muito isso. É um bocado uma introdução [de “Desmancha-Prazeres”]. Começaram os dois da mesma forma, tinha o drum loop e toquei uns acordes, depois acabei por cantar no “Desmancha-Prazeres” e o “Déjà-Vu” ficou só ali com as guitarras, e eu senti que não precisava de mais nada. Acabei por reparar que o “Déjà-Vu” tinha uma identidade particular, mesmo agora depois de lançar noto isso. 

O que é que os tempos em digressão com o grupo do Senegal, Daara J Family, e com a Mayra Andrade te ajudaram a perceber sobre a vida de músico e sobre a tua abordagem à música? Foram benéficos para o que tu fazes agora?

Sim, completamente, até diria que foi mesmo crucial na minha vida. Eu cresci em Portugal, saí com oito anos de Lisboa e fui para o Norte. Estive sempre muito ligado à Igreja, ao Conservatório. De vez em quando ouvia Mayra e música de Cabo Verde que o meu pai ia pondo em casa, mas as coisas que eu mais ouvia passavam muito por música pop ou cenas tipo U2, Dire Straits, John Mayer, depois muito pelo gospel. Quando fui em tour com os Daara J tive um contacto com música tradicional do Senegal e depois comecei a explorar muita coisa africana. E eu diria que foi relativamente tarde porque eu sou cabo-verdiano, mas foi um choque muito grande, foi um momento muito forte. A primeira vez que eu desci de avião no Congo para tocar com os Daara J, comecei logo a chorar, foi um choque emocional. E depois a tour toda, viver aquela música e aquele ADN foi mega forte. E quando se juntou a Mayra foi ainda mais óbvio, esses anos da minha vida deram-me muita experiência a nível profissional como músico, mas principalmente trouxeram o meu ADN para cima, agora [isso] ficou equilibrado. Para além da música, foi a apreciação pela cultura. 

Antes de 2020, esses anos de digressão já te ajudaram a perceber que querias incorporar isso na tua música.

Muito. Com a tour da Mayra e dos Daara J eu tive uma cena cultural mesmo forte. Porque eles são pessoas que carregam o país. A Mayra carrega Cabo Verde, está sempre a carregar a bandeira em tudo o que faz, e isso cola muito com o meu perfil. E eu acabei por tentar apanhar muito desses dois mundos, comecei a dar muito valor à tradição e a abraçar a bandeira. Para mim é estranho porque nasci em Cabo Verde, cresci em Portugal, agora estou em Paris… Ouvi muita coisa, mas é muito importante essa cena de aproveitares todo o teu ADN na tua música.

Falaste de carregar a bandeira. Em relação ao Festival da Canção, tu sentiste também que havia esse sentimento?

Em relação ao Festival da Canção eu diria até que o mais importante era carregar o meu ADN. No meio de um concurso onde já passou tanta gente, eu não pensei muito em criar algo que fosse apreciado no concurso. Obviamente eu penso no concurso em si e tento criar algo que seja adaptado. Mas para mim o mais importante era que as pessoas ouvissem aquilo e percebessem que aquilo é o EU.CLIDES mais do que eu tentar criar alguma cena que seja o que as pessoas querem ouvir. Claro que depois se tivesse ganho o Festival da Canção para mim seria grande orgulho porque seria um sinal que as pessoas acabaram por conectar. Mas acho que o mais importante nesse tipo de concursos é sempre levar o máximo do nosso ADN porque é nessa diversidade que está o interesse daquilo tudo. Eu queria mesmo que as pessoas me conhecessem em três minutos, mesmo pensando do género: “este gajo é uma seca”. Ao menos sou eu, a verdade é que eu sou assim [risos]. 

O teu principal objectivo é que transpareça a tua identidade.

Sim, sempre, eu dou muito valor a isso. Tanto é que eu já componho há muito tempo mas acabei por só lançar músicas o ano passado porque senti que me faltava isso, faltava-me a identidade. O Branko uma vez disse-me uma cena, e para mim fez mesmo um clique. Acho que na altura ele nem sequer tinha ouvido as minhas cenas, acho que ele só me tinha visto a tocar com a Mayra. E eu lembro-me que partilhei que estava stressado com a minha música, e ele disse-me: “o Spotify está cheio de música. Ninguém está atrás de ti. Põe músicas quando achares que aquilo é novo. É novo para aquele contexto, e és tu”. E isso para mim fez mesmo muito sentido. Para mim só faz sentido lançar música que seja de facto o mais tu possível. E se a música for 80% de ti, vai ser sempre diferente dos outros, vai sempre carregar essa diferença. Cada um tem as suas histórias, por isso é que eu falo muito de ADN e das coisas que foste ouvindo ao crescer. E mesmo ADN cultural, influências na família, pessoas com quem conviveste, países pelos quais passaste… Isso traz toda uma identidade e se tu não pensares em incluir essas coisinhas na tua música acabas por te tornar mais mainstream quando o objectivo é fazer arte.


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