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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 06/05/2021

A continuação de uma viagem escapista.

[Estreia] Império Pacífico: “O Flagship é uma versão full quality do que nós queríamos para o Exílio

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 06/05/2021

Luan Belussi (trash CAN) e Pedro Tavares (funcionário), que respondem enquanto dupla pelo nome de Império Pacífico, descrevem o nascimento do projeto como “uma coisa muito simples”: “somos amigos de longa data”, explicam-nos a partir do seu apartamento em Lisboa, onde se encontram a residir. Provenientes de Setúbal, os membros do duo conheceram-se quando ainda frequentavam a escola secundária, onde ganharam o hábito de se encontrar em cafés para conversar sobre as músicas de que mais gostavam.

Depois de um punhado de lançamentos curtos por diferentes editoras, o grupo lançou-se com o seu primeiro trabalho de longa-duração, Exílio, “um delicioso tratado sobre as melhores raves baleáricas que só aconteceram nos nossos sonhos”, escrevia Rui Miguel Abreu na sua Oficina Radiofónica. Flagship, sucessor que é editado esta sexta-feira pela Leitura Tropical, mas que podem ouvir em primeira mão no Rimas e Batidas, é, ao mesmo tempo, um regresso às origens – às tardes passadas em esplanadas com amigos – e o iniciar de um novo capítulo: a passagem do exílio para um novo destino, habitado pela mais lúdica electrónica de recorte balear. “É a continuação da viagem”, dizem.

Em chamada por Zoom, o ReB conversou com Luan e Pedro sobre o processo e as histórias que levaram à concepção do seu novo álbum, a paixão nutrida pelos desportos automóveis e a necessidade de registar momentos em som.



Gostava de começar por situar um pouco a vossa música: das baleares ao Hacienda, em Manchester, com passagem por Chicago e Detroit, onde é que os Império Pacífico vão buscar inspiração?

[Pedro] Um bocado a tudo, no fundo.

[Luan] É difícil encontrar apenas uma referência porque os discos até exploram temas um pouco mais abstractos do que uma determinada influência musical. O nosso registo tem as características que fazem o som de Império, mas a nível de influências musicais concretas…

[Pedro] É tanta coisa…

[Luan] Tipo, Aphex Twin. Pronto, é o clássico dizer que se gosta de Aphex Twin, portanto é uma influência, mas a nossa música não soa bem às cenas do Aphex Twin.

[Pedro] Eu acho que podemos dizer que as nossas influências vão desde Aphex Twin até cenas do Rodriguez, do Bob Dylan. É bué vasto, é a maneira como as pessoas escrevem as músicas, é a maneira como as músicas nos tocam. Eu acho que, pelo menos da minha parte, baseamo-nos mais em coisas que não têm nada a ver com electrónica do que em coisas que têm a ver com electrónica. Por muito que gostemos de coisas como o Aphex Twin, como o Luan estava a dizer, e tudo o que é electrónica clássica e incrível que para nós ressoa bastante no que estamos a fazer agora, em termos de coisas que nos influenciam vai desde uma simples ida ao café a cenas mais concretas que têm a ver com música. Eu acho que dá para ver influência das nossas coisas em tudo o que é sítio, seja em espaços seja em…

[Luan] Filmes, jogos, livros.

[Pedro] Jogos principalmente.

Há também uma ligação muito forte ao mundo asiático que já se sentia anteriormente em “Nitsuada” e que é agora reforçado no single “Singapura” e no seu uso singular da percussão.

[Pedro] Podemos já falar assim primariamente de todo esse cunho que foi dado foi por parte da Maria Reis na letra em específico da “Nitsusada”. Nós tivemos um meeting com ela já depois de lhe mostrar o instrumental, que foi a segunda faixa que fizemos com a Maria para o Exílio. Nesse meeting falámos um pouco e chegámos à conclusão que havia um livro muito importante que ela tinha sobre haikus e que era escrito não pelo Nitsusada, mas pela mulher dele e era exactamente assim que estava assinado. Isso foi uma coisa que realmente fez sentido com a música e ajudou a Maria a escrever a letra e a compor a parte vocal da canção. Não foi necessariamente por nós, foi uma mescla de influências que fez não só a Maria chegar a essa conclusão como-

[Luan] O Miguel e a Camila fazerem também um vídeo nesse sentido.

[Pedro] Com o vídeo ter sido realizado no Japão, sim. Foi uma amálgama de-

[Luan] De ideias de várias pessoas.

[Pedro] Agora, a questão da “Singapura” é um bocadinho diferente, eu acho que temos mesmo de separar esses dois momentos no sentido em que, não só não são do mesmo país, como a atitude que nós tivemos para a “Singapura” foi bem diferente. A “Singapura” se calhar foi mais premeditada da nossa parte.

[Luan] Sim, desde o início quando a começámos a fazer já tínhamos mais ou menos esta ideia do que queríamos atingir. Ela está muito relacionada também com os temas de Fórmula 1, racing e o circuito urbano de Singapura.

[Pedro] Basicamente nós tínhamos a ideia de a música ser uma viagem comprida à noite e nada melhor do que esse circuito. Esse circuito é basicamente isso e, para além de sermos fãs de Fórmula 1, achámos a cidade bonita visualmente.

[Luan] E acompanha bem com a música.

[Pedro] E fica bem com a música, sim. Foi o mesmo com a “Nitusada”, simplesmente aquilo era uma coisa tão melancólica, tão quase tipo uma falsa nostalgia que de certa forma podes interpretar como real, porque a música existe, não é? Aquilo está lá, tu ouves aquilo e tens uns certos sentimentos que se calhar não tens a ouvir a outra música que fizemos com a Maria e, não só o vídeo como a própria letra, que depois a Maria escreveu, jogam de certa forma bem com uma estética que nós nem sequer tínhamos em mente quando fizemos a faixa originalmente. Por isso é que nós falamos que a “Singapura” acaba por ter sido mais pensada, até porque aquilo soa mesmo a uma viagem à noite. A “Nitusada” é uma coisa assim mais aérea, mais-

[Luan] Colectiva.

[Pedro] Foi um trabalho colectivo a “Nitsusada”, sem dúvida. É bom ver isso minimamente reconhecido e saber que o todo resultou bem. É fixe ver esses resultados coletivos a resultarem. Portanto ya, nós fazemos essa diferença entre a “Nitsusada” e a “Singapura”.

Claro, são dois momentos completamente distintos até porque estão em álbuns diferentes.

[Pedro] E foram feitos com mentalidades diferentes. A “Nitsusada” foi uma coisa feita em 2018, para aí. Pelo menos pensada de raiz em 2018, que depois a Maria chegou e deu o cunho, e a “Singapura” é uma coisa mais recente. Até arriscaria a dizer que é a mais recente que temos no disco.

[Luan] É possível.

[Pedro] Acho que sim. Foi das últimas que nós fizemos para o disco, porque o Flagship tem coisas mais antigas e coisas mais recentes.

Sinto que há algo de revisionista aqui também, parecem apontar mais para o passado do que para o futuro.

[Pedro] Eu acho que tem muito a ver com algumas das influências que podemos dar pin point, como B12.

[Luan] Sim, a história da música está um bocado relacionada com o nosso trabalho porque nós gostámos de cenas se calhar mais dos 90s. Claro que, pronto, tentamos ouvir sempre tudo o que se passa.

[Pedro] Mas podemo-nos rever um bocadinho mais nessa atitude que havia na altura de criar algo completamente novo com máquinas que tinham aparecido e que eram completamente novas. Estamos um bocado a tentar rebuscar esse… aliás, nós utilizámos uma drum machine que é uma recriação da 808, portanto, no fundo é ir buscar coisas que funcionaram perfeitamente bem e tentar fazer algo novo com elas.

[Luan] Ya, mas tentar traduzir isso também com o trabalho que o computador nos permite alcançar. O PC é o instrumento para acabar com todos os instrumentos, portanto, como é que a gente pode pegar nestes temas que os mestres, digamos (sem querer pô-los num pedestal), mas que os mestres já conseguiram explorar  o máximo no passado e tentar trazer assim um twist mais contemporâneo, digamos. E pronto, os títulos das faixas e essas cenas com características um bocadinho mais históricas se calhar também têm a ver com o facto de eu gostar de jogos de estratégia.

[Pedro] Eu não gosto particularmente [risos]. Eu não gosto particularmente dos jogos de estratégia que ele joga, acho aquilo um bocado chato, mas ao mesmo tempo compreendo perfeitamente de onde é que aquilo vem porque eu dantes também jogava – cenas um bocadinho diferentes dessas, mas nós encontramo-nos não só nos títulos das faixas mas em muita da imagética sonora no mundo dos jogos que nós gostamos.

[Luan] Portanto, não é bem revisionismo. É mais tipo… escapismo. Se calhar é mais indicado.

[Pedro] É uma boa palavra, principalmente para descrever tudo o que foi o Exílio e o que está a ser o Flagship. O Flagship se calhar é uma versão full quality, tipo HD, do que nós queríamos para o Exílio. Assim de uma maneira muito lata, tipo…

[Luan] Enquanto que um é o exílio, no outro estás a partir para o exílio, ou do exílio para o destino.

[Pedro] Exactamente. É a continuação da viagem. Não digo necessariamente mais actual, porque isso depende de quem for interpretar a coisa, mas para nós pelo menos é a mesma continuação dessa viagem que tínhamos no Exílio. Quase como chegares a um sítio e ser diferente desse exílio, a segunda cidade que foste depois de te exilares. É uma nova descoberta, um novo capítulo.

Que referências históricas são estas as que falam? Podem elaborar sobre a escolha dos títulos?

[Pedro] É uma cena que a nós nos importa. Interessa-nos muito, como descrevemos na altura do Exílio, os lugares onde estamos a produzir a música. As faixas do Flagship são lugares, para nós pelo menos. Todas elas significam algum lugar onde já estivemos ou gostávamos de estar, imaginário ou não, de jogos ou não, de sítios específicos, palpáveis ou não, mas, no fundo, é a maneira como esses sítios nos influenciam.

[Luan] E também, se calhar falando mais das referências históricas, acho que é uma fonte de inspiração super interessante olhar para coisas que não têm nada a ver com aquilo que encontraríamos normalmente numa música, tipo falar de uma determinada sociedade no passado, por exemplo, ou falar de uma coisa mais concreta tipo uma corrida de Fórmula 1.

[Pedro] Como a “Singapura”.

[Luan] A Singapura ou até mesmo o Racing Team, o EP em que nós temos alguma mistura de temas de Fórmula 1 clássica dos anos 70 e dos anos 80 misturada com o som da Fórmula E.

[Pedro] Sim, não esquecer que esse EP começa com uma sample do Senna e acaba com uma sample de um carro de Fórmula E. Encapsula tudo o que existiu até agora, que é um dos grandes corredores de Fórmula 1 e o som do futuro, que é o som de Fórmula E. Para todos os efeitos é uma das representações do futuro. Quando conseguirmos o som do jacto do Elon Musk, a gente vai acabar o disco [risos]. Mas sim, são lugares: físicos, palpáveis e tudo o que há entre isso.

Gostava de perceber um pouco como funciona o vosso processo de gravação. Enquanto dupla de produtores, como é que fazem a distribuição de tarefas?

[Luan] Nós tivemos algumas etapas, digamos assim. O nosso modus operandi mais genérico é: um de nós faz um princípio, uma ideia, e depois reunimo-nos, seja através do computador, seja presencialmente, seja onde for. Depois explorar esse princípio, estruturar a faixa, adicionar camadas novas. Por vezes juntámo-nos num estúdio de origem, tipo, “bora fazer uma música” e “olha estamos a pensar nisto, bora tentar fazer isto” ou “bora fazer assim uma dinâmica, tipo tu pegas 10 minutos no PC, depois rodo e depois vem outra pessoa e faz mais 10 minutos”.

[Pedro] É quase um roda bota fora, às vezes. É interessante ver a coisa dessa forma porque acaba por ser um bocadinho uma jogatina dos dois.

[Luan] Nós trazemos uma ideia para a mesa: um de nós traz de casa um loop de cinco segundos, um registozinho ou uma percussão…

[Pedro] Uma base.

[Luan] E depois nós os dois encontramo-nos – seja em casa, no estúdio – ou manda-se back and forth o projecto pela Internet e daí nasce o som.

[Pedro] Sim, não há nada que tu oiças de Império Pacífico que não passe pelos dois a 100%. Ou seja, por muito que ele faça o beat todo e eu faça os synths ou vice-versa, não há nada que não seja realmente dos dois, ainda que haja faixas que um faça mais do que o outro. Há coisas que ele traz a ideia toda feita, há coisas que eu trago a ideia toda feita e trabalhámos tudo em conjunto, desde o próprio som à estrutura da música.

[Luan] Têm origens bué distintas as faixas, mas o processo é sempre o mesmo.

[Pedro] E é isso que se calhar traz essa vontade de criar os discos, porque no fundo nós iríamos fazer isso com ou sem editora, de encapsular os momentos no tempo e no espaço que trabalhamos em conjunto, quase como por ondas. Quando estás na crista da onda acabas por representar esses momentos todos. Imagina, do último ano, esse último ano vai ser o Flagship. O próximo disco há de ser tudo o que foi desde o Flagship até agora. Há coisas que nós vamos buscar mais atrás, mas a imagética toda e a ideia por trás é exactamente essa do espaço temporal, do período que levou até decidirmos, “ok, é isto”. O Flagship foi quase que fluído, foi uma mistura de, “bora continuar o Exílio e fazer algo de novo”, para dizer-te que foi essa continuação da viagem. Mas é uma viagem um bocadinho diferente, é uma viagem muito mais introspectiva.

É tudo feito através de software ou recorrem também ao analógico?

[Pedro] Nós para tocar temos alguns instrumentos ditos analógicos. Temos um sintetizador analógico, temos uma drum machine antiquíssima dos anos 80 que nos foi emprestada por um grande amigo nosso, temos uma drum machine que é mais recente, que é a TR-8 e utilizamos o Ableton como charneira para tudo. Nós gravámos muitos dos samples que estão no disco nos instrumentos analógicos, mas há imensa coisa que é 100% digital feita a partir do Ableton, construída de raiz lá…

[Luan] Samplado por vezes.

[Pedro] Utilizamos mais as coisas que temos analógicas e físicas para complementar aquilo que fazemos em digital, que é o mais familiar para nós. Nós sempre trabalhamos 100% no PC e estas coisas são quase que addons.

[Luan] Que vieram com os gigs.

[Pedro] Ya, que vieram com a necessidade de mostrá-los ao vivo ou simplesmente complementar a produção. Foi uma necessidade física de representar as coisas que nós fazemos ao vivo. E isso de certa forma ajudou-nos a moldar o som que temos hoje em dia, principalmente o TR-8. Eu acho que foi mesmo uma coisa bué importante no nosso som, para além do sintetizador analógico que já utilizávamos ao vivo. O TR-8 foi um compasso diferente. Se calhar se arranjássemos outra o som hoje não seria o mesmo.

Este é também o vosso álbum mais colaborativo. Como foi trabalhar com a Noiva e o Bitrot?

[Luan] São nossos amigos. Nós estamos com estas pessoas todos os dias, quase, portanto colabormos imenso em música. Mesmo coisas que não lançámos, quando nos encontrámos há sempre ali um-

[Pedro] Há sempre um PC à mistura, até mesmo com pessoas que não estão no disco. Quase sempre quando estamos com um grupo de amigos mais chegados há sempre alguma necessidade de representar esse momento em som, mesmo que isso nunca chegue a sair.

[Luan] Portanto, se calhar este disco reflecte um bocadinho mais esta proximidade. Acho que levámos um passo adiante estas colaborações mais amistosas para incluir no trabalho, mas não vai ser o nosso álbum mais colaborativo, apesar de ser agora o nosso álbum mais colaborativo.

[Pedro] Acho que o próximo há-de ser mais.

O primeiro concerto de apresentação do Flagship já está marcado: dia 20 de Maio assinalam o regresso aos palcos com uma actuação no Lux Frágil. Já sabem como vão fazer esta transferência do estúdio para o palco?

[Luan] Algumas músicas nasceram a partir de gigs. Essas vão ser fáceis, portanto. As outras que preparámos de propósito para o disco queremos dar-lhes um approach mais rítmico e mais-

[Pedro] Acessível.

[Luan] Não é bem acessível, é mais… confortável para se ouvir durante o maior período de tempo, porque o disco é relativamente curto, até, então o gig é uma experiência um bocadinho mais extensa. Nós queremos fazer com que os sons sejam mais experiências e não capítulos tão demarcados como no disco.

[Pedro] Nós vamos pegar nas coisas que fizemos para o disco e dar-lhes uma nova vida porque sentimos que as coisas ao vivo têm de ter sempre um cunho diferente. Nós tentamos sempre adaptar-nos ao sítio onde iremos tocar – tal como dissemos há bocado, os sítios são-nos sempre importantes. Ou seja, para nós faz muito mais sentido pegar nas coisas que sentimos serem mais uma vibe de o pessoal estar descontraído, pegar nisso e apresentar no Lux de uma maneira mais… não digo necessariamente dançável mas com uma cadência muito mais própria, dependendo do espaço. Neste caso é o Lux, se fosse noutro sítio faríamos de outra forma. Portanto, é uma apresentação do Flagship no Lux: é especial, é diferente de tudo o resto que já fizemos, é diferente de tudo o resto que vamos fazer. É uma coisa única.


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