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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Cristóvão Peças
Publicado a: 20/04/2023

Com o Village Underground Lisboa no horizonte.

[Estreia] E.se fecha um ciclo na Ilha Terceira com o vídeo para “Ondas e Nuvens”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Cristóvão Peças
Publicado a: 20/04/2023

Depois de editar Mangrove, E.se estreia no Rimas e Batidas “Ondas e Nuvens” em formato audiovisual, tema esse que encerra o segundo longa-duração do rapper almadense, editado em Novembro do ano passado pelas Produções Hipotéticas.

Com a Ilha Terceira, como pano de fundo, o também autor de Serotonina deixou-se inspirar pela paisagem açoriana durante um processo que começou e terminou, precisamente, nessa ilha. Daí que, em conjunto com Cristóvão Peças (principal responsável pelo complemento visual do trabalho de E.se), tenha posteriormente escolhido esse destino como cenário para o videoclipe da última faixa do disco, produzida por Johnny Virtus.

Por ocasião do lançamento do vídeo de “Ondas e Nuvens” (apenas editado oficialmente amanhã), e em antecipação da apresentação ao vivo de Mangrove — prevista para dia 19 de Maio, no Village Underground Lisboa —, E.se voltou a debruçar-se sobre o processo de criação do seu segundo trabalho a solo (já o tinha dissecado faixa-a-faixa por aqui), passando novamente pelo tema que agora estreia em exclusivo nesta sede, e antecipando ainda o seu primeiro concerto em nome próprio.

A apresentação de Mangrove — disco que inclui as contribuições de Azar Azar, NED FLANGER, Pedra, Johnny Virtus, Filetes, Franklin Beats, Soul Providers, RakimBadu, 90’S KID, Beiro, João Mateus e Samuel Silva na parte instrumental, e de Silly, Luca Argel, Maze, João Tamura e Auge na parte vocal — vai contar com as participações de DJ Sahid (no warm-up) e Pedra (em showcase), mais convidados especiais.



Como tem evoluído a tua relação com o Mangrove ao longo destes meses?

Quando editei o meu primeiro disco, Serotonina, estava já a trabalhar no Mangrove e estava tão entusiasmado com este segundo disco que acabei por não ter sentir a fundo o impacto de ter produzido um álbum de estreia de forma totalmente independente e com uma entrega que já sobressaía a visão profissional com que encaro a minha música. Neste segundo disco tive o cuidado de não fazer o mesmo, fui trabalhando no formato de apresentação ao vivo, filmei com o Cristovão Peças um videoclipe para o último tema e isso fez-me manter neste ciclo mais tempo (e ainda bem).

O feedback que recebi do disco também me deixou bastante feliz. Tenho a noção que a capacidade de um projecto furar sem record deal é bastante dificultado nos tempos que correm, talvez nesse sentido possa achar que o projecto ainda não viu concretizado todo o seu potencial, mas receber o feedback positivo dos meus pares é algo que me faz sentir que devo estar a fazer as coisas bem, e isso para mim é o retorno e estímulo mais importante.

Nesse sentido de evolução, sentiste um crescimento artístico e pessoal assinalável do primeiro para o segundo disco, mesmo num relativamente curto espaço de tempo?

Sem dúvida. Apesar de ter editado os dois discos só com um ano e meio de diferença, estou bastante orgulhoso com o salto que foi o Mangrove e penso que espelha o empenho que ponho nisto. No primeiro disco fui aprendendo enquanto ia fazendo, não só na parte criativa, mas acima de tudo em aspectos técnicos, e isso reflectiu-se no projecto. Nota-se que há faixas compostas em fases diferentes ao longo de um processo de aprendizagem. No Mangrove parti de um ponto bastante diferente, tinha já princípios técnicos solidificados e isso permitiu-me focar em explorar as minhas capacidades, desde a entrega, à composição lírica, ao explorar o meu range vocal, tentando extrair o melhor delas.

Sentes que já encontraste o teu equilíbrio entre a “pressa melódica” (que descrevias aqui) e a urgência da escrita? Na tua primeira entrevista com o ReB, aquando da edição do teu álbum de estreia, Serotonina (2021), já mostravas essa preocupação para projectos futuros.

É bom ter relido a entrevista ao Rimas e Batidas em 2021 sobre o Serotonina e ver que o que fui desvendando sobre o princípio do Mangrove foi fiel ao rumo do disco. Acho que vai ser sempre uma urgência processar na escrita e música os meus pensamentos, a pressão que o dia-a-dia exerce nos meus traços ansiosos e o meu processo de crescimento individual. Permite-me desconstruí-los e olhar para eles de outra perspectiva, e tem sido positivo saber que há quem se identifique com esse processo e ajuda, por sua vez, na sua desconstrução também.

O equilíbrio tenho-o procurado ao longo do caminho, tentando ser leve e melódico em tópicos que para mim são pesados, enquanto não deixo passar ao lado que faço rap. É curioso que poderia ser um aspecto que facilitaria abranger o meu público, mas na verdade sinto que o tem dificultado. Parece-me que ainda há pouca receptividade para fazer em português o que artistas como o Smino ou o Saba fazem, em que alternam entre rimas densas e por outro lado cantam livremente, em instrumentais bouncy mas ricos em soul e jazz.

Que processos mudaste do primeiro para o segundo álbum?

Numa vertente técnica, gravei todo o disco em casa após ter feito algumas melhorias nas condições de gravação, o que me permitiu ter mais tempo para explorar melodias e trabalhar o meu tom. Quando vais a estúdio o tempo é sempre mais contado e isso é compreensível, mas também me inibia e desta maneira pude despender o tempo necessário para chegar ao resultado que procurava. 

Numa vertente criativa individual, ao ter saciado a minha fome no primeiro disco, também me permitiu gerir a minha entrega e fazer algumas decisões executivas como ter um segundo verso em que não rimo e é composto exclusivamente por um solo de guitarra do Pedra na “ThunderPEDRA”. Essa maturidade de dar à musica aquilo que ela precisa de mim e não despejar toda a minha entrega foi algo que já falava na entrevista com o Paulo Pena e que penso ter conseguido neste disco.

No que respeita à produção, trabalhei exclusivamente com produtores nacionais e em algumas músicas específicas contactei músicos que pudessem contribuir com arranjos, como o Samuel Silva (saxofone na “Estranha Forma de Vida” e “Epicurismo”), Azar Azar (teclas “na interlúdio a você”) e João Mateus (guitarra na “Estranha Forma de Vida”). Foi algo que enriqueceu musicalmente o disco e que pretendo replicar daqui para a frente.

Desde o primeiro single, “Reflexos, surf e tantas outras coisas”, à última faixa do álbum, “Ondas e Nuvens” — agora apresentada em formato audiovisual —, o mar é um ambiente transversal ao disco. Procuraste, premeditadamente, essa ambiência, quase como cenário alegórico do que tinhas para contar?

O mar para mim figura paz e calma ao mesmo tempo que representa persistência e renovação, pelas suas ondas e marés incessantes, moldando as suas margens ao longo do tempo. De igual forma a água é um elemento de transparência que é o que tento fazer com a minha música e escrita. Além disso o nome do disco é alusivo às árvores de mangual que crescem na água, num meio estranho para uma árvore crescer, contra as intempéries. Por tudo isso tentei manter a água e mar presentes na expressão visual do disco, desde a “Reflexos, surf e tantas outras coisas”, à “Estranha Forma de Vida” e agora à “Ondas e Nuvens”.

Fala-nos um pouco sobre o processo de filmar este vídeo na Ilha Terceira.

A primeira vez que recebi o instrumental do “Ondas e Nuvens” estava de férias na Ilha Terceira, na altura na recta final de um relacionamento longo, e lembro-me de ter ouvido em loop o instrumental enquanto o vinculava ao que sentia e via. Mais de um ano depois estava novamente de férias na Ilha Terceira quando recebi a versão final da música. Foi um momento full circle para mim e decidi que iria lá gravar o vídeo para a música.

Expliquei o conceito ao Cristóvão Peças e no início de Janeiro arrancámos os dois para um fim-de-semana nos Açores, onde tentámos expressar o retornar a um local onde antes me tinha visto como metade de algo e agora me via sozinho. Penso que a violência do mar nesta altura do ano também retratou bem a metáfora da música, a de nos irmos moldando sucessivamente a pessoas que nos deixam, como ondas. Foi um pouco arriscado conhecendo o humor climatérico da Terceira, apesar disso e contra as probabilidades tivemos dois dias porreiros e o resultado está aqui.

Este tema, “Ondas e Nuvens”, talvez precisamente por ser o último do disco, serve de espelho para o resto do projecto? Ou seja, o Norte deste trabalho, se quisermos, foi mais as relações com terceiros, e não tanto contigo próprio, por contraste com o Serotonina?

Sim, o Serotonina foi um disco mais íntimo e practicamente exclusivo à minha vivência individual, ao meu processo de crescimento enquanto adulto e onde tento compor uma fotografia completa que me orgulhe, não esquecendo os meus negativos na sua composição. Essa apresentação permitiu-me dissecar no Mangrove também a minha vivência externa, com os outros, seja na vida amorosa (como na “Rosas” e “Ondas e Nuvens”), familiar (na “Epicurismo”) ou social (na “Estranha Forma de Vida” e “Reflexos, surf e tantas outras coisas”). Apercebi-me também ao compor este disco a importância para mim de apesar do que se passasse individualmente, de estar a ter um dia mau, estar mais preso a pensamentos obsessivos, não permitir que isso se interpusesse a estar presente, com os outros, com o ambiente que me rodeia e com tudo o que consigo concretizar diariamente. É esse o saldo do disco, como digo neste tema:

“E Mangrove é ser tudo isso mesmo,
É ser fim e começo, indistintos num presente.
É o princípio de existir num só momento,
É ser flor e ser fruto, ser raiz, ser semente.”

O teu primeiro disco foi feito ainda num contexto pandémico, por isso não tiveste muitas oportunidades de o tocar ao vivo. Agora que a realidade voltou ao dito normal, e numa fase em que já te vês com mais bagagem a nível artístico, este Mangrove foi feito, também, a pensar na sua concretização em palco?

Quando terminei o Serotonina a sua apresentação não foi de facto facilitada pela pandemia, não só pela dificuldade em conseguir datas, mas também porque trabalho num hospital e o início de 2021 foi a altura mais pesada, deixando-me pouco tempo livre para ensaiar e preparar o formato ao vivo. Ainda tentei realizar um formato showcase que ficasse pelo menos disponível no meu canal de Youtube. Isso acabou por não acontecer, mas essa vontade de apresentação foi transportada para o Mangrove. Agora que me preparo para o apresentar ao vivo, apercebo-me que a composição instrumental do disco ficou bastante adequada para ser apresentada ao vivo, por ser dinâmica, e estou entusiasmado por me poder finalmente estrear em palco com este disco.

A apresentação do disco está marcada para 19 de Maio, no Village Underground Lisboa. O que nos podes antecipar sobre esse concerto?

Sim, dia 19 de Maio tenho estreia marcada no Village Underground Lisboa. Posso, primeiro que tudo, antecipar que estou bastante entusiasmado e que tenho trabalhado para trazer um formato dinâmico, com alguns momentos exclusivos. Serei acompanhado pelo DJ Sahid e na guitarra pelo João Mateus, e contarei com a participação de alguns dos convidados do disco que irão partilhar este momento comigo. O evento terá ainda warm-up pelo DJ Sahid e showcase do Pedra.


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