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Texto: E.Se
Fotografia: Cristovão Peças
Publicado a: 21/11/2022

Na primeira pessoa.

Faixa-a-faixa: Mangrove de E.se explicado pelo próprio

Texto: E.Se
Fotografia: Cristovão Peças
Publicado a: 21/11/2022

No passado dia 6 de Novembro editei o meu segundo longa-duração, Mangrove. É um disco de rap alternativo, enraizado no jazz, electrónica, soul e r&b e no qual pude colaborar com um leque variado de artistas que me ajudou a conduzir o projecto nesse rumo. É composto por 12 faixas originais com produções por AZAR AZAR, NED FLANGER, Pedra, Johnny Virtus, Filetes, Franklin Beats, SoulProviders, RakimBadu e 90’S KID, colaboração vocal de artistas como Silly, Luca Argel, Maze, João Tamura e Auge e ainda arranjos adicionais de guitarra por João Mateus e saxofone por Samuel Silva. É misturado pelo Johnny Virtus e masterizado pelo Beiro e saiu com o carimbo da Produções Hipotéticas.



[“Mangrove”]

A primeira faixa do disco é homónima ao título do projecto e a ideia é apresentar o conceito por detrás do Mangrove. Metaforicamente o nome é uma alusão às árvores de mangual que subsistem às intempéries, estabelecendo raízes na água e crescendo num local pouco habitual. Seguindo o instinto. A ideia deste disco é essa, fazer música independente e fazê-la no âmbito mais profissional, seguindo o meu sonho, por muito pouco apoio ou suporte que possa ter.

A música é produzida pelo AZAR AZAR e assim que o ouvi a tocar este instrumental num vídeo sabia que era a paisagem sonora ideal de onde devia partir o disco. Uma palavra especial ao AZAR AZAR por desde sempre acreditar no conceito e ter trazido consigo a sua música para o projecto. Ele foi o primeiro produtor pensado para este álbum e sem ele não havia Mangrove

Depois sobre o instrumental tentei criar o registo de como se tivesse samplado uma entrevista minha a explicar o conceito do disco depois de ele já ter saído. (Poderia ter sido uma entrevista ao Rimas e Batidas, quem sabe).



[“Reflexos, surf e tantas outras coisas”]

Na segunda faixa do disco continuamos por paisagens pintadas pelo AZAR AZAR. Este foi o instrumental que iniciou a minha relação com ele. A minha ideia era trazer um Soulquarians type beat e eu poder explorar e apresentar a vertente mais melódica com que tento rubricar as minhas passagens pelo rap. 

O nome é uma homenagem à música “Objects in the Mirror”, da Space Migration Sessions com os The Internet, por ter sido a referência que dei ao Sérgio para na altura produzir o instrumental. Quem conhece o meu trabalho sabe a importância que o Mac Miller teve e tem em mim, não só como inspiração enquanto artista, mas mais profundamente, a um nível individual, enquanto alguém que sabia exteriorizar e (pelo menos tentar) normalizar a aceitação de aspectos negativos como a ansiedade, a depressão e a obsessão. 

A música foi o primeiro single do álbum (editado exactamente um ano antes do lançamento do Mangrove), tem videoclipe filmado pelo Queragura e aborda a forma como procuro na música encontrar um mecanismo para exteriorizar os meus pensamentos mais profundos e procurar a compreensão dos outros:

“compreensão é tudo aquilo que eu peço, 
que olhes para o que escrevo
e ouças de onde vem o resto.



[“Rosas”] ft. João Tamura

Segue-se a faixa “Rosas” produzida pelo NED FLANGER e com colaboração do João Tamura. Este que foi o meu segundo single do disco, com videoclipe também pelo Queragura, e aborda o tema do desamor e como duas pessoas se perdem para o desgaste do tempo da mesma forma que rosas perdem a sua cor e beleza iniciais. É um instrumental que revela bem as várias facetas do NED FLANGER e no qual o João Tamura nos entregou a sua já característica escrita poética. Acho que o contraste dos nossos versos fez sentido: de um lado a minha pressa melódica e de outro a calma e firmeza do João.

“secam rosas nos degraus, perdem a cor serão iguais?”



[“Estranha Forma de Vida”] ft. Silly e Luca Argel

É provavelmente a música que reúne mais nomes do disco. O instrumental é do Franklin Beats e na altura entrei em contacto com ele porque tinha gostado muito do instrumental da “Purga” da Rita Vian e falei com ele para tentar ter um instrumental em que pudesse navegar com alguma calma e que soasse a mar. Quando recebi o instrumental lembrei-me de imediato da Silly e falei-lhe do conceito “Estranha Forma de Vida” – um título que tem todo um peso histórico – e em que pretendia falar de como é estranho viver de forma imediatista, sem nos conhecermos, apressada (e não no sentido audaz e impetuoso). 

Depois de ter os nossos versos lembrei-me do Luca Argel para o refrão. Tinha conhecido o trabalho dele através da “Peito Banguela” com o Keso e achei que era a peça que faltava para selar vocalmente a música. Por último falei com o João Mateus e com o Samuel Silva para tocarem umas camadas livres de guitarra e saxofone, respectivamente. Depois foi selecionar esse material todo que me deu pano para mangas porque tinha nove pistas completas de guitarra e três de saxofone, mas umas quantas horas de corte e costura acho que ficou uma peça com a identidade de todos os envolvidos.

A música saiu no dia 21 de Outubro com videoclipe produzido pela No-Brainer Production Studios, com direcção de fotografia pelo Cristovão Peças e fotografia adicional pelo Queragura. 



[“interlúdio às coisas a dizer”]

É o primeiro dos dois interlúdios do disco e separa a primeira parte do disco, mais aveludada, calma e melódica, de uma segunda parte onde alterno para um registo de rap mais clássico, cru, para continuar a dizer todas as coisas que tenho a dizer.

O instrumental é do RakimBadu, produtor que também faz parte dos SoulProviders e quando o ouvi perguntei logo se seria “na boa” utilizá-lo como interlúdio em vez de música completa como se calhar ele o tinha concebido. Ele compreendeu o conceito, gostou da ideia e aqui estamos. Acho que quando trabalhamos num disco é importante trazermos para as decisões finais as diferentes pessoas envolvidas no processo criativo. Acho que se calhar tem sido essa a minha receita para conseguir trabalhar com tantas pessoas diferentes num espaço de tempo ainda curto. Respeitá-las e ser profissional.

Um trivia em relação a esta música foi no início utilizar um áudio que o Virtus me enviou e em que me disse palavras tão importantes no final do meu primeiro disco – Serotonina. Sentirmos o carinho e respeito de pessoas que admiramos é o melhor que levo desta viagem.



[“silêncio, prata”] ft. Auge

A colaboração com o Auge aconteceu depois de cada um ter feito a sua versão de remix do “Esquinas de Ceuta”, instrumental do Keso que ficou de fora da compilação Sinceramente Porto. Ambos sentimos reciprocamente as nossas versões e falámos de colaborar numa música original. Eu na altura já tinha o instrumental do Filetes, mostrei-lhe e ele disse “é beat”. É provavelmente a faixa do disco mais barra por barra, para os amantes de multis, referências e punchlines. É muitas vezes referido que falar é prata e silêncio é ouro, para nós quebrar o silêncio para dizer palavras verdadeiras e sentidas é o verdadeiro ouro. 

“o meu silêncio é prata que cobre o teu cinzento,
o teu talento é réplica fraca, eu estive atento,
não peças mais tempo se é só para fazeres mais do mesmo 
(mais do mesmo, mais do mesmo, mais do mesmo)”



[“Slalom em Almada”]

Homenagear a cidade onde cresci, vestir essa camisola, é algo para mim bastante importante. Eu sou fruto da abertura de pensamento da Margem Sul, enraizada na multiculturalidade, na aceitação da diferença. Era algo que tinha abordado na “Flavour de Almada”. Neste segundo disco e num instrumental dos SoulProviders – também eles conterrâneos da Margem Sul – tentei novamente expressar as cores quentes e o carisma que nos caracteriza. Para nós, a missão é continuar o caminho já começado (e bem) por tantos outros da nossa Margem e só parar, no meu caso, quando souberem que “Almada é Dreamville”.



[“thunderPEDRA”]

Começo nesta música por brincar e dizer que “estava em conversações com o Thundercat, beat para cá, beat para lá e ele perguntou-me, mas porque é que não falas com o Pedra?”. Sintetiza bem o que acho do Pedra enquanto músico e produtor. Quando ouvi este instrumental numa publicação senti que era o “Circles type beat” do projecto e expliquei ao Pedra a minha ideia para ele. Na altura já tinha uma demo de primeiro verso e passei em casa dele e ele tocou um solo de guitarra no início do que seria o segundo verso e eu fiquei… man, não é preciso eu dizer nada no segundo verso, é teu e da tua guitarra.

Na música começo por falar sobre circular em pensamentos obsessivos e como me sinto cada vez mais preparado para lidar com essa característica como sendo algo meu, para o mal, mas também para o bem: 

“sempre a subir degraus nesta cabeça, acabo no início e vou sem pressa”



[“Tinta // Asfalto”]

Foi a primeira música em que fui a estúdio com o NED FLANGER e foi o suficiente para perceber que queria trabalhar em muitas mais com ele. Falámos da ideia de termos um beat switch em que na primeira parte fosse mais colorida (“Tinta”), funky e “optimista” e uma segunda parte em que fosse mais crua, escura e eu também fosse mais ao cerne da questão (“Asfalto”). 

Espero mesmo que tenham chegado à segunda parte desta música porque sem dúvida que é um dos momentos sonicamente mais surpreendentes do disco.



[“Epicurismo”] ft. Maze

Esta é uma música particularmente especial a nível pessoal. Tem uma introdução do meu avô, pedra basilar na minha capacitação enquanto adulto e foi o seu processo de envelhecimento que me fez querer desabafar este tema. O de vermos alguém que nos dá tanto chão a envelhecer, saber que não vai estar sempre fisicamente connosco e o medo que traz vermo-nos sem esse refúgio. 

Trazer o Maze para este tema é ainda mais especial. Seriam poucos os artistas que teriam ouvido uma demo de alguém que ainda não tinha editado nenhuma música (é verdade, eu convidei o Maze sem ter nenhum trabalho editado) e ele viu para lá da minha inexperiência e procurou o sentido das palavras e a intenção e por isso vou-lhe estar sempre grato.

O instrumental era um type beat do Nk que tinha comprado os direitos para o primeiro disco, que depois foi pós-produzido por mim e adicionada uma camada de saxofone adicional pelo Samuel Silva.

Esta é para ti, Avô Carlos.



[“interlúdio a você”]

O segundo interlúdio do disco é produzido pelo 90’S KID, tem pós-produção por mim e rhodes adicionais do AZAR AZAR. A ideia era recriar a fase em que conhecemos alguém e queremos guardar cada momento e palavra dessa pessoa connosco, em que as dúvidas e incertezas parecem não ter espaço para crescer, quando o que impera é a necessidade visceral de estar.



[“Ondas e Nuvens”]

Lembro-me de uma frase do Johnny Virtus na “Trapézio” em que ele diz “porque é no fim que vemos que só vivemos começos.” Esta música é sobre isso mesmo, como após a fase de fascínio e entrega inquestionável (cuja atmosfera ficou lançada no “interlúdio a você”) se segue por vezes o dissabor da não-correspondência e desgaste de mais uma vaga que nos moldou e retrocedeu. 

O instrumental é do Johnny Virtus e a verdade é que me acompanhou nos fones durante muito tempo antes de para ele ter palavras, sabendo, contudo que tudo o que estava a viver com essa banda sonora seria espelhado nesta música.

“e cada nova vaga vem mover meu chão,
em todas essas ondas eu moldei-me em vão.
No céu só vejo nuvens de retratos teus,
e a chuva leva as lágrimas do nosso adeus”


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