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Publicado a: 19/04/2017

Especial Casa das Máquinas: Phobos, uma orquestra que tem algo a dizer

Publicado a: 19/04/2017

[TEXTO] Manuel Rodrigues [FOTOS] Direitos Reservados

De todos os nomes presentes no cardápio do Westway Lab, o de Phobos – Orquestra Robótica Disfuncional é o que maior curiosidade desperta. O que se esconderá por detrás deste nome tão sugestivo e que apresentação será esta na Sala de Ensaios do Centro Cultural Vila Flor, pelas 17h do segundo dia de festival? A resposta a todas estas perguntas chega-nos no exacto momento em que entramos na sala.

Uma série de almofadas colocadas a granel no chão convidam o espectador a sentar-se. Enquanto procuramos o metro quadrado com melhor visibilidade, o mistério começa a desvendar-se. O set presente em palco, balizado por um par de colunas e ladeado por um computador, não é o normal de um concerto de rock. Nem de jazz. Nem de música clássica. Não há guitarras nem amplificadores, muito menos pautas ou pianos acústicos. O que os nossos olhos conseguem vislumbrar é um monte de objectos do quotidiano ligados entre si por um cordão de fios e motores. Qualquer coisa entre as engenhocas do Professor Pardal e as soluções mirabolantes de MacGyver.

Há de tudo e para todos os gostos, desde arames pendurados a gira-discos usados, tubos de todas as maneiras e feitios, recipientes com areia, esferas e bolas de plástico no seu interior, material de laboratório, uma máquina de escrever, um invólucro de vidro repleto de esferovite, um xilofone um tanto ou quanto estranho, quatro mini-cães-robotizados dispostos lado a lado, um triângulo no centro de tudo, água, madeira, ferro, transformadores por tudo quanto é sítio e muito muito mas mesmo muito fio. O estado de inércia pouco ou nenhum sentido dá a este cenário aqui descrito, porém, é no movimento que está a magia.

Antes da demonstração começar, Gustavo Costa, um dos artistas envolvidos no projecto, começa por explicar o que ali vai acontecer e, para que ninguém perca um pormenor que seja, convida os presentes a chegarem-se à frente para verem de perto os instrumentos. O público obedece. Inicia-se o espectáculo.

 


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Os objectos ganham vida e começam a chocar entre si. Desse choque, amplificado através de microfones e pickups colocados em pontos estratégicos, nascem sons, melodias e harmonias. Há instrumentos que gritam, outros que quase falam e ainda outros que, lá no fundo, sussurram, quase como se fossem o sintetizador que serve de cama ao riff de guitarra. Do lado direito, próximo de um dos artistas que segura a batuta desta orquestra (são dois no total, em cada extremidade do palco), uma plataforma giratória colide com uma espécie de cortina de arames, provocando um som forte e avassalador. Algures no centro, um tubo metálico reproduz uma sequência constante que serve de pilar à composição.

Os autómatos continuam o seu “concerto”, dirigidos por um computador, à esquerda, que aparenta ser o cérebro disto tudo. Há tique-taques, “plins”, “booms”, “doings” e toda uma incessante lista de onomatopeias que, compiladas, fazem todo o sentido e nos levam, inevitavelmente, para os efeitos especiais utilizados em filmes de ficção científica e terror. A textura daquilo que ouvimos, aliás, aproxima-se muito mais de um The Shinning do que propriamente de uma Velocidade Furiosa. E que bem que soa.

A dinâmica desta família robotizada em muito se assemelha à de uma orquestra humana. Os silêncios e as pausas são tão ou mais importantes do que o caos e agitação, e é na soma e subtracção de elementos que reside o segredo desta fórmula que, a avaliar pelas sensações que transmite, vai além da ciência matemática. Os próprios instrumentos parecem comunicar entre si, quase como se fossem naipes num exercício de pergunta e resposta; a própria orquestra parece ter algo a dizer-nos. Tudo faz sentido.

No final da demonstração, trocámos algumas palavras com Gustavo Costa.

 


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Ainda estou boquiaberto com o que acabei de presenciar. Parabéns.

Obrigado!

Como é que começou esta ideia e do que se trata?

Phobos é um projecto da Sonoscopia, plataforma de criação da qual faço parte. No fundo, trata-se de uma orquestra robótica, uma ideia que já nos acompanha há muitos anos, criada a partir de utensílios do dia-a-dia, muitos deles apanhados do lixo e reciclados para fins musicais.

Calculo que tenhas algum tipo de ligação com o mundo da música…

Eu trabalho com música há muitos anos. Comecei como percussionista, instrumento que estudei, mas aos poucos passei a interessar-me por electrónica, que a dada altura surgiu como uma promessa de que tudo é possível. Gradualmente, o processo inverteu-se. Comecei a abandonar a electrónica e a reproduzir as minhas ideias através de sons acústicos. A certa altura, a questão física, da presença humana num concerto fez-me pensar noutros caminhos, um deles a automação. Foi então que surgiu esta ideia da orquestra robótica com sons estranhos e comportamentos erráticos, próximos das ideias que todos partilhamos, o que se traduz numa visão romântica do que viria a ser o futuro tecnológico.

Podes explicar-nos essa visão?

Os nossos instrumentos são concepcionados segundo a nossa utopia de um mundo melhor. O que acontece na verdade é que acabamos por ser escravizados de uma forma subliminar. Vamos perdendo postos de trabalho, as máquinas vão substituindo alguns desses postos, no entanto, a nossa estrutura social vai encontrando sempre novas formas de escravatura para que este balanço, que é um equilíbrio de desequilíbrios, se mantenha.

É uma espécie de crítica social, certo?

Sim. Nós até classificamos os instrumentos desta orquestra com base na sociedade, mas é algo que não queremos que esteja muito explícito. Hoje não é o melhor exemplo pois estás a ver os instrumentos num só plano, mas queremos agrupá-los em planos distintos, como, por exemplo, os prisioneiros, os reformados e a classe operária.

E como conseguem representar isso?

A classe operária, por exemplo, é simbolizada pelas rodas dentadas, mecanismos e sons repetitivos, complexos. É um conjunto de instrumentos que, no final das etapas todas, só toca uma nota. Tudo isso simboliza a força operária que está anos e anos a trabalhar numa fábrica a fazer sempre o mesmo movimento, sempre a mesma acção. Lá está, não queremos que isto esteja assim tão explícito, por isso não é tão óbvio. Esse lado crítico é muito importante na construção da orquestra e de todo o espectáculo…

Há quanto tempo estão de volta deste projecto? Em que fase está?

Entre oito meses e um ano. Já estamos a chegar à fase do polimento e aperfeiçoamento, felizmente. Foram muitos meses de concepção, teoria e imaginação. Quando estamos a conceber tudo é possível. E nós, a certa altura, temos que chegar a um ponto em que tudo é impossível, há que reduzir na criação e começar a fechar as coisas, para que isto possa seguir caminho. É o que temos feito nos últimos meses.

Como funciona, a nível de mecânica?

Há um computador que controla tudo, inclusive as obras musicais dos três compositores convidados, e que entra em contacto com a parte mecânica dos instrumentos (motores, solenoids, ciclomotores) através de uma espécie de microcomputadores chamados arduinos.

Estou mais familiarizado com a linguagem midi. É possível tocar esta orquestra com recurso a um controlador?

É possível tocar recorrendo à forma tradicional de composição, através de teclados Midi ou computadores. Mas o que vamos ter, nesta primeira fase, são três obras acabadas e prontas a tocar, e o que vamos fazer, basicamente, é carregar no play e deixá-la correr.

E a nível de transportabilidade? Calculo que seja complicado levar este aparato todo de um lado para o outro…

É mais fácil do que parece. Já fizemos coisas bem piores… Inicialmente, pensávamos que isto iria ser uma grande dor de cabeça em termos de transporte, mas conseguimos dar bem a volta para que não fosse preciso um camião para o transportar. Tudo o que vês aqui cabe numa carrinha.

E é fácil voltar a interligar tudo?

Neste momento ainda estás a ver muitas coisas expostas, mas vamos ter caixinhas em que basicamente vai ser chegar, montar e ligar os cabos. Vais estar um pouco mais organizado do que aquilo que vês agora, ainda que nós queiramos manter esse lado sujo e desarrumado. Faz parte da natureza da orquestra.

Escolhem os instrumentos de modo aleatório ou já têm uma ideia do que procuram?

Há uma coerência, claro. Nós tentamos procurar os materiais certos. As medalhinhas, as serras de corte de metal, as rodas dentadas, nenhum elemento ali é aleatório, tentamos sempre que haja uma ligação. Neste momento há uma ventoinha verde que não segue essa coerência, mas era a única que tínhamos [risos].

E como sabem que som vão e/ou querem sacar? Experimentam o objecto? Batem nele?

É um trabalho que já fazemos há muitos anos, nós recolhemos coisas e sabemos que elas têm um determinado comportamento. Todos estes sons que vês aqui, como as medalhinhas, foram descobertas ao longo desse tempo. O objectivo final é reunirmos sons suficientes para enriquecer a nossa orquestra.

Há pouco, quando estava a ouvir, imaginei a vossa orquestra como banda sonora de um filme. Já pensaram nisso?

Para o ano, temos pensado um espectáculo que vai incluir marionetas e vídeo, mas, para já, serão apenas as composições que te falei.

Feita a apresentação no Westway Lab Festival, qual o próximo passo?

O próximo passo é para a semana em Abu Dhabi. Temos duas pessoas da nossa equipa que estão na New York University (NYU), por isso, vamos lá trabalhar com elas e desenvolver, principalmente, a nossa componente técnica.

 


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