Nos últimos anos a imprensa mais independente tem finalmente noticiado e listado o papel da mulher no universo — predominantemente masculino — da música electrónica do século XX: das colegas de trabalho Delia Derbyshire, Daphne Oran ou Glynis Jones na britânica BBC Radiophonic Workshop à Costa Oeste americana de Suzanne Ciani ou Pauline Oliveros; da electrónica mais urbana e arty de Annette Peacock ou das duas Lauries (Spiegel e Anderson) à Europa contemporânea de Else Marie Pade ou Éliana Radigue.
Porém, pouco ainda se sabe sobre um leque de compositoras mais académicas de outras latitudes, como a italiana Teresa Rampazzi, Jocy de Oliveira pioneira no Brasil ou Beatriz Ferreyra da Argentina. O editor da Finders Keepers Andy Votel, assinou no final do ano passado uma excelente peça em que abana o patriarcado da electrónica em Itália, mas para não transpor o meu “lugar de fala” sobre a matéria aconselho este recente artigo da investigadora Frances Morgan.
A primeira figura feminina desta série Electrónicas de Ontem nas Pulsações de Hoje é Doris Norton. De nacionalidade italiana Norton começou ligada aos sintetizadores na formação de duas bandas de rock progressivo, Jacula e Antonius Rex. Pense-se numa bizarria que remete ao cinema de terror dos Goblin, que tanto tem de incrível como de gosto duvidoso aos olhos de hoje.
Os seus primeiros discos a solo ainda não se distanciam muito dessas sonoridades, embora já ultra-computadorizados com uma forte presença barroca, um imaginário enigmático e sempre com estruturas encadeadas próprias da cena prog. Talvez o mais particular da sua obra a solo inicial, seja exactamente esse piscar de olho a “artefactos sonoros” desse género.
É só ao terceiro trabalho a solo que Doris Norton carimba a sonoridade pela qual é hoje celebrada: as primeiras amostras de electro dançável compostas principalmente por computadores. Norton chegou mesmo a ser um dos primeiros exemplos de patrocínio em material pela gigante Apple (o seu álbum de 1984 foi lançado com o logo da maçã) e mais tarde torna-se colaborada da IBM.
Gravando sempre em casa, na sua época mais dourada sempre optou por pequenas editoras nacionais italianas que lhe davam o conforto que dizia necessitar.
Hoje, parte da sua obra já conta com reedições merecidas e estes são alguns dos seus temas mais interessantes.
[Doris Norton] “Personal Computer”
O primeiro tema que se mostra a quem perguntar “Quem é Doris Norton?”
[Antonius Rex] “Soul Satan”
Um dos primeiros trabalhos de Doris Norton. Música “fatela” que daria um edit a la Psychemagik bem bom.
[Doris Norton] “Doris Norton Lab”
Último tema do segundo disco a solo com uma sequenciação mínima repetitiva e solo extravagante.
[Doris Norton] “The Hunger Problem in the World”
Um dos primeiros temas que caracteriza melhor o trabalho de Norton, a par de Kraftwerk e dos Y.M.O. na sonoridade mas repleta de títulos que demonstram uma veia activista.
[Doris Norton] “Binary Love”
Tanto poderia estar compilada na Minimal Wave como ser um original da equipa da Rádio Quântica.
[Doris Norton] “Oh Supermac”
Nenhum CEO da Mac aprovaria este tema em 2020.