É um dos nomes do universo da batida de Lisboa que têm estado debaixo do radar nos últimos tempos. DJ BeBeDera, criado entre o Miratejo e o Fogueteiro, no Seixal, tem um novo álbum, TRRX, que vem marcar o seu regresso às edições e também a Portugal, depois de algum tempo a viver fora. Foi o pretexto para conhecermos melhor este nómada do tarraxo que já dera nas vistas em várias compilações de renome e enquanto colaborador de Sara Tavares.
Nascido em 1995, filho de mãe guineense e pai angolano, o interesse pela produção e pelo DJing despontou durante a adolescência, entre 2009 e 2010. Danilo Furtado Ramos costumava passar parte das férias em Queluz, onde vivia o avô e um tio, e foi lá que conheceu Maboku, DJ e produtor local, com quem costumava jogar PlayStation.
“Ele já produzia beats. Eu brincava como DJ com uns colegas de escola, mas não sabia como produzir. Foi o Maboku que me apresentou à cena, que me introduziu ao FL Studio e me ensinou a construir. A partir daí comecei a fazer a minha cena”, conta ao Rimas e Batidas.
Nomes como DJ Marfox, em Portugal, e DJ Znobia, em Angola, eram das suas principais referências. “Eu sempre gostei de tarraxo, mas comecei por fazer coisas mais de batida, que era o que batia naquele tempo nas festas da escola. Ia fazendo e passando aos meus amigos, para ir espalhando os sons. Naquela época passávamos os sons por email ou por Bluetooth e o som começava a girar.”
Só depois começou a partilhar as suas faixas no YouTube. Foi através de lá que começou a receber contactos internacionais, das editoras francesas Bazzerk e Promesses, que queriam trabalhar consigo e estavam interessadas na sua música. Foi com eles que lançaria os singles duplos “Tarraxo Bandido Organização Criminal/Fodência Rijo Rijo Rasgo de Cuecas” e “Tarraxo Funguiça das Negras/Tarraxo Reboleixon Au Rubro”, além de ter participado em compilações com aqueles selos. “A cena fluiu bem, eles também chegaram a convidar-me para ir a França actuar.”
Em Portugal foi também convidado para tocar esporadicamente nalguns clubes e bares, mas rapidamente percebeu que estava mais interessado na produção do que em ser DJ. Eventualmente, mudou-se mesmo para França em 2017, onde tocara várias vezes; e passado algum tempo decidiu dar outro passo e rumar a Londres, a capital britânica, em busca do sonho de se profissionalizar na música e alcançar novas oportunidades.
“Costumava receber muitas mensagens de pessoas a quererem que eu tocasse em rádios de lá e começaram-me a chamar. Pensei: estou a receber muitos convites de Londres, vou ver se arranjo um meio de ir para lá, porque tinha lá família. E fui. Comecei a fazer algumas cenas, toquei nalguns sítios, depois também toquei na Holanda. E comecei a levar aquilo mais a sério.”
Em Londres, sente que a sua sonoridade pode ter sido moldada pelo facto de ter estado embrenhado numa comunidade de migrantes caribenhos. “Acho que isso moldou muito a minha música. Convivia muito com jamaicanos e pessoas dos Barbados e das Caraíbas, e eles têm um estilo musical que é o bashment, que tem algumas parecenças com o tarraxo. Costumava ir a festas desse género e houve inúmeras músicas que me inspiraram. Às vezes chegava a casa e pensava: tenho de fazer uma cena com um bass assim.”
Eventualmente orquestrou aquele que seria o seu primeiro disco, La Carta, editado de forma independente em 2020. Nessa altura o seu caminho já se cruzara com o da editora Príncipe, o bastião mais profissional e vanguardista da batida de Lisboa. Participou na compilação Mambos Levis D’Outro Mundo (2016), com a faixa “Tarraxei no Box”, co-produzida com Babaz Fox; e depois foi convidado para integrar a colectânea Verão Dark Hope (2020), com uma faixa em nome próprio, “Tarraxo In Messier 31”.
“Eu já tinha muitos amigos que estavam na Príncipe, como o Maboku, o LiloCox, o Firmeza… Portanto, havia essa ligação e correu super bem, gostei imenso. A Príncipe depois perguntou-me se quereria lançar um álbum com eles, mas era com músicas antigas e eu já não tenho esses projectos porque o meu computador entretanto estragou-se. Infelizmente, não deu para fazer.”
Foi quando ainda estava no Reino Unido que recebeu uma mensagem do agente de Sara Tavares. “Do nada recebo uma mensagem dele a dizer-me que gostava muito das minhas faixas, que as tinha descoberto no SoundCloud, e que gostaria que eu fizesse algo com a Sara Tavares. E mostrou-me um instrumental que eu já tinha feito há um bom tempo — e, mais uma vez, eu já não tinha o projecto. Fiquei a rir-me, lixado, nunca tenho o projecto das músicas. Mas ele disse-me que a Sara tinha ficado muito interessada nesse beat, que até já tinha feito uma brincadeira com a Eva RapDiva, e foi assim que surgiu a letra. Disseram que queriam mesmo aquilo e por mim tudo bem, eu gosto de experimentar coisas novas e nada como uma pessoa meter uma voz num tarraxo, que não se vê muito hoje em dia, e é uma cena diferente. Então adorei a ideia.”
Gravaram uma guitarra e um baixo para juntar ao instrumental e trataram do processo de masterização. Embora DJ BeBeDeRa tivesse apenas cedido o seu beat e não tenha participado no processo criativo da faixa que se tornaria o single “Grog d’Pilha”, acompanhou o trabalho à distância e conversou por diversas vezes com Sara Tavares.
“Disse-lhe que ela era uma cantora que a minha cota costumava ouvir, quando eu era puto. Lembro-me de estar a brincar e de a minha cota estar a passar os sons da Sara Tavares, e eu nem fazia ideia de que algum dia iria colaborar com ela. Fiquei muito contente e a minha família também ficou muito contente por mim. Era uma excelente pessoa, pelo que vi tinha um coração muito bom, fiquei muito triste pela ida dela.”
O computador estragado coincidiu também com a mudança de Danilo Furtado Ramos para os Estados Unidos da América, para a região da Califórnia. “Eu queria ter uma carreira na música e viver somente dela, então fui para lá com essa intenção. Mas entretanto o meu computador estragou-se, e eu fiquei desmoralizado e fui só levando a minha vida. Fiz uma pausa de um ano e meio.” Chegou a receber convites para tocar em espaços de Nova Iorque ou Chicago, mas não tinha os meios e acabou por não conseguir concretizar essas oportunidades.
O novo álbum, TRRX, editado a 29 de Novembro, foi construído assim que obteve um novo computador e pôde recomeçar a produzir. “Assim que consegui, comprei o Fruity Loops, meti lá um monte de samples e tudo o que pudesse ter, e comecei logo a fazer um álbum porque fiquei muito tempo sem produzir. Sentia que tinha de meter algo cá para fora o mais rápido possível, não é bom estares tanto tempo parado”, aponta, referindo que o disco levou três meses a completar.
“Com este álbum pensei em fazer um tarraxo com mais melodia, mas ao mesmo tempo com mais bass também. Há vários tipos de tarraxo, mais agressivos, mais suaves, e aqui tentei fazer uma cena equilibrada. Gosto de meter aquelas guitarrinhas, há guitarras em 70% dos meus sons, gosto bastante. A minha brincadeira agora é a mistura e masterização. É muito difícil, mas é muito interessante, e é o que estou a explorar mais agora”, conta, sobre o facto de ter assumido esse papel mais técnico no seu projecto.
Agora que regressou a Portugal para viver pelo menos durante uns anos, conta que está a avaliar várias possibilidades. “A Príncipe está-me sempre a chamar para ir lá conhecer a festa, para me dar com a equipa e provavelmente vou fazer isso porque gosto de explorar ao máximo aquilo que tenho para fazer. E gosto de mostrar as minhas obras ao povo, e para isso nada como ir tocar, e ver aquilo que eles sentem enquanto eu passo as faixas, a energia que é transmitida. Provavelmente vou tocar lá e noutros sítios, também estou a fazer mais faixas para preparar melhor o leque, e fazer mais colaborações.”
Embora o tarraxo seja definitivamente a sua base, DJ BeBeDeRa assume que gostaria de explorar outros géneros, nomeadamente o trap, estilo e cultura que o influenciou quando viveu na Califórnia.
“Não só vou produzir trap, como também vou cantar. Nos tempos que estive lá fora fui aprimorando o meu inglês e também fui vivendo várias coisas, e nos Estados Unidos vivi cenas com pessoas que também estavam a começar no mundo da música. Estive em Inglewood, em Los Angeles, e lá havia muitas pessoas que queriam ser artistas, algumas vendiam os seus discos à porta dos supermercados… Cheguei a comprar e a dar-lhes feedback e fui apreciando aquilo que eles faziam na cultura de lá, nas suas festas e tal, fui vivendo aquelas coisas. E passando por aquelas zonas e vendo as cenas que ocorriam, um gajo até ficava surpreendido… Fui a Compton, uma zona onde se ouvem muitos carros da polícia, pessoas a fugirem de carro, é uma realidade totalmente diferente daquilo que já vi na Europa. Foi muito novo para mim. Mas as partes boas são muito boas, as festas deles são muito boas, as pessoas estão com um feeling incrível quando estão lá. É uma vivência diferente”, conta.
“Não lanço nada enquanto não estiver confiante de que está bom, mas já tenho experimentado várias coisas, arranjei um microfone e tenho tudo aqui. Daqui a uns tempos, quando me sentir bem, vou começar a lançar e ver no que vai dar.”
Ainda assim, explica que nunca deixará de produzir tarraxo, mesmo que não veja “grandes oportunidades para crescer” nessa área. “Mas isto é como tudo, é sempre preciso alguém fazer para sobressair, foi o que aconteceu com o amapiano, por exemplo. O que eu pretendo é chegar a um nível bom no qual o tarraxo seja reconhecido em várias partes do mundo, e gostava que houvesse cada vez mais vozes no tarraxo. As pessoas cativam-se mais por ter voz, as cenas comerciais têm sempre mais voz, e acho que faz sentido ter sons em português, em inglês ou noutras línguas. Gostava que o tarraxo tivesse o seu auge e pretendo fazer a diferença nisso e estar no activo.”