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Ilustração: Riça
Publicado a: 11/09/2019

Do hip hop para qualquer lado: Crónicas de um HipHopcondríaco é da autoria de Manuel Rodrigues.

Crónicas de um HipHopcondríaco #29: 9/11

Ilustração: Riça
Publicado a: 11/09/2019

“A cidade que nunca dorme”, já dizia Sinatra. Nunca fui a Nova Iorque nem sequer alguma vez meti os pés nos Estados Unidos, país que ocupa os lugares cimeiros da minha desejada rota dos descobrimentos (Los Angeles, Atlanta, Seattle e São Francisco são outros dos pontos da “terra das oportunidades” que me despertam curiosidade). O pouco que conheço de Nova Iorque chegou-me à boleia de filmes, relatos de amigos e conhecidos que por lá passaram e canções-retrato. “Theme from New York, New York” do inigualável Frank Sinatra é uma delas, obviamente, mas há também “No Sleep Till Brooklyn”, dos Beastie Boys, “Walk on the Wild Side”, de Lou Reed, “N.Y. State of Mind”, de Nas, “Living for the City”, de Stevie Wonder, “Englishman in New York”, de Sting, e, claro, “Empire State of Mind”, de Jay-Z com a participação de Alicia Keys.

Editado a 8 de Setembro de 2009 como parte integrante do álbum The Blueprint 3, “Empire State of Mind” tornou-se num dos maiores êxitos de Jay-Z – foi o seu único single em nome próprio a atingir o primeiro lugar de uma tabela de vendas. Trata-se de uma canção fantástica com um viciante loop de piano (repescado do tema “Love on a Two-Way Street” dos The Moments”) e uma batida seca e pesada que aterra na perfeição sobre a progressão de acordes. Os versos traçam os contornos da mais famosa “selva de betão” mundial ao mesmo tempo que o refrão, entregue pela possante voz de Alicia Keys, envolve tudo numa sentida homenagem. E depois há o vídeo a preto e branco, nostálgico, realizado por Hype Wiliams, também ele nova-iorquino, onde é possível ver Hov de óculos de sol e cap dos Yankees a assumir o papel de embaixador das ruas e avenidas (“I’m the new Sinatra”, afirma logo no início), ladeado por uma elegante Keys de salto alto e mãos assentes no piano. É uma colossal declaração de amor, convenhamos.

Sei bem onde estava quando se deu o ataque às Torres Gémeas, em 2001, ou seja há precisamente 18 anos: em casa dos meus tios, em Corroios, Seixal, a passar férias. Lembro-me de descer as escadas do prédio e de uma vizinha nos ter alertado para um incidente com um avião em Manhattan. “Venham ver”, disse. E eis senão quando me deparo com a imagem dantesca de um gigantesco arranha-céus em chamas. Como a esmagadora maioria das pessoas, também eu julguei tratar-se de um acidente, um descuido provocado por um mau cálculo de rota ou até por uma perda de comunicação entre o aparelho e as centrais que transmitem a informação à tripulação e aos “computadores” presentes na cabine. Ainda assisti em directo à colisão do segundo avião com a segunda torre antes de termos descolado os olhos da televisão da nossa vizinha e seguido com os nossos compromissos. Não tirei a imagem da cabeça durante o resto do dia, era algo demasiado chocante para ser esquecido. Quando voltei a fixar-me no televisor, passadas umas boas horas, já havia uma certeza em rodapé: mão terrorista.

O ataque às Torres Gémeas é daqueles episódios que vai para sempre marcar o novo milénio. Ver um dos maiores símbolos dos EUA a ruir com a fragilidade de um castelo de cartas causa um tremendo arrepio na espinha; pensar na quantidade de pessoas que perderam a vida no ataque (2977 almas) é profundamente perturbador. Há várias teorias em tornos dos atentados, algumas delas acusam o próprio governo norte-americano de ter encenado o ataque como pretexto para iniciar uma guerra – os argumentos apresentados são fortes e deixam uma pulga com a dimensão de um elefante atrás da orelha, é verdade. Terrorismo islâmico ou crime de estado, o que interessa sublinhar é que se perderam milhares de vidas inocentes, de pessoas que estavam a cumprir com a sua rotina, a enfrentar mais um dia de trabalho. É este o grande alvo do terrorismo: atacar no cerne de quem nada tem a ver com os conflitos políticos, de quem se levanta todos os dias para garantir um salário, de quem, no caso dos ataques em Paris, por exemplo, está no seu momento de lazer, com amigos e família. Sabemos que o terrorismo está cumprir com a sua missão quando sentimos a nossa liberdade ameaçada. E nem a cidade da grande escultura de Frédéric Auguste Bartholdi conseguiu dar essa segurança aos seus habitantes.

Oito anos depois do ataque, no dia 11 de Setembro de 2009, Jay-Z organizou o concerto de beneficência Answer the Call, num esgotado Madison Square Garden (os fundos reverteram para as famílias dos polícias e bombeiros que perderam a vida no World Trade Center), que contou com a participação de nomes como Beyoncé, Mary J. Blige, John Mayer, Pharrell Williams, Kid Cudi, Santigold, Diddy, Rihanna e Kanye West. O espectáculo aconteceu três dias depois do lançamento de Blueprint 3 e teve como tema de abertura a ainda fresquinha “Empire State of Mind”, interpretada sem a presença de Alicia Keys mas ainda assim com uma alma e voracidade exemplar. Uma excelente forma de homenagear uma cidade que na altura ainda se reerguia psicologicamente do dano causado. Aconteceu há dez anos.


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