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Ilustração: Riça
Publicado a: 05/06/2019

Do hip hop para qualquer lado: Crónicas de um HipHopcondríaco é da autoria de Manuel Rodrigues.

Crónicas de um HipHopcondríaco #22: Rhyme, set, match!

Ilustração: Riça
Publicado a: 05/06/2019

Vai mesmo acontecer. Ontem, depois de bater Stan Wawrinka, Roger Federer confirmou presença na semifinal do Roland Garros, onde encontrará o rival Rafael Nadal, algo que já não acontecia em fases finais de Grand Slams desde a final do Australian Open, em 2017, vencida por Federer. Em Paris, o tenista espanhol parte para o jogo como favorito não só por este ser o seu piso de eleição mas também por já ter levantado por 11 vezes o troféu do cobiçado torneio.

O acontecimento está a causar furor entre os amantes da modalidade e fez-me repescar alguns parágrafos que escrevi há tempos, agora adaptados ao contexto do Fedal – nome dado aos clássicos embates entre os dois atletas.

O hip hop sempre se afeiçoou mais facilmente a desportos como o futebol e basquetebol do que propriamente ao ténis. Não são poucas as vezes em que os rappers associam a sua destreza na rima ao talento de Ronaldo, Messi, Ibrahimovic ou a sua longevidade na cultura a lendas da NBA como Jordan, O’Neal, Johnson e Erving. Vale, nestes casos, a popularidade dos desportos em questão, o que torna as dicas universalmente descodificáveis, e o facto de alguns rappers alimentarem, além da paixão pela modalidade, ligações empresariais com o próprio clube desportivo. Drake, por exemplo, mantém um laço com os Toronto Raptors desde 2013.

O ténis, por ser menos universal, raramente surge evocado nas estrofes destes nobres diseurs. Todavia, se analisarmos alguns pontos isolados, facilmente encontraremos elos de ligação.

Comecemos pelas áreas onde decorre a acção. No ténis, há dois tipos fundamentais de superfície: rápida (relva, hard) e lenta (clay). No hip hop também existem duas vertentes musicais bem distintas: o boom bap, equiparado ao clay por ser um terreno onde a resistência supera a habilidade e onde as jogadas se podem revelar longas (onde habitam os mais ricos e extensos storytellings), e o trap, comparável ao hard e à relva por ser um campo onde se pede mais técnica, menos perseverança e onde as jogadas se evidenciam curtas e intensas (local onde se testemunham algumas das mais eficazes demonstrações de agilidade e flow).



O serviço é uma das jogadas mais importantes – senão a jogada mais importante – no ténis. É nele que muitos atletas se especializam,  pois sabem que um golpe bem executado é meio caminho para ganhar o ponto. Servir bem no rap também é decisivo. Uma boa entrada poderá captar a atenção do ouvinte, aproximando-o da narrativa proposta. O serviço ganha maior importância nos pisos rápidos, pois garante um maior número de ases (golpes certeiros em que o oponente não chega a tocar na bola). O trap poderá ser, no seguimento desta ideia, uma das superfícies predilectas para tal. Tome-se como exemplo “Alright”, de Kendrick Lamar, produzida por Pharrell Williams: as primeiras linhas debitadas por K.Dot, logo a seguir ao refrão, são o melhor serviço possível para uma jogada recheada de técnica e velocidade.

Contudo, há quem reúna características quase todo-o-terreno na arte de servir. Eminem é um excelente caso. “Go To Sleep”, que conta com a participação de Obie Trice e DMX, prova a sua sagacidade nas entradas boom bap; “No Favors”, onde partilha rimas com Big Sean, é o testemunho de um bom serviço com contornos trap.



As rivalidades, quando mensuradas, são saudáveis e alimentam a competitividade dentro do desporto e da arte. Os confrontos entre Rafael Nadal e Roger Federer são, na história mais recente do ténis, os mais disputados e representativos. Porém, se recuarmos no tempo, encontramos outras “rixas” também elas importantes: Andre Agassi e Pete Sampras; Chris Evert e Martina Navratilova; John McEnroe e Bjorn Born, estando esta última documentada no filme Borg vs McEnroe, que conta a história da preparação dos dois tenistas para a final do torneio Wimbledon, em 1980.

Tupac Shakur e The Notorious B.I.G. travaram uma das maiores rivalidades nos meandros do hip hop, um frente-a-frente que acabou com a morte dos dois artistas. Mais saudável foi o embate entre Jay-Z e Nas. Apesar das trocas de galhardetes em temas como “Ether” e “Takeover”, a disputa nunca chegou ao plano físico e findou oficialmente em 2005, quando Jay-Z lançou o convite a Nas para se juntarem em palco e interpretarem “Dead Presidents” e “The World is Yours”.



À imagem da rivalidade entre Nas e Jay-Z, também a de Nadal e Federer se desenvolve actualmente com sobriedade e contenção.

Nas é Nadal, por ser perito no piso lento e arrastado do boom bap. Jay-Z é Federer, pelo cariz transversal a todas as superfícies e por conseguir adaptar-se às cadências rápidas do trap. A nível de mediatismo, as semelhanças repetem-se: Jay-Z reúne maior consenso, como o tenista suíço; Nas pode gabar-se de ter uma legião aguerrida e fiel a seus pés, à imagem do atleta espanhol. Contudo, e à semelhança de Roger Federer, Jay-Z consegue ser mais polivalente, adaptando-se bem ao clay, hard e relva. Arrecada, também por isso, uma colecção de troféus oblíqua a todas as áreas, com menor incidência, claro, na terra batida, onde Nas reúne uma extensa lista de títulos.

Conseguirá Jay-Z vencer Nas no jogo que se avizinha?


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