O Prémio José Afonso 2021 foi hoje entregue a Capicua, como forma de premiar o trabalho da artista no seu último álbum, Madrepérola.
A escolha foi unânime entre o painel de júris responsável pela entrega do galardão criado pela Câmara Municipal da Amadora, como forma de distinguir trabalhos musicais que mexam com a cultura nacional. Numa nota de imprensa, a organização do Prémio José Afonso destaca Madrepérola como “mais uma prova da actualidade do empenho crítico da artista”, sublinhando ainda os vários factores que levaram o terceiro LP de Ana Matos a superar Kriola (Dino d’Santiago), Liwoningo (Selma Uamusse), Canções do Pós-Guerra (Samuel Úria) e Eva (Cristina Branco) na corrida ao prémio monetário de 5000 euros — “a qualidade das letras, a interpretação emotiva e a cuidada produção do álbum, que vem coroar uma carreira já significativa e cada vez mais reconhecida pela sua importância musical e social”.
Depois de Capicua (2012) e Sereia Louca (2014), Madrepérola foi o disco que a rapper portuense editou no decorrer de 2020 e no qual mostrou que a componente interventiva da sua escrita também consegue abraçar um lado mais uplifting, dançável e solar, muito influenciado pelo nascimento do seu primeiro filho, conforme antecipava ao Rimas e Batidas em 2019. Após o lançamento do álbum, Alexandra Oliveira Matos assinou a crítica do mesmo para o ReB:
“Debrucemo-nos no balanço azul e líquido, na riqueza da língua que Capicua conjuga em cada uma das letras que escreve, nas bandeiras que hasteia com as suas prosas – a liberdade, a igualdade, o feminismo. E comecemos pela declaração de intenções de ‘A Ostra’ — com palavras emprestadas por Rubem Alves, poeta, cronista, ensaísta, teólogo, professor universitário e psicanalista brasileiro. Capicua dita aqui o tom introspectivo e assume que tudo o que se segue são reflexões sobre os seus desconfortos. Quem não o compreendeu talvez se assuste com a nova passada que Ana deu ao beat de ‘Flor de Maracujá’ de Stereossauro. Numa cama musical lindíssima sobre a qual a letrista já tinha escrito, existem agora em ‘Passiflora’ as respirações que tão bem lhe conhecemos entre frases compridas sobre a indústria musical, o panorama do hip hop nacional e as críticas que carrega há mais de uma década. O refrão cantado por Camané permite-nos descansar e reflectir. Existirão rostos a atribuir a estas críticas? Têm estas sido construtivas para a carreira de Capicua? São estes os motivos que a levam a escrever ‘aproveitem este disco porque pode ser o último’? Porque é que não surgem mais mulheres neste cenário? O hip hop é e será sempre machista? Respostas que este álbum não nos dá, mas que não fazem dele um documento menos válido para pensar em tudo isto. Ainda mais quando sabemos que Madrepérola foi construído durante e logo após a primeira gravidez da rapper.”