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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Rafaela Ramos
Publicado a: 14/05/2022

Este sábado, dia 14 de Maio, João Carvalho apresenta o seu primeiro curta-duração no Maus Hábitos, no Porto.

Big Jony: “Sinto que o Ascensão está a tocar em muita gente fora do Porto”

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Rafaela Ramos
Publicado a: 14/05/2022

Os miúdos pediram o regresso e ele voltou… a desiludir. Não falamos de Big Jony, felizmente. O rapper do Porto fez exactamente o contrário na sua estreia discográfica: confirmou o potencial que prometeu ao hip hop nacional e o estatuto que o público lhe atribuiu. 

Quem desiludiu foi, na verdade, Jack Harlow, artista americano que comparámos com Jony em Dezembro de 2020. A coisa pegou e, de facto, há parecenças incontornáveis. Mas a comparação está, agora, desactualizada. A nova estrela americana editou Come Home The Kids Miss You um par de semanas depois do MC portuense revelar Ascensão. Enquanto o primeiro voltou a falhar (talvez como nunca, precisamente na altura em que se esperava tanto) na hora de apresentar um trabalho sólido correspondente à força dos seus singles, o segundo validou todas as cartas isoladas que distribuiu nos últimos (poucos, ainda) anos.

Em Ascensão, embalado por referências da produção como Beiro, Madkutz e Sensei D., ou por nomes promissores como UEST., Sien Flamuri e Cuzzo, Big Jony garantiu o seu lugar no futuro da música portuguesa e abriu caminho ao que tem tudo para ser uma carreira longa e frutífera. Esqueçam o “Jack Harlow da tuga”. Este é o Big Jony do Porto.



Queria começar já pelas comparações com o Jack Harlow. Hoje em dia são frequentes, mas a primeira referência a esse respeito foi feita pelo Rimas e Batidas, certo?

Sim, sim, sem dúvida! Até já foi para aí em 2020…

Quando lançaste o “Rusga”.

Exactamente. Não sei, [se calhar por] ter assim o cabelo encaracolado [risos]. Vocês foram as primeiras pessoas a relacionarem-me à cena do Jack Harlow. Eu usava óculos no meu dia-a-dia e agora tenho lentes, e desde que comecei a usar lentes não param de me chamar Jack Harlow.

Mesmo na postura há algumas parecenças.

Sim, há muito pessoal que me diz isso. Mas é fixe, eu curto do gajo. Não é o rapper que eu oiço mais, mas no que toca ao mainstream é dos que sinto mais. Mas é engraçado, foram mesmo vocês que começaram com essa dica.

E sobre o teu EP de estreia, o Ascensão, como tem sido o feedback destes primeiros tempos?

Tem sido muito positivo, tenho recebido imenso apoio do pessoal. Tem sido mesmo espectacular.

Mais do que estavas à espera?

Eu não fiz grandes expectativas. Antes fazia mais. Agora cheguei a uma altura que é só fazer e ficar satisfeito comigo próprio, e o feedback que vier é todo bem recebido. Mas tem sido bom, muitas pessoas têm-me mandado mensagem, especialmente pessoal fora do Porto. Sinto que o EP está a tocar em muita gente fora do Porto.

Está a sair da bolha do rap do Porto.

Sim, eu sempre tive apoio de MCs fora do Porto, mas no que toca a ouvintes e público era mais aqui. E com este EP tenho recebido bué love de pessoal de fora. Já estive a enviar discos para Lisboa, por exemplo.

Tenho reparado ao longo desta conversa que a tua voz falada é muito menos grave do que cantada. Já te tinham dito isso?

Não, nunca me disseram isso. Eu a falar sou um bocado mais tranquilo, mais na minha. Mas um gajo que eu noto isso é o Deau. Ele no microfone parece um monstro, mas a falar é mesmo tranquilo.

Quais foram as tuas referências no rap a crescer?

Olha, a primeira vez que ouvi um som de rap tinha seis anos. Até foi o meu pai que me mostrou o “Poetas de Karaoke”, do Sam The Kid. Eu ouvia esse som de trás para a frente, mas não sabia o que queria dizer. Cantava e estava a ouvir sempre em loop. Ao entrar na adolescência, comecei a andar de skate. E foi o skate que me fez conhecer o rap mesmo a sério, comecei a pesquisar, a ouvir mais — especialmente lá fora. Ouvi mais rap lá de fora do que propriamente tuga, só passados uns anos é que comecei a prestar atenção ao rap português. Mas foi depois de um show do Deau — o Deau sempre foi o meu MC favorito —, em que ele deu um freestyle para mim, que eu pensei: “quero mesmo fazer isto”.

Como é que isso aconteceu?

Foi na altura em que ele tinha feito a apresentação do Livro Aberto, o segundo disco dele, no Plano B-

Em 2015?

Exactamente. E ele tinha feito merch do álbum, e eu, miúdo, disse, “dá-me a tua camisola”. Ele virou-se para trás e disse: “Quem é que disse isso?”. Levantei o braço, disse “eu”, e ele começou a disparar um freestyle e eu fiquei parvo. Estava na fila da frente, sempre fui a todos os shows dele e hoje em dia é engraçado o full circle, que ele já me manda mensagem e quer comprar o meu disco com a assinatura.

Depois, comecei a escrever, com 15, 16 anos, mas não me sentia confiante. Sempre estive muito fechado no meu cantinho, a escrever as minhas cenas. Nem cantava para o pessoal, era um bocado acanhado. Quando comecei a soltar mais para os meus amigos, eles começaram a dizer “vai para a frente, investe nisso”. Nunca tinha gravado; a primeira vez que gravei um som foi mesmo para lançar. Foi no [estúdio do] Mundo Segundo, e foi o som que saiu logo para a net. Agora olhando para o que já passou, estava mesmo verdinho na altura, mas já estava minimamente confiante. Os meus amigos deram-me um grande incentivo, eles acreditavam mais que eu. O tempo foi passando, fui gravando sempre no Mundo Segundo — os primeiros quatro, cinco sons —, e depois conheci o Beiro. Desde que o conheci, quase que só trabalho com ele. O meu EP foi todo gravado com ele. E sinto que a minha progressão foi completamente diferente desde que comecei a trabalhar com o Beiro. 



Já há planos para um projecto a dois?

Foi uma coisa que já falámos. Aliás, eu não tenho gravado em mais beats sem ser do Beiro, apesar de no EP só haver um dele. É uma hipótese e nós ainda estamos a debater o assunto, fazer uma coisa mais conceptual.

Falaste do Deau como referência, mas nas tuas músicas mencionadas muitos outros rappers, quer nacionais, quer norte-americanos. Esses nomes influenciaram-te enquanto MC?

A crescer sempre foi Deau, Sam, ouvi muito Dealema, Phoenix RDC. Mas eu tenho 23 anos, comecei a ouvir rap português com 15, 16 anos, então já ouvi uma geração acima. Ouvia Dillaz, Regula, ProfJam, Holly Hood, Keso, Virtus. Hoje em dia não oiço tanto rap tuga.

E lá fora?

Dave East. É o meu MC favorito. J. Cole, Joyner Lucas, Benny The Butcher e Griselda — especialmente o rap nova-iorquino. Kendrick [Lamar], óbvio. Jay Rock, The Game, 50 Cent, Lloyd Banks, Nas, Jay-Z…

Todos eles rappers que, de uma maneira ou doutra, têm uma atitude a rimar equiparável à tua.

Sim, foi o rap que me chamou mais à atenção.

Foi essa a tua primeira abordagem quando começaste a gravar?

Como eu te falei, quando fui gravar foi logo para fazer acontecer. Ou seja, eu nunca tinha gravado para me testar. Se ouvia a minha voz por cima de beats era em vídeos, e ficava um bocado acanhado porque no início um gajo nunca vai gostar da sua voz. Hoje em dia já estou mais à vontade com isso. Portanto, eu andei a escrever três ou quatros anos sem me gravar, e tinha que me mentalizar que, quando fosse para gravar, tinha que dar tudo ali. Para mim não foi fácil ganhar essa confiança, por isso é que quando cheguei ali ao microfone senti, “tenho de comer isto vivo, tenho de deixar tudo aqui”. Imagina o meu nervosismo da primeira vez que vou gravar é com o Mundo Segundo, mas são oportunidades que um gajo não pode desperdiçar.

Nos primeiros sons, quem é que produzia os beats?

Os beats eram da net. O meu primeiro som, que era o “Distinto”, o beat era do Logic, o segundo som era um type beat, o terceiro do 50 Cent, também rimei num beat do Kanye West, do Lloyd Banks… 

E escrevias mesmo a pensar nesses beats?

Sim, sim. Houve beats que eu ouvi e disse “quero fazer um som neste beat”. Eu comecei a fazer como se fosse um conceito de mixtape. O “Rusga” foi o primeiro beat original em que eu escrevi. Eu tive esse beat do Sien Flamuri na noite em que o conheci. A “Rusga” tinha-me acontecido uns dias antes e já tinha aquelas barras iniciais, ele produziu e aconteceu logo aí. 

Hoje em dia, com a rotina que desenvolveste com o Beiro, o processo continua o mesmo?

Por acaso o Beiro mostra-se sempre os beats, e o que mais sentir começo a escrever uma cena para ali.

E tens uma rotina diária de escrita?

Vou-te ser muito sincero, ter tempo para escrever é muito complicado agora por causa do meu trabalho. Eu trabalho na restauração e são muitas horas por dia — no mínimo 10 horas por dia —, seis dias por semana. Mas sempre que eu tenho um beat novo e alguma coisa para escrever, tento apertar ao máximo. Todos os dias tento fazer alguma coisa. Eu tenho sempre a cabeça nisto. E o Beiro também aperta muito comigo. Eu adoro trabalhar com ele porque ele é muito certinho com deadlines. Apesar de eu o ter conhecido nisto da música, ele é mesmo meu amigo, dá-me na cabeça se eu me estiver a desleixar. 

Mas teres finalmente o projecto cá fora dá outra motivação para continuares, porque já sabes que consegues.

Este EP já estava com tanto tempo que eu já não acreditava nele. Eu sinto que o meu rap já não soa ao que este EP é. Já ultrapassei, já tenho isto fechado há mais de um ano. 

Isso é bom sinal.

Sim, eu já falei com outros MCs sobre isso e eles dizem que é perfeitamente normal. Já oiço a pensar que teria feito certas coisas de forma diferente. É uma progressão constante.

Há um ano, no ReB delineámos uma lista de artistas que ainda não tinham editado qualquer projecto, mas em quem já víamos um futuro risonho na música portuguesa. Como reagiste a essa menção e que peso teve em ti essa aposta no que poderias vir a fazer?

Para já, senti-me lisonjeado de estar mencionado nessa lista. Vou-te ser muito honesto: não sinto grande pressão. Sinto alguma, mas não é uma coisa que eu pense. No final do dia eu mantenho os pés assentes no chão, porque às vezes isso também te pode matar, podes ser uma desilusão para as pessoas. Eu quero satisfazer-me a mim mesmo e ao pessoal que me apoia, e não deixar que isso me suba ao ego. Fazer o meu caminho normalmente. Tudo o que me aconteceu até hoje é uma benção. E todas as repercussões que surgirem do meu trabalho são um bónus. O meu plano A é este, é a música. Vou fazer por isso.

A começar já pela apresentação dia 14 nos Maus Hábitos. Já tens mais concertos em vista?

Para já, não tenho mais nada fechado. Espero brevemente, depois desse concerto, ter mais propostas. Eu só dei três concertos até hoje e posso dizer que foram todos coisas grandes. O meu primeiro concerto foi em Gaia e a casa esteve cheia. O segundo foi no Hard Club, no Natal do Marginal — o Keso sempre me deu grande suporte. E agora o terceiro é a apresentação do disco. Se o quarto for num festival, altamente… [risos]


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