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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Rui Silva
Publicado a: 31/07/2023

O melhor fica para o fim.

Beat Fest’23 — Dia 3: não Veigh que não tem

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Rui Silva
Publicado a: 31/07/2023

De Travis Scott a T-Rex, a banda sonora alinhada para desinibir a juventude não difere muito da segunda para a terceira noite. Mas a grande diferença prende-se pelo número de festivaleiros que viriam a dar ao palco neste último dia de Beat Fest. DJ Perez tem à sua frente uma mancha bem mais composta (e mais cedo) do que teve Kuptz na mesma posição — a de levantar poeira no recinto de terra batida antes dos seus respectivos encabeçarem as suas actuações.

Se no dia anterior dávamos por certas as tendências que vínhamos a confirmar desde o início do festival, reservar-nos-ia a última noite surpresas inesperadas, sobretudo para um domingo em vésperas de dia útil. Mas, afinal, quem preenche a fatia largamente maioritária desta audiência são os jovens, e esses estão, pois claro, a cumprir férias no calendário académico. Mas não deixaria de se afigurar surpreendente, ainda assim, a progressiva mobilização crescente e bem mais expressiva em comparação com os dois primeiros dias.

Melhor para Visco que, mesmo não sendo ele o principal responsável por essa adesão redobrada, acaba por beneficiar da maré alta em noite de lua cheia. O rapper da Linha de Cascais, acompanhado por Tayob J. (a cargo do som e nas backs), Rita Fialho (na voz), Martim Mendonça (na guitarra) e o próprio Perez (nos decks), soube tirar partido das vicissitudes da plateia e compensar o facto de não ser tão conhecido entre os festivaleiros quanto os seus pares no cartaz do dia: entra com “Ano Novo” por cima do super-tema “Sprinter” (que junta Central Cee, um dos incontornáveis nos sets de aquecimento, a Dave) e volta a cativar o público com a badalada “Who Told You” (canção de J Hus em que participa Drake) por trás de “Lua” (faixa inédita do seu próximo disco, presumimos). Se não consegues convertê-los, junta-te a eles.

Convertidos ficámos, porém, e desde logo, a Rita Fialho: ao contrário da voz de Visco aqui mascarada com auto-tune (que não abona a seu favor, ainda para mais sabendo nós que voz tem ele), a da cantora secundária revela-se límpida e indispensável no showcase que prepararam, como se faz notar, de forma mais evidente, no duo que os junta a ambos em “Tempestade” — segundo single de Vegan Dreams, trabalho sobre o qual o rapper nos falou em antecipação desta data. Acrescenta, e muito, ao ensemble o contributo desta tão jovem cantora enquanto em Visco o recurso à ferramenta, em vez de lhe dar a segurança esperada, anula-o e tira-lhe margem de manobra para usar a voz como quer e consegue. Nesse aspecto, antes pecar por excesso do que por defeito. E nada que “Créditos” (tema maior do autor de Tenho Tempo) ou “Montanhas” (outro avanço de Vegan Dreams, parece-nos) não dêem a volta para encerrar uma actuação, apesar de tudo, convincente.



Agora, estávamos em crer que esta gente toda se devia, então, à presença de X-Tense na freguesia de Comenda (localidade reconhecida, pela primeira vez, por um dos artistas através da boca de Visco, assinale-se). E em parte estávamos certos. À outra parte havemos de lá chegar. Facto é que, na hora de Nuno Barreiros subir a palco, a enchente de espectadores já era evidentemente maior que nunca nesta edição.

Barulho para a GNR, barulho para a água, barulho para as alergias e para o raio que nos valha a todos. Ainda que no caso de X-Tense a coisa se torne menos monótona graças às tiradas irónicas do rapper da Pontinha, já não há deste lado grande planfond para técnicas baratas de estimulação de plateia — sobretudo quando elas passam pelo enfadonho cântico “Esta merda é que é boa”, repetido até à exaustão por praticamente todos os artistas convocados à terceira edição do Beat Fest. Nem que se faça, pelo amor das Santas Relíquias de Belver, uma variação minimamente original como a improvisada  na hora por este “Pablito” em “Esta erva é que é boa”.

Bom, mas confissões de espírito extenuado à parte, a restante energia trazida por X-Tense e companhia é mais que boa. Apoiado por dois hypemen Break0ut e Dave Wolf Rodriguez, este último com especial vigor nesse papel (que até teve direito a cantar uma da sua autoria) —, o autor de Rosa Dragão divide-se, sobretudo, entre o seu primeiro longa-duração e a fase Pablo no alinhamento escolhido a dedo para este certame. Toca as horas todas — “11:11”, “22:22” e “3:33” —, vai de “TT” a “#Pixagrande” e canta um “Bolero” por “Yolanda” em nome de “P de Pablito”. É-lhe difícil apanhar o próprio comboio que põe em marcha acelerada nas suas canções (talvez por causa das alergias), mas no verso aceleradíssimo do tema que divide com SP Deville consegue-o de forma exímia. Tanto que, quando tudo parece estar finalmente encarrilado nos eixos, deixa a comitiva para nova troca de maquinista, deixando-nos também sem perceber se foi o concerto que se deu curto ou a viagem que se fez sentir demasiado rápida.



E já toda a gente parecia dar-se por satisfeita por esta altura. Mas mal o set preliminar ao espectáculo de Veigh começa a tocar, o êxtase da multidão — agora, sim, à imagem de um festival de maiores proporções — atinge um outro patamar com uma curadoria exclusiva a hits canarinhos inidentificáveis deste lado. Afinal, foi mesmo pelo paulista que a miudagem veio, e nunca se viu durante estes três dias tamanha mancha de telemóveis em riste de flash ligado — com espectadores aos ombros uns dos outros, até. 

Thiago Veigh apresenta-se, assim, como caso paradigmático da força que as mais recentes expressões da música brasileira vêm a ter junto das novas gerações: estes artistas estão a dominar playlists fora deste lado do Atlântico e, como bons filhos do Brasil que são, sabem dar show. Ainda que a música de fundo se sobreponha à voz, o trapper de São Paulo revela agilidade e andamento suficientes para domar uma plateia completamente rendida, de letras da língua-irmã na ponta da língua que trazem a ebulição de hormonas à flor da pele. “Sou da terra do funk e do samba”, canta Veigh em “Londres Freestyle”, e, mais ou menos como reza no verso seguinte, essa cantiga não engana. Matéria de Supernova sob o céu estrelado de Gavião é o final de noite — e de festival — que esta gente queria e merecia.


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