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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/02/2024

O trio portuense tem um novo LP.

Bardino: “Sentimo-nos bem no lugar estranho que ocupamos — nem rock, nem jazz…”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/02/2024

Diogo Silva, Nuno Fulgêncio e Rui Martins reacendem a sua centelha num novíssimo e ambicioso trabalho a que deram o título Memória da Pedra Mãe. A ambição é toda artística, pois claro: entende-se que ao expandirem o trio nuclear através de um eclético lote de convidados, os Bardino procuram chegar a novos lugares estéticos com a sua música que, ainda assim, retém a identidade vincada que já distinguia Centelha, o álbum anterior. No novo álbum há espaço amplo para os saxofones alto e tenor de Brian Blaker (que se destaca em “Memória” e “Black Mica”), para a guitarra de Leonardo Outeiro (que marca “Punctum Nº 2”) e, indicando já a sua filiação na editora portuense Jazzego, Hugo Oliveira, que assina como Minus & MRDolly (e que é convidado em “Pedra Mãe”) e Sérgio Alves, ou seja AZAR AZAR (que toca piano e Moog em “Tília”). A chegada à editora portuense que tem marcado sucessivos pontos no lugar em que o jazz se parece cruzar com o futuro é, pois claro, facto digno de nota.

Tudo isso se aborda na conversa que a seguir se apresenta. Os Bardino, importante referir também, levam Memória da Pedra Mãe para o palco já no próximo dia 2 de Março, apresentando-se no Passos Manuel, Porto, com os convidados que ajudaram a criar o novo material.



Podem por favor explicar com algum detalhe o lado conceptual do novo álbum, Memória da Pedra Mãe?

Este disco é uma forma muito própria de homenagearmos a importância da memória, em particular da memória coletiva e de como é de igual forma importante, mas também conflitante, servindo uma tensão entre o passado, o presente e o futuro.

Servimo-nos de uma alegoria inspirada nas pedras parideiras, que é um fenómeno geológico raro que acontece na Serra da Freita, daí a Pedra Mãe. Os samples que se podem ouvir durante o disco são fragmentos de memória que servem de apoio à narrativa do disco, e que foram captados precisamente em Arouca. O disco abre com um testemunho sobre as obras feitas na praça, que a modificaram significativamente, terminando com um “A história existe, não é? A praça é que não”. Da praça na sua forma original restaram duas árvores, provavelmente centenárias, duas Tílias, que são simbolicamente um pedaço de memória coletiva.

O disco nasceu de uma residência artística em que o grupo se voltou a isolar para procurar criar novo material. Quanto desse material resulta tanto de trabalho musical, com o trio e ainda o convidado Leonardo Outeiro, como de debate sobre novos caminhos a seguir? As conversas entre vocês são frutíferas? Tomam-se decisões também dessa maneira? Ou é tudo mais natural e acontece quando estão a ensaiar e a criar novas composições?

Com o final da apresentação do Centelha e a saída do Pedro Cardoso (guitarrista de Bardino até então) da banda, decidimos que seria o momento de começar a preparar um novo trabalho. A ideia da altura seria concentrar a composição em trio, mas como o Leonardo Outeiro nos tinha acompanhado na grande maioria dos concertos de apresentação desse disco, fez sentido que também participasse nessa fase. Então, em meados desse ano, juntámo-nos em residência durante uma semana para iniciar aquilo que viria a ser o novo disco. Durante a residência debateu-se estética e composição, mas houve também tempo e espaço para muita experimentação. Todo o trabalho feito durante a residência acabou por sofrer alterações radicais numa fase posterior, já em formato trio.

Há muita partilha entre os três, para conseguirmos chegar a um equilibro entre o que por vezes são visões diferentes, por vezes debatemos mais do que tocamos, isso faz também parte do nosso processo.

Há um momento que imagino que seja importante que é o convite para integrarem o catálogo da Jazzego. Como é que isso aconteceu? Dá um pouco a sensação que o vosso caminho — no que a esta coisa de “novo jazz” diz respeito, pelo menos — se faz um pouco de fora para dentro…. Será assim?

O convite da Jazzego foi muito generoso, porque surgiu ainda o disco não tinha forma. Conheceram-nos através do Centelha, e uma aproximação mais pessoal acontece de forma muito natural por intermédio de amigos em comum. Ainda antes deste convite, conhecemos a Jazzego através do primeiro disco do AZAR AZAR, também primeira edição da Jazzego, que acaba por colaborar connosco no tema de abertura deste disco.

O nosso processo de identificação com uma cena musical específica foi sempre algo controverso para nós; viemos do rock, mas não era bem rock o que estávamos a tentar fazer. Gostamos muito de jazz, mas não nos consideramos músicos de jazz. Este lugar estranho acho que acaba por definir de certa forma aquilo que a Jazzego faz do ponto-de-vista editorial, tem um espectro suficientemente abrangente para que nos sintamos muito confortáveis, não é por acaso que 3 dos 4 músicos que colaboram neste Memória da Pedra Mãe têm também trabalhos no catálogo da Jazzego.

Vocês já tinham trabalhado no Arda Recorders quando fizeram a vossa faixa para a compilação Granito. Como é trabalhar num estúdio assim e que tipo de relação têm com alguém como o João Brandão?

Apesar de ter gravado o nosso tema da Granito, não tínhamos trabalho com o João antes, embora já o conhecêssemos. As ferramentas de que dispomos ao trabalhar no Arda elevaram certamente este disco do ponto-de-vista sónico. Enquanto produtor, o João teve grande entrega a este projeto, identificou-se com o disco e há inclusive um facto engraçado: ele tem também raízes em Arouca, e Arda é o nome do rio que cruza a vila.

Podem falar sobre cada um dos convidados que entra no novo disco? Estar na Jazzego acaba por explicar estes nomes, certo?

A Jazzego é importante na escolha dos convidados que temos neste disco, na medida em que foi através dela que chegámos à música deles. É este também um dos papéis fundamentais de uma editora, de potenciar estes cruzamentos.

O Sérgio Alves é um músico que admiramos desde o primeiro disco, e com quem temos mantido uma relação estreita, esteve sempre no nosso radar para ser incluído neste disco. O Brian Blaker aparece não só pelo seu trabalho a solo mas também pelo trabalho que fez com o Minus no seu último disco. O primeiro ensaio com ele correu logo muito bem, entendemo-nos muito bem musicalmente à primeira. O Minus não é só um talentoso músico, mas também alguém com quem temos tido um contacto muito próximo, como fundador da Jazzego. Aliás, o convite para a participação no nosso disco acontece durante a gravação de um episódio do podcast Jazzego Selected Jams para o qual fomos convidados. O tema que gravámos com o Leonardo foi o único que foi gravado numa sessão diferente, no Arda, mas ainda em 2022. Foi uma sessão live que fizemos para registar um tema que surgiu no âmbito do projeto JazzNãoJazzPT.

Falemos agora do lado estético. Nesse plano, o que diriam que torna Memória da Pedra Mãe diferente de Centelha? Os Bardino estão menos rock em 2024?

O que os nossos ouvidos nos dizem é que sim, que trouxemos muito pouco rock para este disco. É um disco menos elétrico, diríamos. O piano acústico passou a ser, intencionalmente, um instrumento predominante e isso é uma novidade no que fizemos até agora, talvez influenciados pelo trabalho do Duval Timothy, que foi alguém que descobrimos durante este processo. Quisemos também trazer uma bateria menos musculada e preservar mais as dinâmicas naturais que resultaram das gravações live, com menos artefactos e elementos electrónicos mais cirúrgicos.

Parece neste momento haver mais interesse por quem, como é o vosso caso, faz essencialmente musica instrumental. Reconhecem que quem veio antes de vocês, gente como Orelha Negra ou Sensible Soccers, foi importante para criar um público capaz de devotar atenção a projectos que fogem ao domínio das canções, pelo menos tal como é normalmente entendido?

Sim, são ambos projetos que respeitamos muito e que de alguma forma fizeram o crossover para um público mais abrangente. Em todo caso, o público que ouve música maioritariamente instrumental esteve sempre lá na história, com mais ou menos expressão no mainstream. E há vários exemplos contemporâneos que indicam que o público está receptivo a isto, tal como os BADBADNOTGOOD a fechar o palco principal de Paredes de Coura em 2022 ou mesmo DOMi & JD Beck o ano passado já em horário noturno.

Depois de terem sido integrados numa programação jazz na Casa da Musica, será que vamos começar a ver o nome Bardino nos cartazes de mais festivais deste género?

Foi um enorme privilégio, somos público assíduo na Casa da Música, e poder tocar no mesmo dia que Sun Ra Arkestra foi uma espécie de sonho cumprido que não imaginávamos sequer ser possível.

A abertura dos festivais de jazz a estéticas menos tradicionais a que se vem assistindo é algo que, tanto enquanto músicos como enquanto membros do público, nos agrada bastante. Durante o Outono em Jazz houve um pequeno debate na Casa da Música sobre estas diferentes visões do jazz e da música e sobre a relevância dos limites do género, com músicos de Sun Ra Arkestra, MPB 4 e o André Carvalho da Jazzego. Durante este debate foi referido o exemplo de Sun Ra como sendo acima de tudo música, e enquanto músicos é isso que mais nos importa.

Esta música de Memória da Pedra Mãe vive também da vossa interacção com os convidados escolhidos. Isso significa que vão começar a cruzar-se com outros músicos quando tiverem apresentações de palco?

Esta nova abordagem, com colaborações, foi muito interessante. Acrescentou-nos muito artisticamente, e sobretudo à obra. Por isso é algo muito provável de se voltar a repetir.

E por falar em palco, o que nos podem dizer sobre a vossa apresentação no próximo dia 2 de Março, no Passos Manuel, no Porto?

Vai ser uma celebração do processo e da obra. Vamos ter todos os convidados que participaram no disco, uma projeção vídeo a acompanhar o concerto realizada pelo Marcelo Baptista, que é também o autor de toda a imagética que acompanha o disco. Antevemos uma festa bonita.

Como imaginam Bardino daqui a 5 anos? Quais os projectos que esperam conseguir realizar no futuro?

Neste momento queremos desfrutar das apresentações ao vivo deste disco, sem promessas para o futuro, mas com vontade já de experimentar coisas novas.


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