[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] Direitos Reservados
Já nos habituámos à ideia de que Portugal é realmente um país “marginal” no canto da Europa. Isso tem as suas vantagens, que cada vez mais se fazem sentir pela afluência de turistas em busca de algo autêntico por estes lados, mas também tem alguns pontos negativos. A nível cultural — e falando especificamente da música — quem não arrisca a dar um salto a outro país pode correr o risco de nunca ver o seu artista favorito ao vivo. Tyler, The Creator poderia ser um desses casos se estivesse no pico da sua carreira há 10 anos, por exemplo. Depois do susto que nos pregou ao “baldar-se” à edição do ano passado do Super Bock Super Rock, os suores frios não duraram muito tempo, com a confirmação da sua estreia em Portugal no NOS Primavera Sound, no Porto.
A grandeza de Tyler levou a equipa do Rimas e Batidas a destacá-lo como um dos nomes mais urgentes que estavam em falta para com os palcos nacionais. Uma década após a sua estreia no panorama do hip hop norte-americano, o fundador do (extinto?) colectivo Odd Future é agora um produtor de mão cheia e um liricista irreverente, que já deixou marcas suficientemente profundas na indústria ao ponto de uma nova geração de artistas andar a inspirar-se nas suas criações.
Nada lhe fora facilitado e, por isso, Tyler viu-se obrigado a inovar para que a marca OFWGKTA conseguisse perfurar o mercado. O sucesso está à vista de todo o mundo. Se antes tudo não passava de um projecto de garagem, hoje Tyler tem o mundo a seus pés: dos milhões de streams aos maiores palcos espalhados pelos quatro cantos do globo, de um festival em nome próprio às vedetas da indústria que consigo colaboram, dos temas que ajudaram a criar tendências às marcas que se renderam para ter produtos com a sua assinatura. E a cereja no topo do bolo: a atenção dos GRAMMYs.
Tyler, The Creator é um dos grandes símbolos do empreendedorismo musical no século XXI e a cidade do Porto anseia pela sua prestação no palco Seat do NOS Primavera Sound, que acontece já amanhã. Num breve apanhado de cinco faixas, o Rimas e Batidas traça a evolução sónica e mediática protagonizada por uma das mais brilhantes mentes que surgiram da costa oeste norte-americana num passado recente.
[Tyler, The Creator] “Bastard”
O conceito de faixa de introdução tem vindo perder-se com o avançar dos tempos. Para a sua estreia nos discos, Tyler, The Creator criou a personagem Dr. TC, que o viria a acompanhar nos temas introdutórios dos dois LPs seguintes.
Em “Bastard”, a música que serviu de abertura ao disco com o mesmo título, Tyler abre o jogo ao “despir-se”, em jeito de desabafo, perante os seus ouvintes, antecipando todos os possíveis devaneios que iríamos poder escutar nos temas seguintes. Sem batida de fundo e apenas com recurso a uma progressão de acordes em loop, Tyler discorre todos os motivos que o levaram à depressão em seis minutos.
O rapper e produtor californiano tinha ainda um logo caminho pela frente em 2009, mas cedo percebeu que a escalada não iria ser fácil, dada resistência dos meios de comunicação em partilhar a nova sonoridade que estava a nascer no seio da crew Odd Future. Algumas dessas publicações surgem visadas na introdução de “Bastard”, como quem antevê que vai chegar ao topo sem recorrer a ajuda de terceiros.
[Tyler, The Creator] “Yonkers”
Dono de um cunho bastante minimal e sujo no que toca à produção, Tyler conseguiu, em 2011, criar o seu primeiro grande single. Limado q.b. para invadir o espectro mainstream mas cru o suficiente para não se descolar da veia conceptual e alternativa, “Yonkers” pode muito bem ter sido a porta de entrada para a grande maioria daqueles que descobriram os Odd Future.
Apenas sete anos passaram desde a estreia do videoclipe daquele que seria o segundo single de Goblin. Se hoje muitos dos vídeos musicais nos mostram visões distorcidas sem qualquer pudor ou reserva, podemos certamente agradecer a Tyler pelo trabalho audiovisual desenvolvido em “Yonkers”. Um videoclipe à frente do seu tempo que viria a abrir uma nova janela para os jovens músicos que se queriam expressar através de um ângulo emocionalmente negativa.
Goblin contou com o apoio da histórica XL Recordings que, do outro lado do oceano, viu em Tyler um diamante em bruto, capaz de cimentar o seu nome e seguir as pegadas de artistas como The Prodigy ou Dizzee Rascal.
[The Game] “Martians Vs. Goblins” feat. Tyler, The Creator & Lil Wayne
Aos poucos, o reconhecimento ia chegando de todas as direcções. Tyler estava mesmo a alterar as regras do jogo e até os artistas de gerações anteriores queriam incluir alguma da sua frescura nos seus projectos. Pusha T injectou uma dose de sangue novo em “Trouble On My Mind” e, pouco depois, era The Game que requisitava um pouco do Goblin só para si. Lil Wayne juntava-se à festa na ala de psiquiatria de “Martians Vs. Goblins”.
[A$AP Rocky] “Telephone Calls” feat. Tyler, The Creator, Playboi Carti & Young Gleesh
Alteração de planos. Tyler, The Creator vinha de um 2015 ameno, com os números de Cherry bomb a não impressionarem depois da expectativa criada pelo sucesso de Wolf. O ambiente nos Odd Future dava sinais de que o fim do grupo estaria para breve, muito por culpa do choque de egos e mentalidades. Tyler ambicionava muito mais do que ser um herói de culto underground e eram claras as suas tentativas de chegar o mais perto possível das luzes dos holofotes.
Earl Sweatshirt, o seu parceiro inseparável nos tempos áureos do colectivo, parecia cada vez mais distante e era A$AP Rocky quem começava a surgir mais próximo de Tyler. Duas personalidades muito semelhantes: ambos jovens empreendedores, mentores de colectivos de sucesso e com uma “fome” que se estende bem para além da música.
“Telephone Calls” foi a primeira colaboração entre os dois artistas que têm dividido palcos e cartazes com frequência — o NOS Primavera Sound será mais um dos locais que a dupla conquista em conjunto.
[Tyler, The Creator] “911 / Mr. Lonely”
Cada vez mais afastado da sonoridade raw que marcou o seu início da sua carreira, Tyler alterou a habitual receita utilizada para os seus álbuns com o lançamento de Flower Boy. É no disco que editou no ano passado que mais se cola aos ensinamentos que foi buscar a Pharrell Williams, um dos seus grandes ídolos, preparando um alinhamento que ia mais de encontro a temas do passado como “Smuckers”, “Find Your Wings”, “IFHY” ou “Answer”.
É novamente A$AP Rocky quem surge em cena, precocemente associado ao anúncio de Flower Boy ao colaborar com Tyler em “Who Dat Boy”, o single de apresentação do disco que deu um novo fôlego à carreira do rapper e produtor. Ainda não foi desta que conseguiu colocar-se na mais cimeira das posições da tabela de vendas da Billboard, embora o segundo lugar na semana de estreia sirva de novo recorde pessoal para o multifacetado artista, que amealhou também a sua segunda nomeação nos GRAMMYs.
“911 / Mr. Lonely” é um dos temas mais requisitados pelo público que roda a música de Tyler através das plataformas digitais. Também é uma faixa com alta probabilidade de ecoar no Parque da Cidade, no Porto, já que faz parte da lista de faixas de Flower Boy, o álbum que merecerá especial destaque na sua estreia em Portugal.