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Publicado a: 22/06/2016

5 tópicos importantes na entrevista de Vince Staples à FADER

Publicado a: 22/06/2016

[TEXTO] Ricardo Farinha [FOTOS] Daniel Shea, The Fader

Na nova edição de verão da revista norte-americana The Fader, Vince Staples é o principal destaque ao protagonizar a capa e um artigo sumarento que inclui uma entrevista pelo meio. O jovem rapper de Long Beach é apresentado como um “regular genius“, expressão que se traduz para “verdadeiro génio”. A partir deste artigo, escrutinamos no Rimas e Batidas cinco tópicos importantes sobre Vince Staples e o seu percurso, que nos permitem compreender melhor aquele que tem sido considerado como um dos principais nomes da nova geração do hip-hop norte-americano e que se prepara para lançar um novo EP este verão.


[UM “REGULAR GENIUS“]

Vince Staples, de apenas 22 anos, é apresentado como um “regular genius“. A expressão descreve o rapper californiano da Def Jam Recordings como um génio artístico mas também como um rapaz novo que passou por muitos problemas ao longo da sua adolescência e que agora apenas deseja ser normal e ter uma vida pacata.

O artigo da Fader, assinado por Jeff Weiss, centra-se fortemente na mente de Staples e no seu lado psicológico, naturalmente muito influenciado pelas suas difíceis vivências. Vincent Jamal Staples, que foi entrevistado pelo Rimas e Batidas no ano passado em Londres, cresceu entre Long Beach e Compton e era inicialmente um miúdo sossegado e um excelente aluno, apesar de o seu pai ter sido preso por crimes relacionados com droga quando Vince estava apenas a começar a escola primária. De forma natural e pelo ambiente onde estava, a vida delinquente nos gangs dos subúrbios de Los Angeles acabou por se tornar também o mundo do adolescente Vince Staples. “Não há melhor maneira de o pôr: a minha família veio das ruas. A minha família estava cheia de membros de gangs. Nunca soube o que queria fazer além disso”, admite o artista.



Com apenas 13 anos – e acabado de chegar a uma nova escola – Staples foi acusado de múltiplos crimes, incluindo agressão, ameaça de testemunhas e assalto com arma de fogo, depois de ter sido encontrado na escola com um telemóvel roubado. “Quando a minha mãe me veio buscar, mostraram-lhe um ficheiro com a minha foto que dizia ‘Líder de gang'”, recorda Staples. “Aos 13 anos não estás a liderar nada”. Foi, de acordo com o artigo da Fader, um pretexto para atacar um miúdo negro ligado a gangs numa escola de maioria branca – várias testemunhas, incluindo o rapaz dono do telemóvel, apontaram Staples como sendo inocente.

Tanto a polícia como a escola aceitaram retirar as acusações se Vince abandonasse o liceu, e foi o que acabou por acontecer, numa espiral recessiva de incidentes. Pouco explícito no que aconteceu a seguir, Staples foi para Atlanta em 2008, onde esteve 8 meses, e voltou mais tarde para a Califórnia para encontrar uma mãe com cancro e a sofrer cada vez mais. Foi nesta altura que se mudou para Poppy Street, em North Long Beach, onde viveu os dias mais assombrados da sua história, com amigos a morrer frequentemente e uma vida ligada de forma íntima ao meio criminal e aos Crips. “Eu era um deles. Eu queria tudo. Eu pensava ‘se estou aqui, mais vale fazer isto a sério'”.


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Depois de tudo isto e da passagem para a música, aquilo que mais ambiciona é ser um tipo normal. A viver há pouco tempo na baixa da cidade de Los Angeles, ainda tem muita coisa para desempacotar em casa e vive um estilo de vida austero. “Detesto gastar dinheiro”, diz Staples.

Nas redes sociais, muitas vezes não tem tento nos dedos e já foi autor de várias polémicas (ver vídeo no fim do artigo) por comentários que fez, mais satíricos ou não. Acorda todos os dias às sete da manhã, não fuma nem bebe, não tem tatuagens apesar das suas ligações aos Crips, e costuma dar boleias de carro a amigos e fazer chamadas para prisões. Quando não está na estrada em concertos ou no estúdio, refere o artigo da Fader, está a jogar NBA 2K na Playstation, a acompanhar desportos, a ler ou a ver séries. A última que terminou foi Better Call Saul, o spinoff de Breaking Bad. Recomenda Sons Of Anarchy para percebermos porque se juntam as pessoas a gangs. O seu filme favorito é a comédia familiar Beethoven. Enfim, Vince Staples sempre quis ser uma pessoa normal e um homem de família.

Os grandes objectivos que traça para a vida são quatro: ter dinheiro suficiente para investir no ramo imobiliário; ajudar miúdos desfavorecidos de Long Beach – e parece que está em negociações com a Levi’s para patrocinarem um programa; ter filhos; e criá-los num subúrbio de classe média de LA, como Torrance, por exemplo.

Sem glamorizar ou demonizar a vida de gangster que teve, o rapper é misterioso sobre os marcos negativos do seu percurso e parece levar tudo com uma leviana tranquilidade. “Ele tem o temperamento tradicional de um cómico de stand-up: a pessoa mais engraçada da sala quando está no palco, e taciturno e céptico quando as câmaras se desligam”, escreve Jeff Weiss. “Pergunto se ele está deprimido e ele diz ‘Nem sei o que isso quer dizer’ e depois acrescenta ‘Provavelmente sim, estou deprimido. Eu sei que sou negativo. Para mim, isso e depressão são a mesma coisa'”.


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[OS PRIMEIROS PASSOS NA MÚSICA]

O mais bonito cliché de todos no hip-hop será sempre o da salvação de vidas pela arte e pela cultura. Vince Staples é mais um caso de um miúdo que poderia ter acabado a vida antes de chegar aos vinte anos em lutas de gangs rivais ou alvejado pela polícia; ou ainda a apodrecer numa cadeia. Em vez disso, e tal como tantos outros casos, teve a sorte de entrar num estúdio e poder ambicionar ter uma vida diferente.

Através de um amigo, Vince Staples foi ao estúdio do colectivo (na altura ainda desconhecido) Odd Future para conhecer Syd Tha Kyd, com quem se deu bem e começou a conviver, juntamente com o seu irmão, Taco, e Mike G. Até aqui, Staples só tinha feito rap por brincadeira, mas o conforto e a segurança do estúdio, juntamente com os novos amigos, deram-lhe uma abertura para começar a levar as coisas mais a sério. Gravou com Earl Sweatshirt “epaR”, um tema que os dois já renegaram pelas referências a violações, mas que fez com que Vince Staples também tivesse na altura um pequeno hype local, envolto no buzz crescente dos Odd Future de Tyler The Creator.



“Ele era o único gajo que não era dos Odd Future que trabalhava no meu estúdio”, diz Syd à Fader. “Agora somos todos crescidos, mas, na altura, várias pessoas pensavam ‘Se não és dos Odd Future, então não podes andar connosco’ em relação a ele. É uma prova do génio que ele é, o facto de ter conseguido ultrapassar isso e de ter pensado ‘Esta é a minha música. Não soa como a deles. Eu posso fazê-lo por mim próprio'”.

Através de outro amigo, acabou por conhecer Corey Smyth, o actual manager, que negociou mais tarde o contrato com a Def Jam Recordings e que o levou a sair definitivamente de Poppy Street e a levar o rap a sério. Antes disso, Staples lançou a primeira mixtape, Stolen Youth, em 2013. Earl Sweatshirt levara-o em 2012 à casa de Mac Miller, um sítio frequente de passagem de rappers e pessoas do meio, onde Staples recolheu uma série de beats que acabaram por resultar no primeiro trabalho. Depois do contrato com a Def Jam assinado, Staples começou a consolidar uma carreira e a sua situação financeira e emocional estabilizou.

“As coisas antes eram assim: ‘A câmara está a tentar tirar-nos a casa outra vez. A polícia está aqui. Este e aquele foram para a prisão. Não temos comida. A água está cortada. Estão a dar tiros na casa!'”, diz Staples. “A partir do momento em que tudo isso saiu da minha vida, foi tipo: ‘E agora, o que é que vamos fazer com esta coisa do rap’?”


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[ATITUDE ANTI HIP-HOP]

Outra coisa fascinante (e naturalmente rara num rapper) de Vince Staples é a sua indiferença, ou até desprezo, pela cultura hip-hop. Não a glorifica nem a romantiza – nem, por exemplo, a chamada golden era, tema que, aliás, abordou na entrevista ao Rimas e Batidas. Critica os seus pares no geral: “Os rappers não me conseguem enganar. Ando aqui há muito tempo. Os rappers metem as suas t-shirts curtas por dentro das calças largas para mostrar que compraram um cinto de 500 dólares”, diz Staples. “Eles não vão dar tiros em ninguém”.

“Aos 14 anos, o problema era ‘Pá, temos mesmo de matar estes gajos’. Não era o que era o hip-hop ou quem estava no top 5”, diz. “Os gajos do meu bairro estavam a morrer e a apanhar entre 15 anos a prisão perpétua, e as pessoas usam a música como uma distracção. Eu não me senti ligado ao hip-hop enquanto crescia. Nunca quis uma corrente ao pescoço ou uma mansão. Eu só queria que as pessoas parassem de morrer”.

Vince Staples, nascido e criado na Califórnia, não se revê no gangsta rap de ídolos habituais como os NWA, Snoop Dogg ou Tupac e tem uma perspectiva mais fria, madura e até sapiente para alguém com apenas 22 anos, que nasceu cinco anos depois da edição de Straight Outta Compton. Não é o herdeiro do gangsta rap apesar de ter crescido no mesmo ambiente – não idolatra uma vida traumática ligada ao crime.

Como Jeff Weiss faz questão de relembrar no artigo na Fader, Vince Staples remata todo este pensamento em apenas sete palavras num dos seus maiores sucessos, “Norf Norf”: “I’m a gangsta Crip/Fuck gangsta rap”, e isso tem tudo a ver com o estilo de Staples, um Crip observador da realidade.



[UM (DEDICADO) CRIP OBSERVADOR DA REALIDADE]

Nas muitas vertentes que o rap possui, uma delas é a maneira descritiva como o MC pode contar histórias e abordar os acontecimentos. Essa vertente da ‘descrição da realidade’ tem sido enaltecida ao longo dos anos na cultura hip-hop e Vince Staples é um perfeito exemplo disso quando reporta nas suas letras, de forma sóbria mas poética, a realidade dura e traumatizante que o circundou estes anos todos.

Os temas têm sido precisamente esses: brutalidade policial, apatia cívica, gentrificação, racismo ou um sistema de educação falhado. “Em vez de ambicionar sucessos de rádio ou contratos major, ele fez um duplo álbum artístico com uma capa inspirada por Ian Curtis [dos Joy Division], marchas fúnebres que podiam ser músicas dos Sparklehorse, e vídeos tenebrosos [“Señorita”] que atacam a mentalidade de safari que os outsiders muitas vezes identificam no hip-hop”, lê-se na Fader. “Ele retira a glorificação do gangsta rap e relembra os ouvintes de que o seu entretenimento não existe sem um número de vítimas e outras consequências brutais. Staples transcende as comparações, mas se precisássemos de fazer uma: ele é o herdeiro mais parecido do Ice Cube de Death Certificate em conjunto com o Ice Cube de Friday“.



“Enquanto os outros rappers, o público e a indústria falam do rap, Staples está sempre a falar da vida real”, escreve Jeff Weiss. Em declarações à Fader, No ID – um colaborador frequente, produtor e o vice-presidente executivo e director criativo da Def Jam – diz: “O Vince tem uma perspectiva da rua e uma perspectiva indie também. Os gostos dele são diferentes, mais diversos. Ele funde storytelling com uma perspectiva de rua. Ele tem definitivamente o potencial e a habilidade para se tornar um dos melhores da sua geração”.

“Ajuda que poucos sejam melhores na arte de rap puro e cru do que Vince Staples. O olhar poético para o detalhe e as repentinas mudanças de frases não são acidentes. Isto é ainda mais impressionante pelo facto de que ele diz que odeia perder tempo no estúdio e de afirmar que chega lá com as músicas todas compostas”, lê-se no artigo.


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[PRIMA DONNA, O NOVO EP]

Depois do aclamado Summertime ’06, muito se tem esperado por um sucessor. Vince Staples levou o jornalista da revista norte-americana a visitar os estúdios em Hollywood onde criou Prima Donna, o EP de seis faixas que chega este verão, e o relato é prometedor.

“Apesar de esta não ser a primeira vez que ouvem o EP, [os engenheiros de som] dizem que nunca ouviram nada assim. E é a verdade, não é bajulação”, lê-se no artigo da Fader. O EP, que inclui produções de James Blake e DJ Dahi, conta uma história de maneira pouco convencional que começa com uma estrela de rap a cometer suicídio e termina com ele no primeiro momento em que chega à fama. A ideia é que se possa ouvir do início ao fim ou do fim ao início – de trás para a frente – sem se perder o sentido. “É uma fusão caótica de soul e refrões distorcidos, e de espíritos extraterrestres demoníacos”, escreve Jeff Weiss. Prometedor, portanto.

Prima Donna é mesmo descrito como o som do Inferno “e, na versão de Vince Staples, os sons de Long Beach – o grasnar das gaivotas é um sample recorrente – circundam o Diabo. Se o trap transformou a auto-destruição na banda sonora contemporânea das festas, a música de Vince Staples detalha essa festa a ser alvo de um tiroteio, a fuga dos assassinos, e a festa de retaliação persecutória que se desenrola a seguir. Respeita tanto aqueles que morreram como os assassinos. Prima Donna representa um gigante salto artístico: é um hiper-musicado tiroteio de sons que podem ser descritos como blues gangsta rap psicadélico que podias passar às 2 da manhã numa underground rave“. Bom, mal podemos esperar por ouvir o futuro de Vince Staples. E vocês?


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Publicado em simultâneo, Vince Staples explica neste vídeo para a Fader algumas das principais polémicas que desencadeou nas suas redes sociais.


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