[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] LX Clemmo
A capacidade de absorver influências dos mais diversos pontos geográficos musicais é, por norma, meio caminho andado para que um artista consiga desbravar novos trilhos. Que o diga Pedro Mafama, um jovem aficionado pela fusão cultural afro-portuguesa que, em conjunto com as tendências que capta a uma escala global, viu uma brecha que ninguém ousara ainda explorar. Na sua música, o fado millennial namora a bass music e, juntos, dançam pelas marcas rítmicas herdadas dos cancioneiros tradicionais africanos (“Como Assim”) e portugueses (“JAZIGO”).
Após vários concertos num circuito independente que começa a celebrar o seu nome, Pedro Mafama estreia-se amanhã n’O 36 num formato inédito, abrindo o seu livro de recomendações em quase quatro horas de DJ set durante as quais se compromete a atravessar os mares por onde navega.
Em jeito de antecipação, o Rimas e Batidas pediu a Pedro Mafama que comentasse cinco dos seus temas favoritos da actualidade, canções que ajudam a traçar o perfil artístico do cantor e produtor.
[Rosalía] “Malamente”
“Começo com a Rosalía, que está a criar uma mistura muito especial entre a música urbana global que todos ouvimos e a sua própria tradição espanhola do flamenco. Ela é um exemplo de como um artista se pode posicionar quanto à globalização, assimilando influências do mundo, mas devolvendo-as de forma diferente. A estética ibérica que Rosalía está a trazer, e que está a surgir em peso na música urbana espanhola, pode muito bem servir de exemplo para construirmos aqui, em Portugal, algo não parecido mas paralelo ao que os nossos irmãos estão a fazer com tanto sucesso.”
[070 Shake] “Mirrors”
“070 Shake assinou pela GOOD Music e destacou-se pelas suas contribuições nos três álbuns que Kanye produziu e lançou este ano. Esta artista de Nova Jérsia tem ambições mainstream mas separa-se claramente do panorama do hip hop norte-americano, tanto pelas suas performances vocais cruas e viscerais, mas ao mesmo tempo bonitas e juvenis, como pela sua estética e imagem pessoal. 070 Shake é andrógena na voz e figura que faz qualquer ‘trappeiro’ parecer feito de plástico ao seu lado.”
[Mura Masa] “Move Me” feat. Octavian
“Esta canção do Mura Masa com o Octavian caminha sobre a corda na qual os britânicos são reis do equilíbrio: a linha entre música de dança europeia e a vivência e estética do bairro. É inspiradora a forma como conseguem fazer algo tão europeu e tão street ao mesmo tempo, mostrando mais uma vez que a influência americana é para se digerir com precaução, porque se não acrescentamos as especiarias e produtos locais então estamos só a fazer hambúrgueres em pão de carcaça. (Continuando a metáfora digestiva, a cadeia de fast food Nando’s é um bom exemplo, que em vez de copiar as tradicionais ofertas americanas trouxe algo novo, popularizando o frango assado lusófono pelo mundo).”
[Dino D’Santiago] “Nova Lisboa” (Prod. Branko & PEDRO)
“‘Nova Lisboa’ é a primeira e, por enquanto, única canção que fala sobre o momento específico que estamos a viver na nossa capital. Dentro de uma base electrónica afro-tuga saída da cozinha da Enchufada, o Dino brilha com carisma e rouba-nos um sorriso assim que solta a primeira frase em calão afro-lisboeta: ‘Qual é a ideia?’ Depois de escutada a música, pergunto-me se a visão desta ‘Nova Lisboa’ tomada pelo mundo via turismo massificado não ficará mais e mais sombria à medida que vamos perdendo terreno nestas calçadas. Mas quando ouço o que está a fazer o Dino ou qualquer pessoa associada à Enchufada, o meu corpo enche-se de optimismo, com a certeza de que alguma coisa estamos a fazer bem.”
[Dead Combo] “Povo Que Cais Descalço”
“Os Dead Combo são uma jóia. O que eles fazem com as guitarras é aquilo que eu quero fazer com os PCs e teclados: receber do mundo e devolver a Lisboa. O meu nome de fadista deve muito ao álbum deles, Dead Combo e as Cordas da Má Fama, e o sabor a mar e a sal nas melodias do Pedro Gonçalves e do Tó Trips mostram-nos duas pessoas que sabem que a cultura portuguesa é global e mestiça na sua essência. Ouvir o álbum Lisboa Mulata é como estarmos num sonho, sentados num pátio em Alfama com o nosso antepassado marroquino, a nossa tetravó mulata, e o nosso bisavô marinheiro, a ter uma conversa sobre história com o nosso ídolo musical americano que, por acaso, encontrámos a visitar a cidade.”