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Publicado a: 05/08/2015

2001: uma odisseia no tempo

Publicado a: 05/08/2015

[TEXTO] Manuel Rodrigues

 

O facto de ter sido lançado em 1999, num limbo entre o século passado e o actual, diz-nos muito sobre 2001, o segundo episódio discográfico da carreira a solo de Dr. Dre: é um álbum de transição que não deve ser inserido em nenhuma das décadas que divide. Se por um lado as letras nos remetem ao gangsta rap que podemos encontrar no miolo de álbuns como The Chronic, All Eyez On Me e Doggystyle, a sua textura a nível de produção já procura outras paisagens que não as inspiradas no p-funk dos Parliament Funkadelic – a esmagadora maioria dos instrumentais presentes em 2001 tem na sua base secções de orquestra e baterias possantes, coladas com baixos capazes de fazer saltar fora os altifalantes da nossa aparelhagem caseira e levar os vizinhos à loucura.

Mas não só. Há uma preocupação constante em 2001 de enriquecer os beats e não os deixar entregues à crueza da mera batida e sample. Por essa mesma razão é que podemos encontrar nos créditos de produção nomes como Scott Storch. “Na altura, o Dre estava a precisar desesperadamente de algo, uma injeção de energia, por isso, utilizou-me como catalisador”, disse o produtor nova-iorquino em entrevista à Rolling Stone, “ele envolveu-me no processo e eu acabei por dar o meu contributo a nível de piano, cordas e orquestração. Tomei conta da parte dos teclados, o Mike Elizondo tratou do baixo e o Dre da máquina de ritmos”. Se pegarmos no exemplo de “Forgot About Dre”, tema que conta com a participação de Eminem, podemos facilmente comprovar esse detalhe a nível instrumental – com vários elementos a serem adicionados ao longo da trilha.

 


 


Há uma certa intemporalidade presente em 2001 que leva a que algumas das suas músicas continuem a ser pólvora para explosão em festas de hip hop. Não são poucos os DJs que recorrem a estes hinos quando se encontram em situações de aperto: quando querem que o público embarque num exercício infalível de karaoke, rematado com um uníssono “smoke weed everyday”, no caso do clássico ”Next Episode” (a frase é proferida pelo falecido Nate Dogg e tornou-se num verdadeiro símbolo para 2001, entrando em concordância com a própria capa do disco), ou quando querem recuperar uma plateia contaminada pela sonolência extrema, recorrendo a uma entrada clássica e possante, como é o caso de “Still D.R.E.”, um verdadeiro hino capaz de ombrear com as mais contagiantes faixas de metal no que toca ao headbanging.

 


 


Dre nunca foi um grande rapper per se. Não era o melhor no seio dos N.W.A., nem nunca conseguiu ombrear com qualquer um dos seus cúmplices na sua caminhada a solo. Ainda assim, é possível encontrar algumas estrofes interessantes e bem rimadas em temas como “Still D.R.E.” e “Forgot About Dre” (não obstante as suspeitas de ghostwriting em algumas das músicas de 2001 por rappers como Royce Da 5’9”). A sua luta sempre foi outra: servir instrumentais capazes de reduzir a dízima aquilo que se fazia nos melhores laboratórios de beats dos Estados Unidos. Quantos produtores não terão formatado as memórias dos seus computadores e caixas de ritmo e recomeçado o trabalho do zero depois de ouvirem as criações a que o californiano está creditado, principalmente as de 2001? Muitos. Imensuráveis.

 


 


Dr. Dre mostrou ao mundo uma nova forma de produzir instrumentais, e 2001 não foi excepção à regra. Para não ter de pagar royalties aos detentores dos direitos das gravações, Andre Young, nome que figura no seu bilhete de identidade, convidava músicos para irem a estúdio gravar os samples que lhe interessavam, ao invés de recorrer aos métodos tradicionais de corte e costura, uma forma de contornar os trâmites legais e só pagar aos detentores dos direitos de composição. Para além disso, tal técnica permitia também a alteração de tempos, timbres e notas sem a necessidade de manipular a fonte – comprove-se a diferença colocando lado a lado temas como “The Next Episode” e “The Edge”, de David McCallum.

Com o passar dos anos, 2001 transformou-se numa bitola para Dr. Dre, ao mesmo tempo que se tornou para nós, fãs e seguidores, numa espécie de incentivo para não desistirmos da longa espera – quem é capaz de lançar um clássico como aquele que viu a luz do dia em 1999, tem que ser capaz de repetir a proeza ou, então, assumir que está aquém das expectativas e refazer tudo de novo. Só isto justifica tamanho atraso na edição de Detox (agora reconstruído e rebatizado como Compton: A Soundtrack by Dr. Dre), um verdadeiro Chinese Democracy no seio do hip hop. Será o novo álbum do artista um sucessor à altura de 2001? A resposta sairá na tômbola gigante da próxima sexta-feira.

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