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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/10/2023

Descomprometidamente se vai longe.

10 anos de Favela Discos: a história de uma editora que continua a surpreender com a sua espontaneidade

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 04/10/2023

Comecemos não tão pelo princípio. Em fevereiro, por entre as conversas que resultariam na sua contribuição para o artigo sobre José Pinhal publicado no The Guardian, o João Sarnadas (Coelho Radioactivo, Sarnadas, entre outros projetos) revelou a este vosso escriba que a Favela Discos, editora/coletivo portuense do qual é um dos principais rostos, celebrava uma década de existência por essa altura. 

Sabendo da importância que a Favela teve ao longo da última década na música portuguesa – e particularmente na dinamização da cena cultural e musical portuense, hoje ameaçada por forças exteriores ligadas à gentrificação da cidade Invicta –, foi programada uma entrevista com o João e com o Nuno Oliveira (aka Nuno O, outro dos principais rostos da Favela) para estes contarem a história da editora e do que segue. Sete meses depois, aqui estamos, finalmente, a partilhar esta entrevista, a história da Favela por aqueles que continuam a contribuir para o catálogo musical rico e diverso da editora.

Agora, sim, voltemos ao princípio. Voltemos ao passado, àquele prédio no Porto com a alcunha de “favela” onde aquilo que se tornaria a Favela Discos começou com os seus primeiros eventos em 2013, tempos antes da sua residência lendária no Café Au Lait (terminou no final de 2022) e da existência dos José Pinhal Post-Mortem Experience, dez anos antes de inúmeros lançamentos (contam-se 68, se a matemática não nos engana), incluindo o mais recente, a compilação Favela X, onde doze faixas apresentam intervenientes e projetos ligados à editora. A dica, agora, é a seguinte: escutar e explorar.



Há dez anos, a Favela Discos iniciava atividade. Como vos surgiu a ideia para criar esta editora/coletivo?

[João Sarnadas] Queres responder, Nuno?

[Nuno Oliveira] Sim, pode ser. Por esta altura, em 2013, várias das pessoas que ainda hoje fazem parte da editora moravam todas no mesmo prédio, que já era apelidado por vários residentes até antes de nós de “favela” — chegámos, inclusive, a fazer um ou outro evento à porta aberta no próprio pátio do prédio. Na altura, já existia o Coelho Radioactivo, havia uma banda com algumas das outras pessoas, e então, a coisa nasceu da vontade de querer fazer coisas por nós próprios, de querer experimentar. Além disso, essa época não foi a melhor altura para o Porto e, então, havia também a vontade de fazer coisas face à apatia que sentíamos que existia um bocado à nossa volta. 

[João] Na altura, também existia a cena das coisas que fazíamos serem muito mais imediatas, assim espontâneas e descomprometidas, porque uma das ideias, na altura, e isto era mais uma ideia do Tito [Frito] e do David [Ole], a de fazer a pior editora do mundo, que acabava por influenciar um bocadinho isso. E haviam muitas coisas que também viviam da cultura da Internet, ou seja, às vezes a cena era meio meme. Pepe Marcio é um exemplo disso. Era um projeto em que as músicas eram feitas em 5 minutos e depois o videoclipe, se calhar, era a parte mais trabalhada do projeto e era uma cena assim mais a tender para o cómico. E a estética também acabava por ser um bocadinho, não diria propriamente vaporwave, mas uma que tinha mais a haver com uma cultura de Internet, de fazer uma coisa imediata no computador sem grande pretensão. E agora não quer dizer que sejamos pretensiosos! Mas acho que as preocupações diferem — é só isso. Na altura, acho que simplesmente não havia nenhum tipo de preocupação e, então, acabavam por acontecer coisas às vezes sérias, às vezes parvas, e era só para esclarecer esse pormenor.

[Nuno] Acho que as cenas mudaram bastante com a residência do Café Au Lait, até porque também começámos a editar coisas em formato físico. Antes, [a Favela] era uma net label basicamente, disponível gratuitamente na Internet.

[João] Era um Blogspot, depois foi um site. Foi tendo sítios variados na Internet.

[Nuno] Sim, e com a residência também começamos a ter a vertente muito mais forte de produção de eventos e de fazer festas ou concertos. No início, até era bastante intenso, era todas as quintas-feiras.

Estamos a falar de setembro de 2015, não é? Quando começam a Favela Au Lait.

[Nuno] Certo.

[João] Sim, sendo que eu acho que, se calhar, essa coisa acaba por começar um pouco antes, mas quando ela de facto [começa] há uma certa metamorfose. Mas o Alma foi quando? Foi antes, não foi?

[Nuno] Foi um pouco antes, mas também se sobrepôs. O Alma e as festas nas Belas Artes [do Porto], que depois deram origem à Ácida, acho que foi mais ou menos nesses anos — 2012, 2013, 2014, 2015 — e chegaram a acontecer simultaneamente com a residência do Café Au Lait.

Nesses processos de, digamos, modificação do ethos da editora, de passar de ser algo mais Internet-friendly para uma coisa mais “séria”, sentiram que mudou algo na forma como surgem projetos da Favela?

[João] Antes, pessoalmente, acho que os projetos, muitas vezes, surgiam quase como ideias parvas. Outras vezes, funcionavam quase como tubo de ensaio ou algo assim do género. Inicialmente, tudo de certa maneira podia acontecer, o que também acabou por ajudar a formar interesses, formar vontades, criar esse tipo de inquietações — e “inquietação” aqui no sentido de coisas que te interessariam trabalhar. E acho que as pessoas, ao irem fazendo esses projetos, aperceberam-se de que alguns podiam ter alguma continuidade. Podia não ser necessariamente o projeto em si, mas alguma linguagem que estariam a desenvolver com esses projetos poderia dar em qualquer coisa ou seguir para qualquer coisa que pudesse ser um bocadinho mais sério. Mas hoje continua a haver sempre projetos que obviamente não têm continuidade e que são, de certa maneira-

[Nuno] Às vezes, há projetos de um ou dois concertos.

[João] Sim. Por exemplo, estava-me a lembrar: o nosso último concerto no Au Lait foi uma entrega de prémios, que foi obviamente uma palhaçada. Ou seja, não é um projeto para voltar a acontecer, exceto se fizer sentido.

[Nuno] Claro, claro. Também houve projetos que surgiram, por exemplo, de esta ou aquela pessoa estar a experimentar um instrumento novo, ou a criar uma… Por exemplo, lembras-te quando surgiu os Xamano do David? Dele estar a construir a battle station e aquilo era muito simbiótico com o “instrumento” — era quase um conjunto de instrumentos compacto com um clarinete aqui ou ali. Tanto que, o próprio David, começou a tocar instrumentos de sopro e Bezbog foi surgindo até o que é atualmente, por exemplo.

[João] Pois, era isso que queria dizer de certa maneira. Mas sim, também é engraçado essa questão dos instrumentos porque, lá está, o pessoal começou a explorar certas coisas que depois, eventualmente, se tornavam mesmo num projeto com continuidade e com uma linguagem própria. E Bezbog é um projeto que surgiu como surgiu e hoje é um projeto extremamente sério. Por outro lado, Vive Les Cônes é um projeto que nasceu, de certa maneira, de estarmos a brincar com os Casios e percebermos que tinha piada explorar aquele estilo de música e só depois criamos as personagens. Ou seja, é um projeto que, sendo o oposto de um projeto sério, é um projeto que teve continuidade.

[Nuno] Também houve sempre projetos que ganhavam uma vida própria ao vivo, o que também motivava os músicos a continuar.

[João] Pois, e se calhar também interessa falar nisso, não é? Porque uma das coisas que também acaba por puxar as pessoas para continuar os projetos ou para dar mais vida aos projetos é isso que o Nuno dizia, de saber que há coisas que são fixes para se tocar ao vivo. Eventualmente, até há bandas que ganham quase uma vida própria, como o Nuno dizia. Por exemplo, Vive Les Cônes sempre foi uma das bandas mais chamadas da Favela para tocar em cenas e nunca editou nada até bem recentemente.

[Nuno] Nem sei como conseguiu ir de boca-em-boca a tanto sítio e ser chamado sem ter quase nada editado ou publicado até há bem pouco tempo. Acho que o facto de terem umas perucas coloridas chamava à atenção [risos]. Acho que isso ajudou [risos].

[João] Sim, claro que ajudou.

[Nuno] E o vosso carisma natural, claro. [Risos]

[João] Acho que foram mais as perucas, mas sim. [Risos]

Ao longo desta década, a Favela editou muitos projetos que surgiram do núcleo da editora, mas pontualmente editaram coisas de malta de “fora”, como por exemplo o [Gabriel] Ferrandini ou o Pedro Sousa. Fora dos projetos que surgem mesmo de elementos da Favela, como funciona a curadoria para escolher o que vocês vão editar?

[João] Na verdade, salvas raras exceções, de pessoas que de facto nós não conhecemos, acho que todas as pessoas que editámos têm alguma ligação à Favela. Por exemplo, o disco do Sousa e do Ferrandini [Má Arte], por acaso, foi muita weird. Eu estava com o Luís Severo no estúdio — na Interpress, em Lisboa —, e está um bro atrás de mim, dentro do estúdio, a perguntar se eu era da Favela Discos, porque a [Filipe] Sambado tinha-lhe dito que estava ali um gajo da Favela Discos. E era o Pedro Sousa. Depois, estivemos a falar e ele estava numa de que nos ia mandar cenas, que curtia de tocar lá e não sei quê, e marcámos o concerto do Sousa e do Ferrandini — na altura, até meio que marquei uma tour para eles e gravei um desses concertos. Ficámos amigos, obviamente, e fiquei sempre naquela de, se eles quisessem editar isso, era fixe. E passado um ano, eles mandaram-me mensagem a dizer que queriam fazer outra tour e que, se calhar, era fixe editar a cena. Pronto, siga. Falei com o Tito, com o Nuno e assim, e editámos e fizemos outra tour deles, que também foi fixe. 

[Nuno] E de referir que isso foi a primeira — não foi a primeira, foi a segunda — que editamos em cassete. 

[João] Sim, mas foi a primeira, na verdade, porque só editamos Well depois.

[Nuno] Não, eu estava a falar por causa de MADA TREKU, que foi um bocadinho de nada antes.

[João] Ah, pois é, isso foi bastante antes, mas não fomos nós que fizemos. Foi o [Nuno] Loureiro mesmo que fez.

[Nuno] Foi auto-edição editada na Favela, quase. [Risos]

[João] E Pai Inválido [também] já tinha feito, só que [Má Arte] foi a primeira cassete feita em fábrica que mandámos fazer. Depois, também tivemos o Evamuss, que é um gajo peruano que mora nos Países Baixos e tem bué projetos — na verdade, tem a primeira editora de música experimental do Perú [Aloardi] —, e ele, na altura, estava sempre a fazer tours nos spots pequeninos da cena experimental e perguntou-nos se queríamos organizar um gig para ele na residência. Nós, “ya, fixe, siga aí.” E ele disse-nos que, já agora, tinha um projeto que estava meio adormecido — que, na realidade, era o projeto principal dele — e perguntou se nós não queríamos editar esse disco [Ajq’ij]. Nós, “ya, fixe, siga.” E editámos. Entretanto, mantive sempre contacto com ele, até agora durante a pandemia, e ele já veio cá para aí mais umas três vezes fazer cenas connosco, é assim um gajo impecável. Os Burgueses Famintos foi pelo Manuel Molarinho, que também é muito nosso amigo. Pedro Sousa e o Simão Simões [Tiro e Queda], pronto, é pelo Pedro Sousa, não é? Ou Fusco. Ou seja, as coisas que não são necessariamente da Favela são sempre pessoas com quem temos bastante afinidade.

[Nuno] Com um projeto ou alguma ideia que se encaixa com a nossa editora. Estou a falar mais no caso do Nils [Meisel] e vem agora um disco do Henrique Apolinário também [Fusão].

[João] Que é a mesma coisa, o mesmo tipo de afinidade. O Henrique até é já uma pessoa que conhecemos quase desde o início da Favela. 

[Nuno] Sim, geralmente, salvo raras exceções, são sempre pessoas que nos são próximas, que conhecemos, e que, às vezes, até nos acompanham quase desde o início.

Quantos lançamentos fizeram nesta década de Favela?

[Nuno] Não tenho a certeza, mas acho que já passámos os 60.

[João] Isso já, há bué. Agora, temos 66. Em breve, com o Apolinário e com a compilação, vamos ter mais dois, portanto.

É uma média de mais de seis lançamentos por ano — isso ainda é bastante. Mas quando estava a preparar a entrevista, dei por mim a ter dificuldade a encontrar coisas escritas, especialmente em português, sobre a Favela. Por isso, da vossa parte, durante esta década de existência, de que forma olham para a atenção que vos foi ou não dada pelo ecossistema cultural português? Sentem que foram sempre uma cena de nicho ou…?

[João] Opá, sinto que é um bocado falta de trabalho e de interesse das pessoas que escrevem ou dos editores. Obviamente que os jornais, a crítica, etc., fazem o que quiserem ou bem entenderem, mas eu sinto que, se a Favela estivesse em Lisboa, se tivéssemos organizado o Favela Au Lait nas Damas ou na Zé dos Bois, num espaço em Lisboa de tamanho equivalente [ao Café Au Lait], que tinha sido completamente diferente ao nível de cobertura. Acho que, também, as pessoas entendiam que não era uma cena de nicho. Por exemplo, as nossas datas no Au Lait chegavam a ser impossíveis de estar lá dentro. Por exemplo, houve uma data com uma banda galega que eram os Vozzyow com o João Pais Filipe e o Pedro Pestana a tocar e com uma cena do Mauro Ventura, que era a Arena [Spa Superiora], e essa foi possivelmente a data em que teve mais gente na cave do Au Lait que me lembre. Estava absolutamente impossível.

[Nuno] O Au Lait até começou a abrir a cave devido à nossa residência. Não que não o fizesse esporadicamente-

[João] Mas [passou a fazê-lo] de forma regular.

[Nuno] E ficava cheíssimo. As quintas-feiras eram praticamente sextas ou sábados a vários níveis, de malta, de tudo. Até há uma música dos Baleia Baleia Baleia [“E Se o Diabo Quiser”] que menciona as quintas-feiras da Favela.

[João] Existe, existe. Acho que, para quem esteve na noite do Porto, na altura, sabe o que eram. Era uma altura que tanto podias ir ver um concerto do Luís Severo como podias ir ver nós a fazermos uma idiotice qualquer que tínhamos pensado no dia anterior à noite ou uma merda qualquer só porque tínhamos de fazer qualquer coisa e lembrávamo-nos de um nome idiota e estava feito. Quer dizer, na verdade, às vezes nós fazíamos o nome na semana anterior, e depois era: o que é que isto vai ser? Não eram todas assim, mas… 

[Nuno] Claro, claro. Havia lugar para tudo. E também começaram a aparecer muitas bandas, até estrangeiras, que estavam em tour e nos contactavam. E nós fizemos, quê? Mais de 70 datas lá?

[João] Sim, na boa. Se contarmos com todas as cenas, sim.

[Nuno] Acho que esteve um ano e tal em que era semanalmente — com as suas interrupções, claro — e depois passou a ser mensalmente.

[João] Até dezembro do ano passado.

[Nuno] Tirando a interrupção também da pandemia, mas sim.

[João] E não falando só do que se fazia lá a nível nacional, porque houve muitas coisas nacionais que passaram por lá e que são extremamente interessantes e isso era o tipo de coisas que era importante falar-se, mas, por exemplo, nós tivemos um gig do Alex Hungtai, que é o gajo de Dirty Beaches. E tivemos lá mais malta estrangeira que edita em cenas fixes, tipo na Editions Mego e o caraças-

[Nuno] Na Warp.

[João] É isso. Sei lá, não percebo porquê, mas acho um bocadinho estranho nunca termos tido sequer, por exemplo, uma review no Público. As únicas pessoas que fizeram reviews nossas foram praticamente o Rui Miguel Abreu no Rimas e Batidas, e depois vamos tendo assim mais umas reviews em cenas estrangeiras e tal-

[Nuno] E chegámos a ter duas na Wire, também.

[João] De ASPHALTO e Sarnadas. Mas não sei, dado que somos portugueses e fazemos coisas cá que são muito mais, o pessoal… A cena é que eu sei que há pessoas que lêem os e-mails. Eu falo com pessoas que me respondem, às vezes, mas que depois os editores nunca se mostram propriamente interessados, ou pelo menos isso é a desculpa que as pessoas me dão, e eu também não sei até que ponto as pessoas estão interessadas assim em fazer uma crítica sobre um disco de ambient. E a cena que me chocou mais, na verdade, foi quando fizemos um projeto que era o IN TRUX WE PUX, que foi um levantamento de música experimental improvisada do Porto, que é uma cena que achamos super importante porque acho que a Favela faz parte de uma cena que é a cena experimental do Porto, que consiste na Sonoscopia, na Favela, na Crónica, e em outros nomes que não são propriamente relacionados com nenhuma editora, como a Supa ou Faca Monstro, e nós tentámos fazer um levantamento disso, de um movimento que existe e que nunca teve uma cena em que… Por exemplo, no Público, quando sai da algo da Xita, Cafetra ou Maternidade, pumba, um artigo — e é ótimo, são pessoas com quem nos damos, são nossas amigas e acho que merecem toda a atenção. Mas acho que nós também merecíamos alguma atenção e não percebo propriamente porque não a temos. Não é de as pessoas não saberem, porque eu tenho provas disso no e-mail [risos].

[Nuno] E não só pelo percurso editorial [da Favela]. A residência do Café Au Lait, e apesar da residência ter sido muito longa e ter muitas datas ao longo dos anos, nem sequer foi a única coisa que fizemos em termos de eventos, no Porto, mas penso que foi um contributo com alguma importância para acontecerem coisas no Porto de música ao vivo, de música de vários feitios, onde, como o Sarnadas disse, tanto se podia ver canção como música improvisada, música de dança a música quase performativa, como Lucifer’s Ensemble, que faziam praticamente uma performance teatral, além da parte musical obviamente. E eu, enquanto espetador, não é assim muito fácil de encontrar muita coisa que se passe no Porto, pelo menos. Claro que há muitas outras coisas e, se calhar nesta altura, vão havendo mais estas pessoas, noutra altura mais outras, se calhar abre um sítio novo, acontecem umas coisas, outro fecha, e ao longo dos anos acontecem essas coisas. Mas no panorama do Porto, houve um contributo significativo [da Favela] para que estivessem a acontecer coisas. Havia músicos que quase também, não digo que se estreavam, mas que nos abordavam para tocar, e quando eram coisas interessantes e que, lá está, achávamos que se encaixava na nossa curadoria, de certa forma quase que se mostravam ao público portuense pela primeira vez em Noites da Favela. Era quase um hub de coisas deste género que se estavam a passar no Porto. E talvez a crítica deva existir mesmo que as coisas sejam más. Nem que seja para dar notícias delas, ou da falta delas, ou do que for. Penso eu.

[João] É isso. E pronto, acho que não terminei, porque me fugiu a linha de pensamento, mas dizia que nem nesse projeto que fizemos, que era um conjunto de quatro discos e que era um projeto maior que a Favela, que englobava outro tipo de preocupações que não só editar discos normais nossos, nem houve sequer uma menção ou uma review, por exemplo, no Público. Podia ser algo só a falar disso, podia ser uma review dos quatro discos do ou só a dizer que isto existe, e se conseguimos-

[Nuno] A pandemia também não ajudou, porque tivemos muito azar de que os dois primeiros volumes saíram em 2020. Os confinamentos, todas aquelas restrições, condicionaram muito a promoção. Nós queríamos fazer assim um ciclo de concertos porque dois dos quatro discos são feitos de várias faixas, que são colaborações entre músicos da Favela e fora da Favela, e inéditas — tudo gravações inéditas. Algumas dessas colaborações, ou colaborações do género, às vezes também aconteceram na residência do Au Lait, como o João Pais Filipe e o Pedro Pestana-

[João] Sim, era uma coisa que, volta e meia, tentávamos fazer, esses casamentos de músicos. É por isso que, quando fizemos a tal compilação, também achámos que era interessante fazer com casamento de músicos. 

[Nuno] Sim, em vez de os chamar individualmente para fazer uma música, chamávamos grupos, trios, duos, para criar uma coisa em conjunto.



As compilações IN TRUX WE PUX são algo singular no vosso catálogo e que quase funciona como um arquivo da cena experimental do Porto. Vocês já falaram da evolução da Favela desde os tempos em que era um Blogspot ou um site, mas agora existe também o Bandcamp com um papel preponderante no vosso arquivo, e até toda a questão do streaming. Atualmente, como olham para o arquivo da Favela e como tentam manter isso para haver alguma forma de contar a história da editora e coletivo com os vossos lançamentos?

[Nuno] Eu penso que, acima de tudo, a nossa vontade é continuar a fazer música e a editá-la fisicamente, porque gostamos muito de qualquer formato físico, mas também não nos queremos prender à necessidade de edição física para registar as coisas. Não é que tenha acontecido muito ultimamente, mas edições digitais também não estão fora do nosso radar. Mas acho que o essencial é, por exemplo, como o Sarnadas estava a falar de Vive Les Cônes, era um projeto quase mítico entre nós e as pessoas que iam às nossas festas e conheciam-nos, e era uma pena que ainda não tivesse um registo discográfico. E às vezes há casos desses, de projetos que as pessoas procuram, para ver o estado, e outros simplesmente vão surgindo à medida que vão sendo feitos e desenvolvidos. E lá está, o IN TRUX WE PUX acho que foi o nosso maior momento de registar quer a cena musical improvisada e experimental do Porto e toda uma panóplia de músicos interessantes com que convivemos e que vemos a tocar, que gostamos e que admiramos, como também surgiu para registar coisas que fizemos. Porque a Favela também tem muitos convites — convidam a Favela em si, não um projeto em específico — e nós fazemos todo um concerto ou uma peça site-specific, feita de propósito para esse momento, ou temos coisas como Milteto, que é uma espécie de orquestra experimental que está sempre a mudar de formação, onde os membros são os membros da Favela e amigos, e já fez várias apresentações mas nunca tinha havido um registo de tal coisa. Desilusão Óptica também é uma dessas peças, que foi feita para Serralves, e temos outras cenas que temos gravado mas nunca fizemos nada com isso, como a peça operática no Rivoli, 2013: O Regresso. Esse tipo de coisas, às vezes, temos no nosso arquivo pessoal e ainda não estão propriamente publicadas ou divulgadas — algumas, provavelmente, nunca serão —, mas temos muitas coisas no nosso arquivo pessoal das quais o que está publicado é apenas uma parte. E o nosso objetivo penso que é registar o que se faz de novo e, sempre que surge uma oportunidade adequada, se houver alguma coisa pela qual nós temos carinho e que achamos que tem qualidade musical, registar isso sempre que possível. Não sei se o Sarnadas quer acrescentar alguma coisa…

[João] Pá, é uma pergunta curiosa e difícil de responder. Nós também acabamos por ser displicentes em relação ao nosso material e aos nossos grupos, tanto que Vive Les Cônes é um projeto que já poderia ter editado há bastante mais tempo. Então, acho que agora a nossa principal preocupação, com o desenvolvimento de um catálogo, é de talvez ter um bocadinho mais de seleção, se calhar receber menos pessoas de fora e editar mais coisas do nosso catálogo e dos nossos artistas. Diria que, agora, o desafio é conseguir criar valor e interesse nos artistas que já existem, nos projetos que já existem, criar continuidade a esses projetos, e também dar valor ao que é o nosso arquivo que o Nuno dizia — discos que nós temos, de certa maneira, gravados, coisas que estão gravadas, como concertos ou ensaios, ou em alguns casos até, ideias que funcionaram bem em concerto e que achamos poderem funcionar em disco, mas que as gravações não estão tão bem quanto achávamos e que se calhar ponderamos voltar a pegar nelas. Acho que o maior desafio agora é conjugar todas essas coisas tendo em conta que é também difícil, tendo em conta que é um arquivo bastante grande e é um arquivo de ideias ainda maior e nem sempre é fácil tu conseguires dar vazão a essas coisas, principalmente quando lutas com uma certa falta de interesse, parece-me, por parte de algum público. Nós agora também temos alguma ajuda com uma distribuidora que é muito fixe, o que nos dá também algum alento, pelo menos nesta questão da edição de discos, mas depois é isso. Estás sempre a jogar com o que te faz sentido editar naquela altura. Se queres fazer uma edição física, ela vai custar dinheiro e convém vendê-la. Não que isso seja propriamente uma preocupação que temos, mas se calhar é uma coisa que subconscientemente nos impede de mandar assim cá para fora, e até por uma questão de consistência, de qualidade, e de uma certa linha de continuidade editorial, por assim dizer. Se calhar é isso que nos impede de, de repente, mandar para fora os 40 discos que poderíamos ter na calha — e não sei se são 40. Há muita coisa que se nós fossemos agora ir ver o arquivo de gravações do Café Au Lait, o arquivo de gravações de projetos como o Desilusão Óptica, que são coisas que fizemos ao longo do tempo-

[Nuno] Dos Milhões de Festa.

[João] Sim, coisas que nós nem sabemos como poderíamos editar. Por exemplo, como o 2013 – O Regresso, que se calhar nem é uma coisa para ter uma edição. Se calhar, seria uma coisa para ter mais espetáculos, mas se calhar é um espetáculo meio teatral e isso já não é propriamente o nosso meio. Eu trabalho, tenho feito sonoplastia para teatro, tenho Coelho Radioactivo, as outras pessoas [também têm os seus projetos], ou seja, também é isso, não é? Tens de jogar com os tempos que as pessoas têm. Mas pronto, ao nível de conteúdo, não temos nenhuma regra. Simplesmente tentamos ter algum cuidado com isto.

[Nuno] Por exemplo, um dos projetos que editámos o ano passado, Batsaykhan, surgiu a partir de uma espécie de disco, e eu nem considerava aquilo um disco, era quase um álbum residual, de um projeto que tinha a solo que tocava nos inícios de 2014, 2015. E houve uma altura que no nosso estúdio, aqui no Porto, por momentos ficámos sem Internet e o Tito e o André [Azevedo] puseram [a tocar] o que estava no computador mesmo, em ficheiro, e estavam lá essas demos. Eles puseram-se a ouvir e depois começaram-me a chatear para editar aquilo, que estava muito fixe, e depois eles próprios chatearam-me muito que a única maneira de convencer-me foi eles gravarem aquilo comigo e lá fomos [risos]. Um a tocar baixo, outro a tocar as percussões e tal, e a ajudar na captação. Ou seja, regravámos tudo, coisas que eu antes fazia mais por via de samples e a tocar por cima guitarra e teclado, rapidamente se tornou um trio. Gravámos o disco, lançámos e chegámos a tocar ao vivo, ou seja, o próprio projeto passou de uma coisa a solo para uma banda, e finalmente saiu um disco porque as pessoas simplesmente, por algum motivo, ouviram, gostaram, e queriam muito que isso existisse, e a única maneira que tiveram de me convencer foi fazerem parte do projeto, quase.

Gostei muito desse disco de Batsaykhan.

[Nuno] Obrigada! [Risos] Cada disco tem a sua história por trás. Alguns decorrem mais naturalmente, de eu estar agora a fazer isto e gostava de lançar e tal, e outras vezes há coisas que se vão buscar ao baú por esta ou aquela razão, ou porque, como Vive Les Cônes, sempre houve vontade de o fazer, mas nunca houve um momento oportuno ou tempo, porque depois todos nós temos muitos projetos. Temos vários projetos uns com os outros, a solo, coletivos gerais da Favela, às vezes outras atividades também profissionais, e é uma tarefa complicada conjugar tudo isso e planear um ano de edições. Mas uma pessoa vai andando e vai fazendo. Apesar de haver muito mais planeamento e pensamento, acho que a Favela Discos continua a ser relativamente espontânea e informal e, quase como a nossa música, experimentamos, improvisamos, e lidamos com as coisas que nos aparecem à frente.

Já falámos bastante da vossa residência no Café Au Lait, uma festa que durou entre 2015 e que terminou em dezembro de 2022 com a Última Ceia. Porque deram por concluída essa aventura? Acharam que já tinha run its course?

[João] Sim, é isso. Principalmente, achámos que já chegava. De certa maneira, era um pouco o que disse, de nos queremos focar um bocadinho mais nestes projetos e dar continuidade aos projetos musicais da Favela em si. Na verdade, acabou a Favela Au Lait, e também estendemos isso a outras produções no Porto e acho que não vai ser uma coisa que vamos continuar a fazer de maneira regular. Ou seja, não vamos fazer assim produções da Favela no Porto, porque acho que, neste momento, o que nos interessa mesmo — e também nos apercebemos que o tempo não é infinito — é tocar. E a Favela no Au Lait durou imenso tempo, foi muito fixe, mas mais vale as coisas acabarem bem do que cair no esquecimento.

[Nuno] Sim, acabar porque nós quisemos e não porque fomos forçados. E também precisamos de mudar de ares um pouco e é isso que o Sarnadas dizia. Acho que nós sempre adorámos fazer eventos, festas, o que for e em que formato fosse, e julgo que vamos continuar a fazê-lo, mas quando surgir uma ocasião ou algo que nos apeteça mesmo fazer. Queríamos, principalmente [por agora], concentrar-nos na música, e também é uma coisa: nós já fomos tocar a muitos sítios fora do Porto, mas apesar de tudo, era assim um pouco uma espécie de âncora, não é? É a nossa cidade, adoramos o Porto, e eu não sou natural de cá — até muitos de nós não somos —, e o Porto diz-nos muito a todos nós-

[João] Até nenhum é.

[Nuno] Eu acho que nenhum é [risos]. Somos de Braga, Barcelos, Aveiro, Ovar…

[João] Ninguém é do Porto! 

[Nuno] Somos todos de distritos à volta do Porto e conhecemo-nos todos em arquitetura, Belas Artes, e a música foi o que nos juntou. Mas sim, acho que era isso. Queríamos dedicarmo-nos mais a tocar, até fora do Porto, mas enquanto fazemos eventos estamos muito mais ancorados porque é a cidade onde moramos e onde operamos. Então, não é que não pudéssemos organizar coisas fora do Porto, mas com base regular é mais complicado.

[João] E depois, de certa maneira, também nos apercebemos que não é o nosso trabalho, estás a ver? Nós somos uma editora, um coletivo, e muitas vezes acabávamos por fazer cenas para os donos dos espaços… No caso do Au Lait, não me posso queixar; nesse sentido, o Pedro [Araújo] sempre foi impecável connosco. Mas em outros sítios do Porto, era perfeitamente razoável nós irmos lá e acabarmos por perder dinheiro porque estávamos a trazer artistas cá, estávamos a pagar jantares, a pagar estadia e tudo com o dinheiro da bilheteira. E isso é o trabalho das pessoas com espaços! Na verdade, nós estávamos a facilitar-lhes a vida, porque eles tinham a noite programada, e já não fazia sentido para nós isso. Houve uma altura em que nos fez sentido fazer isso porque queríamos, mas agora… Interessa-nos ter um coletivo, ter uma editora, tocar, fazer a nossa música, mesmo que não seja tocar ao vivo, mas interessa-nos mais criar coisas do que estar preocupados em ter X pessoas para não perdermos dinheiro e, de certa maneira, acabas por criar más relações porque depois sentes-te meio injustiçado.

[Nuno] É ingrato. Dá muito trabalho e é quase outra atividade em si. Há pessoas que fazem promoção de eventos, que vivem disso-

[João] E muito melhores que nós, certamente, porque nós perdíamos dinheiro às vezes. 

[Nuno] No fundo, nós acabamos por fazer quase todos os momentos de produção, desde captação, gravação, distribuição, press releases, tocar, produzimos os discos uns dos outros, gravamos tudo, usamos os nossos meios para tudo. Isso é porreiro, porque temos controlo das coisas e fazemos ao nosso ritmo e tudo mais, mas é muito exigente. Depois, ainda por cima disso, tens um calendário de eventos que também requerem a sua press release, cartazes na rua quando era o caso disso, promoção online — nas redes e tudo mais —, e depois toda a logística, de arranjar sítio para as pessoas ficarem quando não eram do Porto, um dia inteiro de volta do evento — e às vezes o dia a seguir, a ir buscar material e tudo mais —, consome muito tempo. Foi muito divertido, mas para já, era isso. Nós vamos focar-nos mais principalmente na parte de criação, porque é aquilo que quisemos, desde sempre, fazer. Ser músicos, artistas, criar e pôr cá para fora. Também gostamos de trabalhar com outras pessoas, também gostamos de mexer na noite do Porto e no cenário cultural, mas também podemos fazer isso já com o nosso próprio input de criação. Fomos muito ambiciosos, por um lado, em fazermos de tudo, mas com o tempo, e com uma coleção própria, acabámos por considerar que, pelo menos para já, já chegava, e vamos dedicar-nos mais a uma nova fase que passa mais por isso que acabei de dizer. Até para chegarmos a outro nível mesmo de ambições artísticas, de qualidade, de complexidade, de desenvolver a nossa arte.

Esta celebração dos dez anos da Favela parece, mesmo que não seja propriamente de propósito, o abrir de uma nova fase para a Favela, e o lançamento desta compilação serve também para abrir as portas para o futuro criativo do coletivo além de o celebrar. Como está a ser o processo de escolher e preparar as faixas para este projeto?

[João] Acho que isto está a ser um bocadinho freestyle, porque tem esta cena de estarmos mesmo a assumir o caos. Basicamente, cada pessoa vai ao seu arquivo pessoal e escolhe uma faixa que lhe pareça fazer sentido na compilação.

[Nuno] Sim, depois cada pessoa terá os seus motivos pessoais para a faixa que apresentou ou irá apresentar. Ainda estamos meio que no processo. Já temos algumas e já quase que dava para lançar como está, mas nós gostávamos mesmo de ter mais ou menos toda a gente porque o critério era que toda a gente participasse numa música da compilação, quer fosse um projeto a solo ou coletivo. E já estamos quase!

[João] E acho que nesta compilação o que vai unir a coisa será mesmo o alinhamento, porque isto está mesmo assim para all over the place a nível musical [risos]. Que é um bocado representativo da Favela, não é? Nesse sentido. 

Se tivessem de escolher um lançamento da Favela durante esta década de existência para iniciar alguém ao vosso catálogo, que lançamento escolhiam?

[Nuno] Ui, essa é difícil! [Risos]

[João] É bué difícil porque acho que depende da pessoa. Eu perguntava o que a pessoa gosta e depois escolhia.

[Nuno] Para uma pessoa que goste um pouco de tudo e que não conheça a Favela, talvez o IN TRUX WE PUX pudesse ser um bom ponto de partida — apesar de serem quatro discos — porque têm muito da cena do Porto em geral, com quem nós trabalhamos em residências, com quem tocamos, e tens dois discos que são dois projetos coletivos da Favela, um com pessoas de fora [da Favela] a tocar connosco, que é Milteto, e o outro que é o Desilusão Óptica. Acho que os outros dois, um é mais nas eletrónicas e o outro é mais nas eletroacústicas ou em coisas acústicas, processadas, e aí há mais um apanhado geral. Não sei se seria o disco ou conjunto de discos mais Favela que pudesse apresentar, mas praticamente toda a gente está lá. A ter que escolher um assim no vácuo, sem saber a quem iria estar a mostrar, seria esse.

[João] Mas se fosse só um disco, seria provavelmente um dos IN TRUX. Mas eu estava aqui a olhar e escolheria talvez três discos. O Milteto seria um dos que escolheria, e depois, assim a nível de espectro oposto, mas que acho que são relativamente representativos da Favela, escolheria ASPHALTO ou Vive Les Cônes. Vive Les Cônes num espectro muito mais idiota e ASPHALTO num espectro mais experimental-caótico. Acho que, por exemplo, não apresentaria Bezbog ou Desilusão Óptica, sendo discos que gosto muito e são extremamente representativos da Favela, mas acho que o Desilusão Óptica consegue ser mais representativo da Favela porque é uma peça da Favela, ou Milteto, pronto, mas nunca escolheria Bezbog, que nem sei se é tão representativo sequer-

[Nuno] Ou o de Batsaykhan, não é o mais representativo também. Mas é difícil encontrar algo, porque o que nos representa é mais uma atitude geral perante a música. Lá está, se calhar, pode ir do pop à música de dança, mas acho que o nos caracteriza mais é a atitude ou ser um bocado mais fora. Se é pop, é um pop fora, ou se é música mais de pista [de dança], se calhar não é a mais típica. Acho que nós navegamos por tanta coisa que, às vezes, o que une tudo é a atitude com que se faz a música. E quando eu digo “atitude”, não é uma questão de carisma. É a atitude do modus operandi, de como se constrói a música. Se calhar, é um projeto pop, mas os instrumentos não são nada comuns num projeto desse género. Às vezes, um projeto pode ser experimental não pelo género de música que faz, mas pela maneira como o faz, mesmo que o género que esse projeto toca, se é que existe um só género para atribuir, seja complicado de rotular. Às vezes, não é a música em si que é muito atípica, mas os processos com que as pessoas a fazem. Essas coisas geralmente são as que cozem um bocado a manta de retalhos da Favela Discos, quer como quando faz curadoria de eventos e um projeto nos interessa, ou quando editamos ou nos chega um disco para editar. Normalmente, não é só isso, mas isso acaba por ter um papel forte do género que nos cative por essa invulgaridade ou por essa maneira diferente, ou curiosidade em ver coisas diferentes. Por isso, lá está, é difícil encontrar um disco que represente, encapsule isso, não excluindo todas as múltiplas formas com que isso pode aparecer no nosso catálogo, não é?

Vem aí esta compilação de celebração e já falaram aí de editar um disco do Henrique Apolinário. Que mais há no futuro para a Favela?

[Nuno] Em princípio, há um disco que até já foi gravado por mim e pelo Tito mais o Rodolfo [Oliveira] das Oficinas TK, que nem é uma pessoa da música — ele é mais velho, é originalmente de Leiria, viveu em Lisboa e está no Porto para aí há dez, quinze anos — e ele sempre foi muito mais ligado às artes gráficas e às impressões, por exemplo, e mais recentemente, criptoarte. E houve uma vez que fomos para Esposende numa de ir lá visitá-lo, eu e o Tito, e ele disse para levarmos coisas para tocar, que ele tinha lá uns pedais e umas coisas que faziam barulho, assim estáticas, eletricidade, coisas assim, e nós levámos e andámos para lá a improvisar e tal. No fim, editámos, cortámos as partes que pareciam interessantes, e começámos a gostar daquilo. Mas pronto, como tínhamos sempre muita coisa a acontecer, ficou também um bocado na gaveta, até porque não decorreu de um projeto que já existisse e que já tivesse esse objetivo, e como era praticamente a sua primeira grande experiência em muitos anos de tocar e de gravar coisas, ele tinha outra motivação. Ele falou com um artista que trabalha em várias coisas, inclusive em criptoarte, que fez um vídeo para essa música, um NFT, uns 20 e tais, e nós vendemos todos os tokens e financiámos basicamente a produção deste disco com isso, que foi uma experiência muito nova para mim, e até se abriu uma possibilidade de arranjarmos financiamento para projetos que não decorrem naturalmente de tocarem ao vivo e tudo mais. E pronto, isso foi tudo graças a esse Rodolfo. Esse disco vai avançar, já estamos à espera do test pressing e à partida, se tudo correr bem, provavelmente mais na segunda metade do ano, vai sair esse. Depois há outros discos que dependem e temos vários na calha. Houve uma peça que eu, o David e a Dora [Vieira] fizemos para Esposende, para uma exposição sobre o Franklin Vilas Boas, que se chama Cadença, em que sonorizamos umas peças de madeira e teve um momento em 2018 e um em 2021, e nós gravámos um disco praticamente lá. Mas é daqueles que pode não sair este ano, pode sair daqui a dois anos, pode sair em 2025. Tudo dependerá de muita coisa. E assim de repente, do que estou ao corrente, da minha parte, esses dois são os que me tocam. Não sei se queres completar alguma coisa Sarnadas?

[João] Acho que não. Eu desde o meu disco não me quero comprometer com dizer que vão sair coisas e depois não saem, isso dá azar. Mas acho que não vejo mais. É como estavas a dizer, temos alguns discos assim na calha assim para aqueles tempos mortos que podem sair. Na verdade, uma coisa que provavelmente vai sair é uma gravação — ou partes de uma gravação — que fizemos o ano passado numa residência no Zigurfest, que foi com um grupo de concertinas de Lamego. Nós fizemos a residência em Penude e, à partida, em colaboração com o Zigur, devemos lançar essas gravações e imagino que isso seja por volta de altura do festival.

[Nuno] Eu, o David e a Dora também estamos a selecionar coisas da residência na Sonoscopia e tem material porreiro que pode vir a ser lançado, mas também ainda está muito aberto em termos de tempo que levará a chegar ao produto final. Depois, quando houver o produto final, aí surge toda a fase de quando é que sai, quando é que é oportuno, se vai chocar com outra edição que está planeada há mais tempo. Porque, apesar de tudo, como disse há bocado, nós fazemos, na maior parte dos casos, as coisas de início ao fim em todos os estados da produção e, em paralelo, às vezes acontecem vários desses processos e ninguém tem a certeza se vai demorar dois, três, quatro, cinco meses, e depois quando efetivamente já se tem as coisas mais preparadas, surge a tal preparação para o lançamento em si e, às vezes aí, as coisas tendem para mais tarde por causa de distribuir as coisas. Também, se nós lançamos em média cinco, seis, discos por ano, é bom não lançar todos no mesmo semestre ou todos num mês, não é? Por vários motivos. Por isso, para já, está tudo muito em aberto para este ano.


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