LP / CD / Digital

Yung Lean

Starz

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Texto de Francisco Couto

Publicado a: 29/06/2020

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O mundo mudou bastante desde 2013, quando ouvimos falar pela primeira vez de Yung Lean; e o rapper (pelo menos no que toca a música) é um dos motivos para que isso assim seja. Quer se goste ou não, o mundo do hip hop mudou com o aparecimento daquilo que parecia à primeira vista um meme, um projecto de um rapper adolescente desafinado, com batidas que fundiam trap com elementos mais leves, tudo isso com uma estética que, viemos a saber com a passagem do tempo, seria o futuro da cultura virtual dos mais jovens. Aliás, o que o tempo nos ensinou é que Jonatan Leandoer Håstad, com apenas 16 anos, estava à frente de todo um movimento que não tardaria a rebentar e a crescer exponencialmente por todo o globo, sendo assim responsável por meter a Suécia no mapa do rap com a ajuda do seu colectivo Sad Boys, que criou com Yung Sherman e Yung Gud.

Com o passar dos anos, Lean continuou a crescer e a ganhar mais respeito enquanto artista, à medida que víamos uma geração de músicos que encontrava uma nova sensibilidade musical no hip hop, mais ligada a temas como a depressão, a melancolia, corações partidos e crises existenciais, tudo isso misturado com toseína e Sprite. A cultura e sonoridade de DJ Screw juntam-se à sinceridade emocional de Kanye West (é impossível não falar de 808s & Heartbreak quando se entra nesta subcultura) e o resultado são projectos de quarto de jovens incompreendidos que se tentam libertar da mesma forma que todos os jovens de todas as gerações o procuraram fazer: através de expressão artística. Não é, portanto, rebuscado assumir os cloud/emo rappers como os herdeiros da cultura de um certo pop punk, a que encheu quartos de jovens por todo o mundo com posters de Blink 182, My Chemical Romance ou Avril Lavigne. E, no meio de nomes como Lil Peep, A$AP Rocky, Lil Uzi Vert, Bladee, Lil Tracy e Thaiboy Digital, o rapper sueco de 23 anos é uma das peças centrais no desenvolvimento estético desta cultura.  

Após três anos sem novos discos enquanto Lean, o máximo que aguentou desde o seu aparecimento em 2013 — conta com sete álbuns nos últimos oito anos – e com passagens por estúdios em Los Angeles, Suécia e Portugal, eis que surge Starz, um projecto que, com a ajuda do produtor Whitearmor na construção dos beats, leva o artista a continuar a sua exploração de sonoridades singulares e dos limites do género musical que ajudou a criar. É-nos logo apresentado esse caminho mais “experimental” quando ouvimos as guitarras shoegaze romperem em “My Agenda”, a primeira faixa do álbum. São várias as músicas nas quais se sentem a hibridização do SoundCloud rap com a dream pop, principalmente em “Starz”, na qual vemos o único feat. do disco, Ariel Pink, que oferece uma abordagem mais solta e menos ligada ao hip hop, na qual Yung Lean deambula livremente pelas melodias desafinadas às quais já nos habituou, deixando qualquer um com o refrão na cabeça durante dias.

Os temas continuam os mesmos dos álbuns passados: drogas (muitas), marcas de luxo, ostentação e corações partidos, tudo isto explorado na apatia vocal de Lean, que parece sempre anestesiado e fora da realidade, com demónios que, ao contrário de Lil Peep, que nos faz gritar e expurgar tudo o que sentimos, não consegue simplesmente soltar. A cada música nova que se ouve de Yung Lean dá para sentir mais o desconforto existencial que o assombra, ao mesmo tempo que é ofuscada pelo sucesso internacional que conseguiu conquistar com apenas 23 anos (“Yeah, I’m only 23 but there’s like, like, ten of me”, como diz em “Low”). Ao mesmo tempo que acha que “Life is my playground, I stay around” em “Dogboy”, afirma também “I sold my soul when I was very young” em “Acid at 7/11”, música que faz referência a uma das piores experiências que viveu em drogas, quando estava num supermercado em LSD e viu uma pessoa rachar a cabeça à sua frente.



Starz vive nessa dualidade. Mergulhamos dentro da cabeça do rapper através dos beats de Whitearmor que são bastante soltos e criam várias opções para Lean explorar, mas, ao mesmo tempo, também não sentimos que o rapper ofereça um input alegre nas músicas, muito pelo contrário. Cria-se a sensação que Lean vive numa espécie de falsa liberdade dada por estados alterados de consciência. A sua voz não tem força, limita-se a deambular ao longo das músicas numa atitude de quem parece demasiado desligado da realidade para lidar com ela.

Os beats funcionam da mesma forma que os opióides, servindo um pouco mais como atenuador do que uma solução para os problemas do rapper. São, no entanto, a parte mais interessante do álbum e que consegue pegar na monotonia de Lean e levá-la muito mais além, explorando vários universos, dos mais pesados e aos mais etéreos. A dupla produtor-rapper parece estar a funcionar na perfeição, visto que Jonatan, apesar da versatilidade enquanto artista (tem um projeto indie enquanto Jonatan Leandoer96, e é vocalista da banda punk Död Mark), raramente foge à mesmas melodias vocais. Whitearmor permite-lhe num só disco ter singles fortes como “Pikachu”, “Hellraiser” e “My Agenda” e músicas que dão mais espaço para o experimentalismo vocal como “Starz” e “Butterfly Paralized”, onde se vêm também detalhes ligados ao EDM.

Mas para entender Yung Lean é preciso ir um pouco além de analisar as suas qualidades enquanto rapper/vocalista. Foi esse o erro tomado em 2013, quando começou a ser visto como uma piada por não ser afinado nem expressar emoções. Esses mesmos detalhes são o que cativa os seus fãs que pertencem a uma geração consumida por abusos de drogas “downers”, falta de saúde mental e um futuro distorcido e comprometido pela instabilidade do sistema no qual vivemos. Os seus desafinos, a sua apatia, tudo isso são símbolos de indiferença, de se estar a borrifar para a vida, e também são sinónimo de sinceridade musical, de expressão pura e DIY. As letras não são profundas, mas representam uma realidade palpável aos jovens que se sentem deslocados do mundo e representa toda uma cultura que mistura inúmeras camadas de pós-ironia na forma de lidar com problemas enquanto se afogam numa sociedade podre e os outsiders que andam à deriva pelo mundo a tentar perceber por que raio estão vivos.

Yung Lean tem um valor simbólico que ultrapassa por completo o seu “talento” (muitas aspas) musical e, apesar de não ser o artista mais conceituado ou experimental associado ao SoundCloud rap, a verdade é que é o pai deste, trazendo-o ao mundo como se calhar ninguém conseguiria e abrindo portas para novas abordagens sonoras, visuais e culturais no hip hop. Starz representa um progresso nas suas composições (que já se via a melhorar substancialmente desde Changes); e o rapper sueco, mesmo dentro da sua pouca versatilidade vocal e de conteúdo, continua a trazer ideias frescas e originais para cima da mesa.


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