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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 19/05/2023

A caminho de Braga.

Yazz Ahmed: “A música do Reino Unido é diferente, entusiasmante e representativa da nossa jornada”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 19/05/2023

A trompetista Yazz Ahmed está de regresso a Portugal para uma apresentação no Theatro Circo, em Braga, que terá lugar já amanhã, dia 20 de Maio. A artista britânica que tem raízes no Barém promete novidades e explica em conversa tida com o Rimas e Batidas via Zoom que se encontra a trabalhar em música nova e que o seu próximo álbum está praticamente pronto. O facto de se encontrar em busca de uma editora significa, certamente, que tenciona dar um passo mais sustentado em direcção a um maior reconhecimento já que as significativas conquistas que conseguiu até agora foram alcançadas em modo independente.

Yazz viajou, muito literalmente, da lua até à Sardenha neste último par de anos e essas “viagens”, geográficas e artísticas, serão, certamente, evocadas no alinhamento que amanhã apresentará no concerto em Braga. Diz Yazz que o que acontece no Reino Unido neste momento nos domínios do jazz reflecte a própria história do país e na sua música isso é certamente evidente: se artistas como Nubya Garcia ou Shabaka Hutchings temperam as suas visões musicais respectivas com ecos mais ou menos distantes de músicas das Caraíbas ou de África, no seu caso são as tonalidades árabes que nos lembram que a música tem essa capacidade de transformar em arte viva o que foram em tempos atribuladas histórias de um império.



Nós falámos pela última vez em 2021. O que tem feito desde então?

Bem, 2021 foi há muito tempo. Muitas coisas aconteceram. Deixe-me ver… Há algo que não me sai da cabeça, que é uma peça de música que eu compus para o Luke Jerram. Ele tem uma escultura fantástica, chamada Museum Of The Moon, que é uma Lua gigante em 3D que fica iluminada à noite, feita a partir de fotos da NASA. Eu criei uma peça de música para essa instalação, que estreou no WOMAD. Andámos em digressão com essa música, com uma banda para a tocar ao vivo. Essa aventura foi mesmo o grande destaque de 2022, para mim.

Onde fica instalada essa peça?

Ela viaja pelo mundo inteiro. Já esteve em Londres, Atenas… Na verdade, vi-a em Atenas quando estava a caminho de um concerto que tinha agendado para lá [risos]. Mas tem andado por todo o mundo. Devia procurar por ela: Museum Of The Moon. Que mais tenho eu feito? Deixe-me ver… Eu tenho andado em digressão com a minha banda por muitos locais diferentes. Tocámos na Sardenha, e eu ainda fiz uma apresentação a solo bem divertida numa ilha deserta da Sardenha, em que toda a gente tinha de ir de barco para lá chegar. Eu fui para lá de lancha rápida, o que foi bastante assustador, a agarrar em todo o meu equipamento, sabe? [Risos] Tocámos em Ibiza… Em Dezembro de 2022 curei um concerto especial de celebração da música árabe contemporânea, em que convidei o Rabih Abou-Khalil e a Emel Mathlouthi para tocar uma noite no Barbican. Eles tocaram à vez, depois a minha banda juntou-se às bandas deles e tocámos todos juntos. Foi uma colaboração muito boa, em que se cruzaram diferentes estilos e pessoas que eu admiro. Eu não estaria a compor a música que componho se não tivesse descoberto a música do Rabih Abou-Khalil. Foi uma honra tê-lo lá e fiquei feliz por ele ter aceite.

É verdade. Você mencionou-o da última vez que falámos. Mas deixe-me recuar um bocado até essa peça sobre a Lua: como foi a sua abordagem? Foi uma gravação com banda, recorreu a tecnologia? Como traduziu essa ideia da Lua na sua música?

Eu já tinha escrito música sobre a Lua antes, por isso meio que tinha uma ideia de como queria que a música soasse. A primeira peça que me pediram para compor sobre a Lua foi para uma universidade em Inglaterra, para “Noite da Lua” que eles têm. Trabalhei com um cientista, ele fez-me uma apresentação e pediu-me para escrever música que explorasse o nascimento da Lua, o como seria viver nela, o descobrir água na Lua… Nessa peça criei muitos sons com diferentes sons do meu trompete, como o abrir das válvulas ou o bater no sino do trompete com o bocal. Para esta nova peça, que se chama “The Moon Has Become”, adaptei alguns desses métodos. Originalmente, o WOMAD falou-me em “música para uma instalação”. Eu pensei, “Vou criar uma espécie de música de fundo, coisas pré-gravadas.” E como deixaram tudo nas minhas mãos, pensei em gravar também um outro trompete, de um trompetista extraordinário com quem estava a viver na altura. Então acabei por compor música para dois trompetes em multi-pistas — há um total de cinco partes de trompete. Também quis… Desculpe estar a ir em diferentes direcções, mas estou a tentar lembrar-me do processo [risos]. Antes de tudo isso, a minha ideia era fazer algo diferente. Eu sabia que a lua ia ser apresentada no festival do WOMAD e pensei para mim mesma: “Adorava escrever algo que permitisse às pessoas abstrairem-se, mas que também representasse o festival, que a música fosse progredindo ao ponto de chegar a uma espécie de rave.” Foi essa a minha ideia. “Mas como é que vou escrever música que represente ou que se mova na direcção da música de rave?” Eu nunca tinha feito algo do género. Fiz alguma pesquisa e encontrei este baixo sintetizado, o TD-3. É um instrumento pequeno e bastante peculiar e eu nem sei bem como ele funciona [risos]. Programei uns padrões e ele toca-os de uma forma bastante estranha. Adorei. Gravei isso e fiz algo dançável. Usei bastante electrónica. Também gravei um violoncelo, para lhe dar uma textura diferente. Mas o que foi muito, muito fixe foi o ter pedido aos detentores de bilhete, que iriam ao WOMAD, para citar uma frase de um poema de Rumi, intitulado “The Moon Has Become”. Consegui um total de 30 línguas diferentes e usei todas essas citações como parte da música de fundo. Algumas dessas citações foram moduladas, tornando-se numa espécie de ritmo. Outras inverti-as. Soa a algo que deu muito trabalho [risos]. Depois tocámos o tema com banda ao vivo e passou na BBC Radio 3. Há uma gravação ao vivo disso que foi parte do programa da New Music Biennial.

Tenho de ir escutar isso.

É apenas uma versão ao vivo. Eu quero, a dada altura, editar a versão de estúdio, porque é bastante diferente. Vai ser bom lançar isso, de certeza.

Mencionou também um espectáculo a solo na Sardenha. Isso está de algum modo ligado ao material a solo do Solo 7″s? Há pouco passei pelo Bandcamp para ver se isso lá estava — e está. Foi o mesmo tipo de abordagem que fez para esse espectáculo ao vivo?

Sim. Esse projecto a solo surgiu do COVID. Eu não podia tocar ao vivo com a banda. Ninguém podia sair de casa sequer, obviamente [risos]. Então tive muitas propostas e comissões para gravar peças a solo. Fiz uma para a Boiler Room TV, fiz outra para a Jazz FM. O trabalho acabou por evoluir. Então acabei por ter toda esta música, que são reimaginações das minhas composições para os meus álbuns e para os arranjos da minha banda. Juntei isso tudo em algo que pudesse ser uma performance de uma só pessoa. Mas como o trompete é um instrumento bastante solitário por si só, usei música de fundo, alguma electrónica. O que podia soar a uma performance unidimensional, acabou por se tornar em algo 3D, algo imenso, se assim quiser chamar. Essa performance a solo, toquei-a em Beirute, em Barcelona, França… É algo que se tem vindo a desenvolver desde o confinamento e também algo que gosto de ir fazendo de vez em quando.

Espero que um dia também possamos ver isso em Portugal… O que nos traz agora é em quarteto. É o mesmo quarteto que vi da ultima vez?

É o mesmo, sim.

E ao nível do repertório? O que é que vamos poder escutar de novo?

O material novo estou a guarda-lo para o meu próximo álbum, que está 90% completo. Estou neste momento à procura de uma casa para o disco — de uma editora, portanto. O que vou tocar em Braga será uma mistura de músicas do La Saboteuse, do Polyhymnia, mas também um par de singles — uma é a “A Shoal of Souls”, a outra é uma peça que compus para a Adult Swim, “Dawn Patrol”. Talvez nem toda a gente tenha ouvido esses temas. Será uma mistura disso.



Também teve a oportunidade de prestar uma homenagem ao Chick Corea através da compilação  Blue Note Re:imagined II. Estava a questionar-me se isso seria parte do alinhamento.

Pois foi! Talvez um dia. Eu preciso de pensar como fazer isso resultar com quatro músicos, porque eu escrevi-o para…

Pois, tem um arranjo mais expansivo, não é?

É isso! Mas eu já me estava a esquecer que esse também foi um dos destaques de 2022. Eu fiquei absolutamente encantada por ter conseguido entrar nessa compilação. Tenho de trabalhar para que possamos apresentar ao vivo essa peça. Vou ter de repensá-la muito.

Claro que sim. O que é que lhe ocorreu quando recebeu a chamada do pessoal da Blue Note? Atirou-se imediatamente a essa peça ou demorou algum tempo a escolher?

Eu fiquei mesmo contente por ter sido convidada. Queria muito fazer parte desse projecto, mal escutei o primeiro volume. Fiquei mesmo muito feliz. Em relação à escolha do “It”, do Chick Corea: eu estive a escutar todos os discos que tenho da Blue Note – e ainda tenho bastantes – e estava à procura de algo, de um pedaço de música que tivesse material escrito o suficiente para eu explorar, para experimentar, que desse para transformar numa peça minha. Demorou um bocado, mas encontrei esse tema peculiar, chamado “It”, que creio que só tem 28 segundos de duração. Mas existe tanta música nesses 28 segundos… Eu pude reorganizar as passagens, fazer loops de algumas das frases. Foi muito divertido e tratei-a como se fosse uma composição minha. Diria que soa bastante reimaginado [risos]. Ficou muito diferente do original. Também devo dizer que o clarinetista que toca nesse tema é o Tim Garland, que chegou a tocar na banda do Chick Corea — foi colaborador dele por muitos anos. Foi especial tê-lo nesta gravação.

Que bom. Tenho reparado em como estas editoras histórcias americanas têm prestado imensa atenção ao que se está a passar no jazz em Inglaterra neste momento. Temos muitos projectos do Shabaka Hutchins ligados à Impulse!, essas duas compilações da Blue Note e uma outra que eles fizeram em torno do Total Refreshment Centre, a Concord Jazz edita a Nubya Garcia… Algo de muito diferente se deve estar a fazer no Reino Unido para que estas editoras, que até podem ser vistas como gatekeepers e que são detentoras de todos os clássicos, estejam a mostrar um sinal de respeito face ao que se está a fazer por aí, ao ponto de vos convidarem para fazerem parte da sua história.

É fantástico. O jazz é, obviamente, música americana. Foi lá que nasceu. É maravilhoso que essas grandes editoras estejam a reconhecer a cena vibrante e diversa que o Reino Unido tem. Há muitas coisas a acontecer, muitos tipos de géneros debaixo do guarda-chuva do jazz dentro do Reino Unido. Toda a gente está a ter o seu devido reconhecimento. A nossa música é diferente, é entusiasmante, é representativa da nossa jornada enquanto país. É mesmo muito bom que estejamos a ter este foco.

Também colaborou no último disco dos Ebi Soda. Vi-os no ano passado, no Love Supreme Festival, perto de Brighton, julgo eu. Eles também são uma banda nova muito entusiasmante.

Pois são. São fantásticos. Gosto muito deles e a música deles é muito boa. Foi bom colaborar com eles. Foi muito divertido. Eles enviaram-me a música, pediram-me para escrever algumas partes de sopros, para fazer alguma improvisação e para adicionar um Kaoss Pad. Deram-me muita liberdade, o que foi bom. Acabámos por criar uma peça musical muito bonita e espero que as pessoas tenham gostado. Mas eles são muito talentosos e é fantástico vê-los desenvolver. Creio que agora até são bastante conhecidos e respeitados, o que é óptimo.

Costuma ter este tipo de convites com frequência? Alguma vez recebeu algum e-mail de alguém de Portugal, por exemplo?

De Portugal? Creio que não.

E estou a perguntar-lhe isto por uma razão. Há algum tempo estive à conversa com uns tipos de uma banda que me disseram: “Adoravamos ter a Yazz Ahmed numa das nossas faixas.” Então estava aqui a pensar se não teriam já tentado estabelecer essa ligação.

Não sei. Não tenho a certeza. Bem, terão de entrar em contacto comigo. Mas sim, tenho tido bastantes pedidos e nem sempre as coisas funcionam. Tenho de ponderar bem se a minha voz se enquadra com a música deles. Às vezes também penso se não estarão a convidar-me só porque querem ter o meu nome associado, e isso é algo que não gosto. Eu espero que quando me pedem para colaborar seja porque gostam do meu som, do que eu faço, ao invés de “vamos usar o nome dela, porque já é alguém bem estabelecido e isso ajuda-nos.” A não ser que seja um grande amigo [risos]. Aí já está tudo bem. Mas eu estou muito aberta a colaborações, é só uma questão de ver se encaixa.

Sem querer entrar em grandes detalhes, eu tenho reparado que existe um grande e compreensível secretismo em torno do seu novo disco. Pode elucidar-nos se está à procura de alguma direcção nova?

Sem dúvida. Tenho estado a trabalhar nesta música há bastante tempo. A música é similar à do La Saboteuse, mas tem mais elementos de electrónica e de canto. Não serei eu a cantar, obviamente [risos]. Mas escrevi umas letras. Será diferente nesse sentido. Será música com voz. A música em si é inspirada na música tradicional do Barém. Também inclui algum material de field recordings que fiz durante uma viagem ao Barém, tem cantos de caçadores de pérolas… Fiz loops dessas coisas, dessas gravações que fiz. Mas também fui recentemente ao Barém para gravar alguns dos meus familiares a cantarem para entrarem no álbum. Por isso vou ter a minha família no disco. Vai ser… Este disco é mesmo muito pessoal. Vai ser diferente, mas ainda dentro do jazz árabe, com fusão de electrónica.


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