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Fotografia: David Breda Silva
Publicado a: 13/11/2020

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YAKUZA: “Não tentámos ser jazz londrino em Lisboa”

Fotografia: David Breda Silva
Publicado a: 13/11/2020

Chegaram a toda a velocidade, rápidos, ágeis e com um estilo tão actual como necessário para o seu lado híbrido. São jazz de base, pode-se assim dizer, mas no seu combustível encontramos compostos como o house, o funk e o hip hop — fusão é aqui palavra de ordem. É difícil não pensar nos múltiplos nomes londrinos que surgiram nos últimos anos, contudo, eles não se sentem “filhos” desses projectos, entendendo-se muito mais como uma consequência dos gostos globais dos três membros, daquilo que a sociedade reflecte e, sobretudo, da união das suas linguagens. São um trio, às vezes um quarteto, se contarmos com Pedro Ferreira, mas abrem espaço para se introduzirem mais elementos na sua viagem. São os YAKUZA, um grupo formado por Afonso Serro, nas teclas, André Santos, no baixo, e Alexandre Moniz, na bateria.

Voltámos a falar com eles, depois da curta conversa na estreia de “TUNING”, porque entretanto foi oficialmente disponibilizado AILERON, o muito recomendado primeiro trabalho de fôlego da banda, apresentado no início desta semana. Não há luzes vermelhas, podem seguir! A primeira paragem é mais logo, no Núcleo A70, em Lisboa.



Provavelmente, não devem ter grande noção da reação ao álbum, visto que ele foi lançado apenas na segunda-feira, ainda é muito recente, mas pelo menos têm feedback da “TUNING”. Como sentem que o tema foi recebido?

[Afonso]
Acho que as pessoas estão a gostar muito. Quem gosta deste género de música gostou muito. Superou as minhas expectativas, fiquei muito surpreso pela positiva. Imensa gente a mandar mensagens, a dizer “bom trabalho”, “boa sorte”, “continuem”.

[Alexandre] E o mais engraçado, é que tem sido malta de todos os sítios, do hip hop, do house, [pessoas] que ouviam música progressiva dos anos 70 e que agora tem 40 e tal anos.

Penso que isso diz muito do vosso álbum, porque apesar de ter uma génese jazz, vai beber a imensos lados. A “AILERON – Pt. II”, por exemplo, tem uma linha de teclas que faz lembrar um clássico do house. Assim como podemos facilmente pensar em fusão, em hip hop, com a nova escola inglesa. Eu gostava de saber do vosso passado, e como ele acabou por vós levar neste sentido e nestas combinações de géneros

[Afonso] É o “Gypsy Woman (She’s Homeless)” da Crystal Waters. Nós queremos fazer algo novo, mas que nos fosse natural. Esta linguagem musical já é natural, não forçámos nada. Nós queríamos fazer algo um bocadinho diferente dos nossos outros projetos, mas, e eu falo por mim, a linguagem que eu estou habituado é esta, “groovar “nos teclados, no baixo, é tudo muito natural. Não tentámos ser jazz londrino em Lisboa. Claro que as caixas funcionam assim e é normal serem concebidas [assim]. Se nos colocarem nesse território, é perfeitamente normal, mas para nós é apenas o nosso meio de expressão mais natural.

Mas não se conseguem sentir como uma espécie de “primeiros filhos” portugueses deste aparecimento do jazz londrino, do Flying Lotus, dos BadBadNotGood?

[Afonso] Sim, talvez, a cena de AFTA3000 acaba por ser um bocado diferente.

[André] Eu também gosto de compor e de produzir. YAKUZA, para mim, tem sido uma espécie de libertação. Não me sinto preso a género nenhum. Até porque estou um bocadinho fora do background deles os dois, das escolhas que eles fazem, que eu gosto, mas que estou um bocadinho fora disso. Às vezes sinto que este rótulo do jazz serve para mascarar esta ideia de misturar uma série de coisas, mas não há um rumo muito definido. Sentirmo-nos na linhagem de algo parece um bocado estranho, apesar de, pronto, saber bem a comparação.

Falaste em não haver um rumo muito definido. O vosso álbum tem uma música que é claramente mais jazz, falo da “PICHELEIRA”, mas também tem a tendência para fugir para outras estéticas, inclusive eu consigo imaginar o vosso álbum tanto a abrir uma pista de dança como a tocar num átrio de um hotel. 

[Afonso] Nós temos essa consciência de ter ambas as componentes. Deliberadamente tanto fazemos essa música que vai para a discoteca, como fazemos uma que sabemos que vai para a aparelhagem do tio que gosta de jazz e que ouve em casa. Para o que vamos tocar agora ao vivo: sim, vai ser uma cena mais dançável, mas também queremos, eventualmente, preparar outro concerto para um contexto muito mais íntimo, mais jazz acústico. Nós temos essa dualidade e ela vai estar sempre presente seja no álbum, a tocar ao vivo ou na própria criação das músicas. 

Uma das coisas que gostei muito no vosso álbum é que os instrumentos cantam muito. É uma música que se consegue cantar, mesmo sendo ela totalmente instrumental. Não senti necessidade de vocais, mas sentem que, por exemplo, um dia essa adição pode ser feita? Alguma vez sentiram essa necessidade? 

[Afonso] Essa ideia sempre teve lá desde o início, acabou por não acontecer neste álbum, mas é algo, que sem dúvida vai acontecer no futuro. Queremos que seja algo pessoal, não queremos meter lá um rapper só para ter rapper. Para mim, desde que seja interessante, está-se bem, agora não quero que seja mais do mesmo. Tem que dizer alguma coisa, tem de ter significado para nós, não tem de ser simplesmente alguém famoso, que tem muitos seguidores no Instagram.

A vossa estrutura de banda, trio que se transforma num “pseudo-quarteto”, vai-se manter ao vivo ou vão ter uma abordagem mais expanded? Porque eu consigo imaginar-vos enquanto banda ao vivo a crescerem e ter uma sonoridade até mais intensa.

[André] Nós já conversámos várias vezes sobre isso. Somos versáteis quando a ideia é albergar novos artistas, até mesmo novos instrumentos, mais exóticos. Isso vai implicar uma adaptação nossa, uma musicalidade a qual não estamos habituados a tocar. O trio é tipo o core, mas há essa abertura. 

[Afonso] Até porque era interessante para nós.

Essa ideia de colaboração pode ser acompanhada para o lado visual? A “TUNING” tem uma estética muito apelativa para um público concreto e que funciona muito bem no universo virtual actual. Querem usar essa estética como imagem de marca do vosso projeto ou pretendem explorar outras linguagens? Até mesmo, quem sabe, sair destes temas de videojogos e de carros. 

[André] Pode acontecer um regresso ao mundo dos videojogos e dessa estética toda, hoje estamos por dentro desta estética porque faz sentido, mas se calhar para outra música, para outro videoclipe, fará sentido uma abordagem totalmente diferente. E nós estamos bem com isso.

[Afonso] E queremos experimentar várias pessoas, queremos colaborar com vários artistas diferentes. Para nós, é o que nos dá mais pica. Isso que falas, essa estética toda com videojogos, essa coisa toda com os carros, isso foi algo que acabou por acontecer acidentalmente. Nós não tínhamos uma ideia de fazer uma banda sobre carros, isso não foi assim que a coisa começou. Simplesmente, o fig.gif, que fez o videoclipe, e é meu colega de casa… foi uma altura em que estávamos a ver muitos vídeos de jogos de carros, vídeos de jogos da Sega, daqueles em que metes a moedinha. Nasceu assim. Como é óbvio, uma vez que a imagem está lá e é essa imagem que é apresentada as pessoas, elas acabam a ver assim o projeto, mas não é como foi realmente concebida. Simplesmente acabou por acontecer. As coisas podem perfeitamente mudar, ou podem continuar na onda dos videojogos, nós próprios não sabemos, não temos nada alinhado, mas estamos abertos a experimentar todo o tipo de coisas, desde que para nós seja interessante.

[André] O Figueiras vai ser nosso VJ no concerto. Deixámos liberdade total para ele criar, confiamos totalmente nele.

[Afonso] Por exemplo, vou já propor já aqui: eu adoro os visuais que o André faz, e foi algo que nunca falámos realmente aqui para a banda, mas é uma estética que se calhar gostava imenso de abordar num próximo lançamento. A ideia surgiu agora [risos].

Estava aqui a pensar, e nos últimos meses deu-se o aparecimento de algumas bandas que eu consigo relacionar com a vossa banda, desde Azar Azar a Fatspoon. Sentem que está a nascer uma espécie de movimento, ou foi simplesmente uma coincidência?

[André] Eu acho que se isso tivesse a acontecer, provavelmente faríamos parte de um colectivo maior de bandas ou de amigos. Eu sei quais são os projetos que estás a falar, mas pessoalmente não conheço nenhum deles. Não sinto que exista um movimento.

[Afonso] Ainda está um pouco disperso se calhar. Eu penso que houve um fenómeno há cerca de uns três ou quatro anos em que o pessoal saído das escolas de jazz começou a perceber que também podiam fazer discos como se fossem uma banda de rock, ensaiar e fazer malhas. Isso ainda é uma coisa recente. Eu percebo que agora hajam mais bandas de fusão de jazz a aparecer, mas ainda é um bocado a escala portuguesa. 

[André] Eu julgo que isso também é fruto das tendências, do que aparece aí agora. Ainda não é nada organizado, ainda é muito bandas por bandas. 

[Afonso] Esperar mais um pouco que a coisa cresça.

[André] Era um lineup de festival muito porreiro. Olha: [fica a ideia] para o Rimas e Batidas.

Digo isto porque a ideia que tenho é que até há pouco tempo a fusão era algo que não existia em Portugal. Não desta maneira, onde de repente começas a ver projetos a usarem esse caminho e a terem um público. Isto a expor-se para lá do universo jazz.

[André] Eu acredito que um músico naquela tentativa de criar música nova, algo que o preenche e que compila um pouco as suas influências e dos seus colegas, vê a fusão como estilo [que] acaba por ser uma boa ferramenta, porque implica se calhar fazer coisas que não está habituado, a ouvir e experimentar tudo junto, e se calhar daí surgem malhas e ritmos diferentes. 

[Alexandre] É uma cena meio natural o que acontece. Já há muitas coisas da fusão antiga, agora são outro tipo de fusões.

[Afonso] Eu, quando penso em fusão, penso em Pat Metheny. 

[Alexandre] Exacto, mas hoje em dia esse conceito de fusão já é fusão de outras coisas, já não é só o progressivo com o jazz, já há outras cenas. Com isto da globalização, a malta ouve outras coisas, e conhecem ainda mais, antigamente nem todas as pessoas tinham acesso a tudo. Se calhar há coisas que as pessoas não estão à espera de gostar e que gostam. Como malta do hip hop que afinal gosta de jazz.  

Não sentem que o aparecimento do Bruno Pernadas, acabou por ajudar nisso?

[André] Eu não senti.

[Alexandre] Eu penso que veio mais de fora até. Loosense, não sei se conheces. É fixe, é uma banda que merecia muito mais atenção. É uma fusão, diferente da nossa e também diferente do Bruno Pernadas. Mas, sei lá, estou agora a lembrar-me mais de BadBadNotGood, aquilo bombou a certa altura, aquilo explodiu e era cotado como jazz, mas aqui era outra fusão.

[Afonso] A linguagem era jazz, mas o género era outra coisa, as pessoas confundem muito isso. Um puto que sai do Hot Clube ou que sai de uma outra escola de jazz, é essa a linguagem musical que tem, não é clássica, não é rock, nem é metal. Não quer dizer que faça obrigatoriamente jazz, é a música dele, o que ele faz é que é jazz, ele pensa em acordes, numa progressão de acordes, em modelação, em que notas pode tocar, que truques tem na manga. Isso torna a música jazz, o género musical não é apenas o lado audível. Se tirarmos a “PICHELEIRA”, que é uma malha de swing, o nosso disco fica jazz? Não, não vai soar a jazz, mas fica: a concepção das músicas é feita da mesma maneira que o Dizzy Gillespie teria feito uma música qualquer quando era vivo.

[Alexandre] Mas com umas influências mais actuais. Eu acredito que é uma evolução muito natural. É a malta ouvir outras coisas. Antigamente a malta que saía do Hot Clube só ouvia jazz, agora ouvem outras coisas, a malta é open mind. Acho que é um bocado uma abertura da sociedade e não tanto pegar em algo de uma pessoa porque pareceu fixe. 

Acham que derivado a esse lado open mind que referiram, este é um período mais próspero para a vossa existência do que seria, por exemplo, há uns cinco anos? Em termos de reconhecimento, pelo menos.

[Afonso] Isso é uma boa pergunta. Na verdade, não sei. 

[André] Gostava que tivesse acontecido antes, porque já estávamos a tocar, que é o que mais gosto de fazer, e não estávamos com as condicionantes que agora temos, das pessoas separadas e dos concertos às pingas.

[Alexandre] Acho que é verdade que a malta está mais open mind agora, mas gosto de pensar que sim, que também ia ter alguma audiência.

[Afonso] Eu acho que sim, se é fresh agora, suponho que há cinco anos seria quase de certeza.

[Alexandre] Ainda era mais. 

O vosso álbum acabou agora de ser editado, no período mais crítico da pandemia. Como se estão a relacionar com este momento? Para mim, o mais assustador é imaginar que ainda podemos só estar a meio.

[Afonso] É isso. É isso que dizes. O mais assustador, para mim, é a incerteza, é ninguém saber quando é que as coisas recomeçam, ou acabam, ou quando voltas aos concertos normalmente. Se eu soubesse que dia tal, volta tudo ao normal, como era antes de Março de 2020. Mas ninguém sabe, isso é que me esta a afectar imenso, e para o nosso projeto só teve consequências negativas. Nós escolhermos a pior altura para lançar. Ou melhor. Decidimos não esperar mais tempo.

Por acaso é interessante: de todos os projetos com que falei e que toquei neste ponto do Covid-19, todos eram já estabelecidos, mas convosco difere, nascem mesmo em período de Covid. E a forma como isso vos afecta se calhar é diferente de outros projetos vossos.

[Afonso] Os Galgo deram agora um concerto.

[Alexandre] Ya, tocámos agora na Casa do Capitão, mas foi só um concerto também, já lançamos o álbum há muito tempo. 

[Afonso] Eu penso que muda um pouco o jogo, e que temos de saber nos adaptar. Imagino que muitos artistas que faziam música para ser tocada ao vivo [esteja] a mudar porque se calhar agora, de repente, compensa mais fazer álbuns introspectivos, não para ser tocado ao vivo mas simplesmente para se ouvir em casa.

O vosso projeto até tem um certo dinamismo e capacidade para viver online. 

[Alexandre] Sim, mas não sei. Já nem é tanto pela estética, mas mais pelas pessoas. Nós queremos é tocar ao vivo.

[Afonso] O projecto surgiu para se curtir ao vivo. Nós já tínhamos outros projetos, e vamos ter, mas queríamos que este fosse aquele projeto para curtir, espontâneo e sem grandes stresses.  Só queríamos poder tocar ao vivo e que fosse uma boa experiência, pois às vezes tocar ao vivo é uma má experiência, sabes? Só queremos tocar e curtir, mas claro que queremos que as pessoas gostem do álbum. 

[Alexandre] Mas também temos tido outras ideias para fazer online. Vamos gravar um live, criar algum conteúdo, já pensámos em outras produções, algumas colaborações, não é a mesma cena, mas já temos algumas possibilidades de fazer alguns concertos ao vivo, mas ainda com aquelas restrições.

[Afonso] Temos mais umas datas alinhadas, mas ainda não estão divulgadas. É tudo incerto, por isso é que ainda não divulgámos. 

Há ideias assim para o futuro que podemos divulgar?

[Afonso] Posso dizer, seguramente, que temos já alinhado uma segunda edição deste álbum, mas numa versão remix, feita por vários produtores nacionais e até estrangeiros. Falei com alguns no Instagram, à toa, e gostaram muito. Ainda não é algo que podemos dizer definitivamente que vai acontecer, mas é muito provável que sim, que vá acontecer. São nomes que não posso revelar, mas há desde nomes que apoiaram desde o início do projecto, a outros que as pessoas já conhecem, produtores antigos, outros recentes. Vai ser fixe. E temos uma ideia de gravar o tal live, com músicas que ainda não estão editadas, mas que vamos apresentar já ao vivo neste concerto no Núcleo A70. Há um colectivo, uma espécie de produtora que é a Dente por Dente, que também está a começar. É uma iniciativa deles, vamos gravar em conjunto, provavelmente terá um lançamento no Bandcamp. Possivelmente serão três ou quatro músicas em versão live

Vocês já pensaram em fazer algo para o Twitch, por exemplo, devido à vossa relação com o universo dos videojogos? 

[Alexandre] Isso por acaso era grande ideia.

[André] Eu já pensei nisso, de uma forma ainda muito abstracta, por causa de um baixista que eu gosto, que também é gamer, mas sim é uma boa ideia. Tenho de entrar na plataforma e ver um bocadinho como aquilo funciona. Estou um pouco às cegas com aquilo.

[Alexandre] O Ferrari (Francisco Ferreira dos Capitão Fausto) também está a fazer coisas para lá, e aquilo está a bombar bastante. 

[Afonso] Há produtores tipo o Timbaland que fazem beats no Twitch, isso é grande cena, por acaso. Apanhei isso no YouTube.


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