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Fotografia: Lydie Barbara
Publicado a: 27/04/2022

Sons da cozinha.

Xinobi: “A escrita do Balsame e de algumas canções que fiz durante a pandemia foram uma salvação emocional para mim”

Fotografia: Lydie Barbara
Publicado a: 27/04/2022

Não se pode propriamente dizer que Bruno Cardoso – no universo da música, conhecemo-lo mais por Xinobi – tenha estado parado nos dois últimos anos. O DJ e produtor tem sido – podemos dizer – prolífico, talvez a palavra mais certeira e que melhor resume o período criativo do artista desde Março de 2020. 

A saber: múltiplos singles e remixes, inúmeras colaborações com compinchas habituais e outros novos, uma compilação (A Collection of Xinobi Dance Songs), dois curta-durações — Lacuna (com o DJ e produtor alemão Matthias Meyer) e Morangos –, e uma edição alargada de On The Quiet, o último longa-duração do artista, lançado em 2017. 

A palavra “último”, contudo, já se encontra desatualizada acima, dado que no passado dia 8 de Abril, Xinobi deu a conhecer ao mundo o sucessor de On The Quiet: Balsame. Se On The Quiet era um disco introspectivo, muito pessoal, Balsame é quase a outra face da moeda, sendo um trabalho que transporta na música – dançável como sempre nos habituou – temas como a multiculturalidade, a noção de comunidade e a emancipação da mulher. Não é à toa que as contribuições vocais em Balsame são todas de vozes femininas: Meta_, Alem-i Adastra, Margarida Encarnação (sim, a voz de Elsa na dobragem portuguesa de Frozen) e Arâm.

Para entendermos o que mudou, o Rimas e Batidas apanhou o co-fundador da Discotexas para uns quantos dedos de conversa no rescaldo da sua primeira passagem pela Índia.



Regressaste recentemente da tua primeira passagem pela Índia. Como é que foi essa experiência?

[Suspiro] Ainda estou a recuperar! Foi muito cansativo porque foi em modo tournée, ou seja, andei a saltar de cidade em cidade. Sensorialmente, foi super rica, mas, ao mesmo tempo, super intensa devido a estar constantemente a levar com uma realidade à qual não estamos habituados. Um misto de beleza absoluta, espiritualidade incrível, com pobreza extrema. Ou seja, é o país com mais contrastes que já vi, acho eu. Mas é um país especialíssimo. E depois, pronto, temos a cena gastronómica: uma das coisas que tinha mais curiosidade era perceber se a comida indiana que vamos comendo aqui em Portugal era realmente fiel ao que se come na Índia, e apercebi-me quais os restaurantes a que já fui em Lisboa e no Porto, por exemplo, que são fiéis. [Risos]

Acho que fez todo o sentido começar esta entrevista com uma pergunta sobre uma experiência tua com uma outra cultura – neste caso, relacionada com a tua visita à Índia –, porque o Balsame é um disco que transpira multiculturalidade, comunidade e inclusão. O que é que te inspirou a fazer um trabalho com essa mensagem e atmosfera por trás?

Eu não procurei fazer um trabalho desta maneira ou fazer um trabalho com multiculturalidade, como lhe chamaste. Eu comecei a desenvolver o Balsame um bocadinho antes da pandemia e fiz três ou quatro músicas que achava que se enquadravam bem umas com as outras. Daí, parti para a ideia de se calhar fazer mais umas quatro, cinco, seis, neste registo e ficava com um álbum. Acontece que essas músicas eram muito… Tinham muita influência, por exemplo, do México, da Turquia, de algumas coisas portuguesas que aprendi e alguma da música portuguesa que explorei, por exemplo, com o tema que fiz com a Gisela João. Quando fiz o “Fado Para Esta Noite”, houve ali algumas melodias e umas escalas harmónicas que, digamos, aprendi, e que comecei a usar também na música que faço. E de alguma maneira, naturalmente, a cena foi evoluindo para o que o Balsame ficou. Não foi premeditado pensar que ia ter um disco onde a língua inglesa não existe ou que ia ser só cantado em línguas menos comuns na música electrónica. Foi acontecendo. Como em todos os meus discos, primeiro pode haver até um conceito inconsciente — ou seja, pode haver uma ideia na minha cabeça que ainda não está super definida –, e que depois até ao fim da produção do disco acaba por se transformar numa espécie de obra completa, coerente, homogénea, de alguma maneira que faça sentido. Que não seja só — neste caso — 10 canções dispersas.

Falas dessa questão de os teus discos serem uma obra completa e tanto em 1975 como em On The Quiet – principalmente no segundo –, isso nota-se. Mas, por exemplo, o On The Quiet é um disco que é muito de dentro para fora, muito introspectivo e pessoal. Pelo contrário, este Balsame é algo que soa como se surgisse de fora para dentro. O que é que aconteceu para se observar esta mudança entre estes trabalhos? Muita coisa pode acontecer em quatro anos e acho que aconteceu [Risos]

[Risos] Mais uma vez, acho que não era nada assim premeditado, mas é provável que seja uma espécie de… Se calhar foi tentar equilibrar. Se o On The Quiet foi tão especial, tão íntimo, se calhar a minha cabeça puxou-me para fazer uma cena mais colaborativa, mais aberta, mais ampla, menos escura, menos sonhadora e mais… Este disco [o Balsame] é mais sonhador no sentido utópico, de sonhar com algo mais fixe. O outro disco [o On The Quiet] era mais o sonho mais freudiano, uma cena mais do subconsciente. Agora, provavelmente o facto de ter havido uma pandemia pelo meio fez com que eu tivesse saudades de trabalhar fora da minha caixa, fora da minha zona de conforto. É muito difícil explicar isto porque… Já não és a primeira pessoa que pergunta porque é que o On The Quiet é super introspectivo e o Balsame não. O On The Quiet era um disco que partia de uma história mais pessoal e apontava para fora, ou seja, era uma visão pessoal do mundo, era a minha história e a forma como eu me desenvolvi para o mundo. O Balsame não. O Balsame é uma coisa do mundo. Já é mais outras pessoas. Não tem tanto o meu íntimo, já é uma coisa mais aberta. As histórias contadas são por outras pessoas. Quem as canta, não houve uma pressão – não é que tenha havido uma no On The Quiet –, mas [no Balsame] quis meter um bocadinho menos o dedo nas colaborações e nas pessoas que colaboraram comigo. Não é que nunca tenha dado liberdade, mas houve mais abertura para qualquer interpretação que viesse do outro lado.

Referenciaste aí que houve mais abertura da tua parte para as colaborações neste disco. Na última entrevista que conferiste ao Rimas e Batidas, dizias que eras “meio control freak, mas adoro trabalhar com outras pessoas”. Essa tua noção de control freak mudou durante a criação de Balsame?

Eu sou control freak à mesma, mas há coisas que estão fora do meu controlo [risos]. E se calhar tive sorte! Ou seja, todas as colaborações que fiz aqui [em Balsame] correram bem imediatamente e, portanto, o meu act de control freak se calhar não foi extremamente necessário. Não foi preciso chegar e pensar “Não, isto está a sair completamente fora do que eu desejava, do que eu via ou imaginava. Não pode ser”. Não, aqui [no Balsame] foi do estilo… O que surgiu fiquei logo “wow, isto é mesmo fixe. Se calhar não é o que eu estava à espera, mas e então?” Porquê ceder sempre às expectativas que temos e não abraçar as expectativas que outros criaram sobre o trabalho que estamos a dar, percebes? Por isso, é um bocado assim. Continuo control freak absoluto e quero sempre que o resultado final tenha passado sempre por mim, sempre pela minha revisão, mas aprendi com este disco que por vezes isso não é necessário. Se colaborares com alguém com quem ganhes confiança quase absoluta, essa pessoa vai-te surpreender e tu não vais precisar de controlar nada. No fim, vais só retocar para a cena ficar perfeita.

As colaborações que apresentas para este Balsame são todas vozes femininas: Meta_, Alem-i Adastra, Margarida Encarnação e Arâm. Esta forte presente feminina tem algum significado extra no contexto do disco? Por exemplo, as duas músicas com a Meta_ [“La Tormenta” e “Mujer”] emanam muito a ideia de emancipação da mulher.

Eu quando abordei a Meta_ para trabalhar referi logo que uma coisa que podia ser fixe explorar era precisamente a emancipação da mulher porque este disco, o Balsame, fala… O conceito que eu vejo por trás deste disco, que depois foi um bocado alargado pelas pessoas que cantaram nele — pelas mulheres que cantaram no disco –, era sobre olhar para o mundo. Olhar para o que há de mal no mundo e tentar, através de todas as utopias que conheçamos, todos os sonhos, mudar para uma coisa melhor. Transformar o mundo em algo mais justo, mais sereno, mais belo, mais bonito, mais limpo, mais equilibrado. Nisto tudo, é necessário, por exemplo, que o papel da mulher seja equiparado, ou até, na minha opinião, às vezes, sobreposto ao do homem [risos]. Às vezes digo que os homens já fizeram tanto disparate que se calhar as mulheres é que provariam a importância que têm. Por serem nossas mães, nossas irmãs, nossas filhas, nossas avós, nossas bisavós – o que seja. Anyway, é verdade que o facto de serem as intervenientes que dão voz ao disco serem mulheres é algo importante no disco precisamente por isso. Acho que grande parte da mensagem deste disco seria sempre mais bem traduzido na voz de uma mulher e da perspectiva de uma mulher do que propriamente da de um homem. E as músicas com a Meta_ são quase dedicatórias ao sufrágio feminino, à emancipação da mulher, através de um modo mais espiritual. A Meta_ é muito espiritual. 

A Meta_ no seu trabalho a solo explora essa componente espiritual e do folclore português de uma forma muito interessante.

Exactamente. Ela traz muito a cena mágica, quase esotérica, digamos, para uma cena mais urbana. Eu imagino muito a Meta_ como alguém que acende uma fogueira ao lado de um grafitti.

[Risos] Disseste que tinhas começado a criar músicas para Balsame ainda antes da pandemia, mas grande parte do álbum foi criado já durante a pandemia de Covid-19. As colaborações deste disco ocorreram, então, à distância?

Maioritariamente foram feitas à distância, sim. Usando a Meta_ como exemplo: eu conheci-a num festival, ali num momento relativamente aberto de 2020 — acho eu que foi 2020 porque ainda houve uns pequenos eventos e depois o país voltou a fechar. E fizemos as músicas juntos e foi à distância. Enviei-lhe um instrumental, ela gravou em casa muito modestamente com um microfone que tem e enviou-me centenas de ideias — tantas ideias que consegui não só fazer a música que lhe enviei, como ainda fiz outra a partir do “excesso” que ela mandou para a outra música. E, mais tarde, tivemos a sorte de ir gravar com mais condições o que já tínhamos feito à distância. Mas maioritariamente, as colaborações são feitas à distância. Por e-mail, por WhatsApp, por Zoom. Foi um bocado assim, até porque deixei de ter estúdio durante um ano e meio. Nem sequer havia essa hipótese de ter condições mesmo dignas de gravar. Pronto, e mesmo alguns instrumentos, como o baixo que o Vasco [Cabeçadas] gravou, também foi a partir de casa dele, se não estou em erro. São coisas que, felizmente, são possíveis de fazer hoje em dia, com a tecnologia que temos ao dispor.

Sobre essa questão de não teres estúdio durante um ano e meio, li o rundown da tracklist de Balsame que fizeste para a revista Magnetic, e contavas lá que durante esse período sem estúdio tiveste um estúdio improvisado na tua cozinha. Como é que isso funcionou?

É verdade. Basicamente, em casa não tinha espaço… Quer dizer, tinha espaço, por exemplo, para pôr na sala ou no escritório, mas isso depois implicaria estar a azucrinar a cabeça à minha mulher [risos]. Então, a cozinha é aquele sítio onde vais cozinhar e não incomoda tanto e acabei por meter lá num canto. Aquilo tinha assim um cantinho que funcionava, às vezes, como sala de jantar, e pus lá o computador do estúdio, uns monitores assim meio reles, e acabava por fazer tudo com os phones porque a acústica daquilo era de bradar a céus. [Risos] Aquelas casas antigas de Lisboa de madeira… Muito mau. Mas pronto, foi um sítio onde fiz alguma magia ainda [risos].

O que é gravaste nesse estúdio improvisado para Balsame? Houve alguma faixa que foi criada e gravada nesse ambiente?

Por exemplo, a música do disco que fiz na totalidade lá [na cozinha] e que é bastante orgânica e acústica, digamos, com instrumentos “a sério”, foi o tema que fecha o disco [“A Beatless Finale”]. E gravei em casa a guitarra eléctrica, baixo, os sintetizadores, algumas percussões. Ou seja, quando eu digo um estúdio na cozinha, não era um computador e umas colunas. Tinha lá as guitarras, um microfone, uma data de coisas. Eu acho que 70% do disco deve de ter sido feito ali.

Um disco feito numa cozinha é um nível de Do It Yourself (DIY) muito interessante.

É mesmo. [Risos]



Para fechar esta questão das colaborações, o Justin Stanton, dos Snarky Puppy, colabora em duas faixas de Balsame: a “Amor Cego” e a “Slow Motion”. Como é que surgiu essa colaboração e como foi trabalhar com ele?

Ele é namorado da Gisela João, que morava a 50 metros de mim, e uma vez mandei uma música à Gisela para ver se ela cria participar. Só que, pronto, agendas complicadas, tanto a dela como a minha, e acabou por não acontecer. Mas eu senti que houve um interesse do Justin. De alguma maneira, ele olhou para a música e disse, “se um dia precisares de uns sopros, fala comigo”. Eu nem liguei muito na altura, achei assim um bocado que ele estava só a mandar para o ar. E um dia pensei, “vou-lhe falar”, e disse: “Olha, aquela vez que falaste dos sopros, de gravar qualquer coisa, era mesmo a sério?” “Ya, ya”. Pronto. Então, a primeira coisa que se gravou no estúdio novo que tenho com o Moullinex foram os sopros deste disco. Não tínhamos ainda material nenhum lá. Tínhamos umas paredes com acústica já relativamente tratada, o meu computador, uma placa de som, um microfone e o Justin a tocar por cima de trompetes que eu já tinha feito com samples. E posso-te dizer que o estúdio ainda não tinha portas, estava bué frio, que foi tipo em Janeiro ou assim, estávamos a morrer de casaco. Mas foi a primeira coisa que foi gravada nesse estúdio [risos], com as condições que dava. Mas foi incrível. Chegamos à conclusão de que eu não consigo perceber bem o mundo da música dele — porque ele é um músico treinado e com escola, que é algo que eu nunca tive –, e ele olha para mim como um alien a fazer música no computador. Diz que também não percebe, não consegue ainda compreender, como é que funciona. Foi muito interessante.

Engraçado esse sentimento entre ambos, porque depois nas músicas essa colisão de mundos funciona bem.

Funciona super bem.

Há uma faixa de Balsame que tenho muita curiosidade em saber como foi criada: “Başa Bela”, a canção com a Alem-i Adastra. Ando viciado nela desde que saiu como single e acho que tem uma sonoridade muito singular na tua discografia, com uma atmosfera muito mediterrânica e um som mais “oriental”. Qual foi a história por trás desta faixa?

Este é um dos instrumentais que já tinha começado no final de 2019 e a primeira vez que, inclusive, o toquei foi numa tentativa de tentar fazer um live act, e vou explicar porque foi uma tentativa. Eu tentei fazer um live act sozinho. Era só eu com guitarra e alguns elementos electrónicos, com as minhas músicas a tocar, mas eu mais agarrado à guitarra e algumas partes de voz. E não achei nada daquilo divertido. Mas isto é para introduzir o quê? Nesse concerto onde eu fiz esse live, ela [a Alem-i Adastra] tocou antes de mim, e o live dela era semelhante. Era ela com o computador e cantava por cima. E eu já a conhecia como DJ, e de repente vejo-a a cantar e fiquei arrepiado em alguns momentos. Então, pensei: “Eu acabei de tocar um instrumental aqui que ia ficar incrível com a voz dela”. E enviei-lhe e ela ficou super contente. Gravou aquilo de um dia para o outro, enviou-me e ficou aquela música que eu acho linda. Agora as melodias árabes ou mediterrânicas [risos], como tu dizes, não sei, já lá estavam antes. Eu até acho que a parte da guitarra, por exemplo, considero-a bastante mais latina do que propriamente do Médio Oriente, mas eu percebo. A vibe misteriosa e quase xamânica, mais a voz em turco, obviamente que nos manda para o Médio Oriente à grande. E lá está, eu fui à Turquia bastantes vezes e obviamente que toda a cultura musical que aprendi lá deve de estar aqui gravada no meu cérebro e que já a transportei para as coisas que faço.

Há pouco mencionaste a questão da espiritualidade neste disco, e há dois anos contavas ao Rimas e Batidas que gostavas de “fazer música que me tente curar a alma, que me ajude a exorcizar os problemas do dia-a-dia para dar espaço à minha mente para reconhecer o melhor e o pior do presente”. Isto foi algo que se acabou por manter em Balsame?

Sim. Aliás, toda a música que fiz durante a pandemia foi. A começar pelo On The Quiet, outra vez. O On The Quiet tem muita aquelas paisagens, aquela cena muito etérea muitas vezes, que é quase… Apesar daquilo ser música de dança, se tu ouvires em casa, tem quase algo de downtempo e chill-out, apesar de não ser nem downtempo nem chill-out. Acalma, de alguma maneira. Muita da dinâmica espiritual começou no On The Quiet precisamente por isso. Eu queria acalmar um bocado a minha cabeça porque andava com picos de ansiedade gigantes, que perduraram até 2019/2020, e que foi com precisamente com a pandemia que consegui compreender de onde é que vinha essa ansiedade, ou pelo menos, conseguir controlá-la um bocadinho mais. E tenho a certeza que toda a música que eu fiz em 2020 – incluindo o Balsame –, foi parte dessa… Não é dessa cura, mas dessa aprendizagem, digamos. Inclusive, eu fiz uma música durante a pandemia que era uma meditação [“The Moment”]. Uma clássica meditação. Na altura foi a IVY que fez, a falar, respira, fecha os olhos, pensa, tem confiança em ti, não te lembres de quando eras, por exemplo, gozado ou qualquer coisa, porque tu tens muito valor. Esse tipo de coisas. Para mim, a escrita do Balsame e de algumas canções que fiz durante a pandemia foram uma salvação emocional. E eu associo essa salvação ao desenvolvimento da espiritualidade – da minha, por certo.

Funcionou, então, como terapia todo esse processo?

Sim, sim. No fundo sim, apesar do Balsame não ser dedicado à minha terapia, à minha [cura]. Não há cura também que eu não curei nada, mas imagina que é uma cura, apesar de ser a cura da minha cabeça, [o Balsame] não era virado para aí [risos].

Tu o ano passado lançaste uma versão alargada do On The Quiet. Alguns “restos” deste Balsame poderão ficar para uma versão mais alargada do disco no futuro? Se existirem, claro.

Eu tenho montes de “restos”, tenho [risos]. Mas lá está. No caso do On The Quiet, tinha mesmo uma pasta chamada On The Quiet, que tinha centenas de temas começados. E eu tive muito tempo durante a pandemia – mais tempo que o normal, não é -, e fui revisitar essa pasta e havia lá uns quantos [temas] que pensei: “O que é isto? Porque é que não pus isto logo no original? Porque é que isto ficou de fora? Porque é que eu não desenvolvi?”. Depois, abria os projetos e eles já nem abriam bem por causa de updates que fiz e de software que deixou de funcionar. Portanto, há ali músicas que nunca ficaram 100% fechadas, mas achei bem o suficiente para as editar. Não sei se o Balsame tem tantos tesouros à volta, mas é capaz de ter. Não sei se vou repetir a experiência de fazer um expanded porque o expanded do On The Quiet teve muito a ver com o tempo que a pandemia me ofereceu. Tempo livre, digamos. 

Tempo livre para explorar os deep cuts dos deep cuts.

Exacto! Mas estou a falar mesmo de deeps cuts. Eu tenho muita coisa ainda que podia pensar em rearranjar, mas mais vale não. Há uma pasta muito grande. E eu tenho uma pasta da altura do Balsame que se chama Sons da Cozinha [risos] com muita coisa. [risos] É uma pasta que existe. Está lá o Balsame inteiro e mais umas duas centenas de inícios de músicas.

Sobre esta questão da pandemia… És co-fundador da Discotexas e imagino que estejas envolvido no dia-a-dia da logística da editora. Como é que foi gerir as expectativas em tornos dos lançamentos da Discotexas durante estes dois últimos anos de situação pandémica?

É assim, quando a cena fechou, eu sentei-me com o Luís [Moullinex] e pensámos mesmo: “Vamos parar”. Porque estávamos a pensar se lançar o tipo de música que lançamos fazia algum sentido num momento em que a sociedade não se pode mexer fora de casa, ou seja, não podia haver gatherings humanos, comunhão de pessoas a dançar. Não podia haver nada disso. Será que valia a pena lançarmos música nossa? Será que havia interesse? Nem pensávamos lançar, mas depois até criamos um flow de lançamentos muito mais consistente e muito mais organizado do que antigamente, antes da pandemia. E na verdade, creio que o modelo actual da Discotexas foi esboçado e desenvolvido durante a pandemia. Durante os tempos mais graves na pandemia, continuámos a lançar música. Os artistas com quem costumamos trabalhar acharam que era pertinente continuar a lançar música. E houve mais tempo para ideias, para fazer On The Quiet expandidos, colocar cá fora músicas que se calhar eram mais difíceis de editar num contexto não pandémico, experimentar mais coisas. Fazer streams. E eu odeio dizer isto, mas a pandemia foi super fixe para algumas coisas da Discotexas.

Referenciaste na tua resposta a comunhão de pessoas na pista de dança. Sentes que existem diferenças entre a comunhão que ocorria antes da pandemia e aquela que ocorre agora?

O que tenho sentido assim de diferente é que, e espero que seja uma coisa que se mantenha, é que a presença e a vontade de estar presente e de usufruir de um espetáculo, de um DJ set, de estar só junto com os amigos… Ou seja, usufruir de momentos de comunhão, de momentos de ajuntamento. Hoje parece-me ser algo muito mais valorizado por toda a gente. Acho que termos tido a cena de termos as coisas dadas por garantido antes da pandemia e, de repente, cortaram-nos as pernas mesmo assim à grande, ensinou-nos isso. Não sei se é uma coisa que vamos desaprender outra vez. Espero que não porque, como artista, então, emocionalmente, hoje em dia ver uma pista de dança é substancialmente superior a energia que eu sinto da receção das pessoas e, consequentemente, a minha entrega é substancialmente maior do que 2018 e 2019. Espero que assim se mantenha. É bom que nos lembremos para sempre de que isto pode se varrer rapidamente.

Chegámos, então, à última pergunta. O que é que se segue agora para a vida deste Balsame? Há planos para o apresentar ao vivo?

Há, sim senhor. Vou fazer alguns concertos. Sendo um disco tão orgânico e com tantos instrumentos mais fora da electrónica e tendo eu já feito alguns lives, este disco, de alguma maneira, sinto que me obriga a fazer concertos. Obriga não no mau sentido, mas acho que faz muito sentido. Então, vou ter concerto em Lisboa, Porto, Aveiro, Leiria, um em França num festival. Para já, é isso que eu tenho e as datas ainda estão meio definidas. A única que está mesmo marcadíssima, no Porto: dia 13 de Maio. E depois obviamente, DJ sets, onde eu incluo sempre músicas em que a estética, de alguma forma, se enquadra no Balsame. Eu estarei sempre a defender este disco até me fartar dele [risos].

Quando te fartares, vem o próximo?

Exactamente [risos]! E será que ainda vale a pena fazer álbuns? Isso é uma questão que várias vezes me coloco, mas depois acabo sempre por cair na cena de o fazer.


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