pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/11/2022

Um sensei nas artes da música e da paciência.

Wake Up Sleep: “A dúvida faz parte da criatividade. A certeza é que não é nada criativa”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 15/11/2022

Não é dos mais veteranos em cena, mas também não anda cá há apenas dois dias. Wake Up Sleep já leva o tempo suficiente nisto para saber como se mover pelas próprias pernas, ao mesmo tempo que vai carregando uns quantos às cavalitas, proporcionando-lhes condições e oportunidades que ele mesmo nunca teve durante os seus primeiros anos enquanto produtor. “Eu sou só um. Não sou um polvo”. Conta-nos no início de uma entrevista que decorreu no seu home studio, por um lado cansado dos inúmeros papéis que se vê obrigado a desempenhar para manter a Slow Habits a rolar, por outro bastante orgulhoso dos vários degraus que tem vindo a subir ao longo jornada e do ecossistema que se formou em torno da editora. Esta quinta-feira, dia 17 de Novembro, atinge mais um importante marco com a estreia no Lux Frágil através da festa Labanta Braço.

Entre o amadurecimento musical — confessou estar vidrado em novos projectos de jazz, como DOMi & JD BECK, e o quanto tem aprendido com eles em termos de tonalidades e acordes — e os vários upgrades que o seu habitat artístico foi sofrendo para acompanhar as suas exigências técnicas — do computador aos samplers e teclados —, foram várias as reflexões feitas por Cláudio no decorrer desta longa conversa, das quais destacamos as seguintes:



[Slow Habits]

“Considero isto uma editora, mas também considero isto um um colectivo e uma marca. Vejo a Slow Habits maioritariamente como um movimento. Há todo um diálogo que é necessário para fazer algo surgir e isso tem de ser através de um movimento. Quando digo ‘movimento’, falo em algo que vai e volta — as pessoas falam umas com as outras e se alguém tem uma ideia, partilha-a com o resto. Isto é um trabalho colectivo, cuja finalidade — formalmente falando — é a de servir como uma editora. Nós correspondemos a certos módulos que as editoras usam há dezenas de anos — a distribuição, enviar a música para as plataformas. Se nós não editássemos e isto fosse só uma cena que só se fizesse em live, em eventos, se calhar já não faria tanto sentido chamar-lhe de editora. A Slow Habits tem a mesma de outras editoras que eu acompanhava, como a Blunt Records, a Souletiquette, a Soulection ou a Monster Jinx. A Monster Jinx foi uma grande influência e nós até tivemos aquele meeting com eles, há uns anos, quando mudámos o nome para Slow Habits.”

[Trabalho para uma pessoa só]

“Fui eu que fiz quase todas as capas para os trabalhos que lançámos, até porque tenho a cena de Phlowgraphy. Também faço vídeos — estou a fazer uns para a Lily Kashunattsu agora. É inevitável, porque não consigo recorrer a terceiros. Eu não tenho capacidade monetária e, se quiser que alguém me faça uma coisa bem feita, vou querer recompensar essa pessoa da maneira certa. Sujeito-me a mim a fazer essas coisas. Sou auto-didacta e sempre tive ligado às artes. Antes de fazer música, eu desenhava e fazia graffiti, entre outras coisas. Isso ajudou-me na cena do visual. Faço a gestão de tudo — dos lançamentos, do site… Não digo isto para me gabar. Eu quero mesmo que esta estrutura exista, tanto para eles como para mim, porque quando comecei essa estrutura não existia. Falo muito com eles sobre isso.”

[A logística das compilações]

“O que tu vias nessas compilações era a ‘fome’. Havia essa ‘fome’ de juntar toda a gente e algumas das compilações eram abertas. A questão agora é que eu tenho de gerir muita coisa. Por mim, fazíamos mais compilações, várias por ano. Nas Som De Um Hábito, por exemplo, fui eu a escolher as pessoas que participam. Enquanto em outras, como a Bending ou a Breaking, foi só dizer ‘bora, pessoal!’ Houve uma delas que teve muitas faixas, até mesmo de malta que eu não conhecia. Isso foi uma maneira de eu conhecer bué produtores. Mas também comecei a sentir uma cena moral que acho importante de falar, dado a posição que ocupo: eu não gosto de criar buzz para dar atenção à label e eu sei que juntar muitas pessoas dá sempre bué buzz. Não era isso que eu queria, necessariamente. Eu queria era reunir pessoas da área para trabalhar com elas. Na Som De Um Hábito eu consegui fazer isso melhor. Juntámos agora um grupo mais pequeno. Mas há sempre pessoas que estão mais presentes que outras. Isso faz-me reflectir novamente sobre a longevidade das compilações, naturalmente. Se eu estou a reunir pessoas para trabalhar mas depois nem todas estão, torna-se difícil o trabalho ser bem feito. A minha ideia de compilação vem um bocado inspirada pela da Dreamville. A forma com eles fizeram as coisas, juntos em estúdio. Teve de haver uma reavaliação das pessoas, porque uma compilação não pode ser apenas um conjunto de músicas. As compilações são uma forma que eu arranjei para trazer as pessoas ao estúdio. ‘Se és da zona, tens de aparecer!’ Eu tenho feito um esforço para que as coisas aconteçam mais nesses moldes. Olha o que a Jazzego fez agora, com a Granito. Viste como é que eles trabalharam? Eles juntaram-se num estúdio, usaram bem o budget, convidaram os artistas… Divertiram-se à grande, aposto. As compilações abrandaram por causa desse processo de selecção, mas para o ano já estamos a planear várias coisas nesse sentido. Já nos surgiram várias ideias.”

[A crescer lentamente (e sempre em grupo)]

“Nós não podemos eliminar os processos de aprendizagem só porque somos adultos. Isso é bué arrogante, quando se acha isso da vida. ‘Tu não aprendeste tudo, não. Falta muito’. Nós estamos sempre nessa dúvida. Todos. ‘Será que isto está bom?’ Estamos todos assim e eu gosto bué de ver. Porque isso é que é criatividade! A dúvida faz parte da criatividade. A certeza é que não é nada criativa. É bom ter certezas e há verdadeiros génios com certezas megalómanas que fazem todo o sentido. Mas isso não é para todos. Num colectivo, tem de haver um ego death à porta [risos]. O ego tem de ficar lá fora.

Eu tenho visto as pessoas a crescer. Nos últimos anos temos tido meetings quase todos os domingos. Durante a semana, às vezes juntamo-nos no Discord. Há um que ’tá a misturar, outro a produzir. O Dualus faz muito isto: aparece no Discord, começa a produzir e nós ficamos a acompanhar. Quando chega a noite, ele já tem o beat praticamente feito. Ficamos tipo, ‘what the fuck?’ Ele é bué rápido.

Neste momento, eu estou a fazer música a pensar neles. Do tipo, ‘eu quero que eles ouçam e que estudem’. Eu quero estudar com eles. Tipo, ensinar-lhes que ‘isto é um compasso 3/4’ e ver a reacção deles.”

[Autenticidade na música]

“Há certos tiques que tu começas a notar. Vontades estranhas. Na Slow Habits, dizemos sempre isto: ‘Sê tu!’ Quando digo ‘tu’, estou a dizer para corresponderes à tua natureza biológica, pelo menos. A música tem essa parte biológica à qual é preciso dar resposta. Não é necessariamente algo do tipo, ‘eu quero…’ ou ‘eu sinto…’ Tu não precisas de falar. Faz a cena, vê se te sai aquilo que estás a dizer. Porque geralmente não me sai aquilo que eu quero ou que eu sinto. Sai o que sai e eu não sei como, porque o meu corpo não sou necessariamente eu nesses momentos.

Eu falo muito nesta cena, da ‘Arte dos T’s’ [risos]. São a transcrição, a transposição… Todas as formas que temos para canalizar algo. Temos de saber trabalhar isso. Não podemos fazer as coisas apenas pela recepção. Não podemos pensar apenas em receber, receber. ‘Recebe e analisa!’ É isso que um artista faz, no fundo. As obras, para terem fundamento, têm de passar por esse processo. Se não, tu vais inventar quando fores falar da obra. Vais pós-conceptualizar a obra. Vejo muitos artistas a fazer isso hoje em dia, relativamente a músicas fúteis. Acho isso bué controverso. ‘Olha o que estás a fazer à leitura da arte!’ Pode ser uma nova forma de veres as coisas, mas não é a melhor forma de todas. Há formas bem mais bonitas de o fazer.”

[O transe]

“Não gosto de estar assim tão consciente durante o processo criativo. Há uma inocência na minha música que eu quero preservar. Se eu estiver a produzir e tu passares umas horinhas aqui, comigo, vais ver que eu vou acabar por ‘desaparecer’, quer eu fume ou não. Não sei como é que o resto das pessoas lidam com o transe, mas eu entro em transe facilmente. Vou fazer caras, vou fazer gestos, vou mexer-me. Aquilo que as pessoas ouvem é resultado de tudo isso. Houve momentos em que eu entrei a tocar assim, brusco, e o que ficou… ficou. Há coisas que eu nem consigo fazer outra vez. Tipo a última parte do beat da ‘how to’. Não consigo replicar aquilo.”

[im sorry e o “jogo” dos orbs]

“Há uma frase que eu tenho escrita para o im sorry, que é algo do género ‘há um orb no fundo do lago’. Eu comecei a imaginar aquilo como uma espécie de jogo ou o desafio de um jogo. A ideia do orb vem de antes, da Atomic Universe. Comecei a pensar nessa cena do orb, como um objecto que está a pairar no ar. Andava muito ligado à cena dos átomos e das partículas. Acabei por imaginar uma cena: a cada projecto que lanço, eu subo um degrau. Então, eu estou a encontrar e a absorver esses orbs. E quando absorvo esses orbs, eu estou a ganhar poderes. O orb sou eu a dar forma a essa ideia, para que não fique tanto no domínio do abstracto e eu não me perca. É por isso que na capa do im sorry tu vês o orb. Depois tenho fogo numa mão e a Slow Habits noutra. Retrata uma certa pressão para ser bem-sucedido. E ‘pressure to succeed’ é uma frase da Lily que está num som de Chakuth, por exemplo. Está tudo interligado.

Musicalmente falando, representa uma exploração nova ao nível daquilo que eu queria tocar no teclado. Tive de fazer o exercício de aceitar esses novos sons, porque eu estava formatado para uma gama de sons específicos — do boom bap, dos samples, o facto de certas coisas estarem sempre 4/4… Antes era uma norma e agora nem tanto, muito graças ao que fizeram nomes como J Dilla ou Madlib. Eles quebraram, até, a sensação harmónica e tonal que os beats trazem. Os beats deixaram de ser tão constantes. Eu estava a procurar essa cena, da alternância constante, dos bumpings.”

[O desafio de transpor o disco para o palco]

“Eu tenho o projecto separado por secções — bass, drums, synths… Se eu vou dar trigger de tudo em simultâneo, vai soar igual ao que está no disco. Eu quero trazer alguma coisa extra, que não seja só a dar fade out e fade in das pistas, até porque o próprio beat já tem essas automatizações feitas. Quero que aquilo que vou fazer em palco sirva como um complemento, mais do que uma alteração àquilo que está no disco. Até porque se eu retiro algo — e já fiz essa experiência — aquilo perde a essência.”


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos