[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] Direitos Reservados
E se “esquecêssemos” o que sabemos sobre o rap brasileiro e português e passássemos a catalogar tudo como rap lusófono? É esta a proposta de pensamento de Vinicius Terra, um dos principais nomes a contribuir para a construção dessa ponte entre os países irmãos.
2018 está a ser um ano bastante positivo para esse intercâmbio cultural que, também graças à preciosa ajuda da Internet, tem visto as suas barreiras e fronteiras encurtarem progressivamente. No Rimas e Batidas, Núria R. Pinto é a especialista nas rimas e batidas que se fazem do outro lado do Atlântico. Artistas como Allen Halloween, NBC, Mundo Segundo, Keso ou Maze também têm actuado e colaborado com músicos brasileiros e, muito recentemente, a união estendeu-se ao clash Portugal x Brasil no Sumol Summer Fest.
Vinicius Terra é o veterano brasileiro — perdão, lusófono — que estreou o seu festival Terra do Rap em Lisboa no passado mês de Fevereiro. Em palco, o rapper cruzou-se com Tayob Juskow e os seus Noss-One e a química levou-os até uma sessão de estúdio à qual também se juntou Xandy MC, jovem rapper que venceu o torneio de freestyle da primeira Batalha Terra do Rap e acompanhou Vinicius na visita à capital portuguesa.
“Siga Seus Próprios Passos” é um novo capítulo no intercâmbio musical entre Portugal e Brasil. Alguém arrisca criar uma playlist de rap PT & BR? As primeiras sugestões são por conta da casa: “Versos Que Atravessam o Atlântico”, “Amigos”, “Ela”, “A Última Cruzada” e “Já Se Passou Tudo”. De nada.
Esta parceria entre o Tayob J. e o Vinicius Terra funcionou primeiramente em palco. Como é que começaram os primeiros contactos? Lembram-se de como é que se conheceram pela primeira vez?
[Tayob J.] Foi na primeira vez que tocámos juntos. A ponte foi feita pela Denise, artista do Porto que já tinha trabalho com o Vinicius e tinha sido uma das pessoas que ele levou para o festival Terra do Rap no Rio de Janeiro.
Foi essa boa química no espectáculo que vos levou ao primeiro tema em conjunto? Como é que nasceu esta ideia para criar o “Siga Seus Próprios Passos”?
[Tayob J.] Ter trabalhado com o Vinicius no Terra do Rap e ter aceite o convite para “dirigir” o festival com ele aqui, por si só, já era motivo para termos ficado com a ideia para trabalhar algo juntos em estúdio. Mas, na verdade, a ideia veio mesmo antes de isso acontecer e acabei por fazer o convite ainda antes do festival começar, de modo a que pudéssemos fazer acontecer este tema dentro do tempo que ele ia permanecer aqui e reunir as condições para tratar de videoclipe, etc. Com a chegada deles, acabámos por estar todos juntos, eu, o Vinicius, o Xandy Mc, o Xhafan, o Visco, o Mura e o Burnay (outro beatmaker da Noss-One). Inicialmente, o convite tinha sido feito a pensar num tema apenas com o Vinicius mas acabou por fazer sentido englobar toda a gente para fazermos uma track que atravessasse o Atlântico.
O português do Brasil e de Portugal tem algumas diferenças mas, para todos os efeitos, a música é uma linguagem universal. Falem-me do processo em estúdio. Desde a concepção do instrumental à elaboração da letra — como é que este tema foi desenhado entre todos?
[Tayob J.] Acho que o processo foi super natural. Antes de tudo, chegámos ao estúdio e tivemos umas horas só a conversar, a conhecermo-nos todos melhor e perceber em que pontos tínhamos em comum para falar e ter algo interessante. O Burnay mostrou-me um sample, que cortámos na hora, e batemos umas ideias. Depois foi só arrumar a melhor dinâmica para cada um dos MCs na sala. Enquanto eu produzia, o processo de escrita foi natural, o Vinicius deu o caminho e o pessoal seguiu.
Já é um hábito termos artistas brasileiros nos nossos palcos, algo que acontece menos no sentido inverso. Acham que se ouve mais hip hop brasileiro em Portugal do que hip hop feito em Portugal no Brasil?
[Vinícius Terra] O facto é que somos um país com mais de 200 milhões de habitantes. Logo, a produção é numa escala bem maior do que em Portugal ou em Angola, por exemplo. Há uma pulverização maior em nosso país, não dialogamos com nós mesmos, quiçá consumir. Imagina em relação aos outros países do mesmo idioma.
O Terra do Rap – Festival de Rap Lusófono, que realizo no Brasil há 5 anos, é uma ponte de intercâmbio entre os países e, sobretudo, permite que nós brasileiros possamos-nos perceber lusófonos e que há uma grande construção criativa e poética de nossos irmãos de idioma. Para além disso há uma relação que precisa ser estabelecida enquanto bloco e não como território ou fronteiras. Sentimos, produzimos e escrevemos no mesmo idioma. Eis então um sentido de ineditismo e união que a língua portuguesa nos proporciona para uma espécie de bloco coeso e em constante diálogo… Quem sabe um dia.
Realizámos em Fevereiro uma edição pocket do Terra do Rap em Lisboa e o Xandy teve a oportunidade de ir porque foi campeão em uma batalha de MCs no Brasil, só com temas acerca da lusofonia. Portanto, estou tão imerso nas questões lusófonas que não consigo mais ver o rap como ‘tuga’ ou ‘zuka’, por exemplo. Enxergo o rap lusófono. Esta canção com os Noss-One é a prova disso. São jovens geniais com a sensibilidade pra que os laços e a história desta travessia sejam cada vez mais fortes. No “Versos Que Atravessam O Atlântico” (de 2013) eu já dizia isso. Assim foi também com o Projecto BPM. E assim continuará a ser.
De que forma consideram importante estabelecer estas conexões entre artistas de um país irmão? Deste lado do oceano, há algum MC/produtor brasileiro que acompanham com mais regularidade?
[Tayob J.] Acho que aquilo que o Vinicius disse já responde um pouco à pergunta. Partilhamos a mesma língua. Numa outra escala e noutra proporção, partilhamos dos mesmos problemas e assuntos que devem ser falados. Partilhamos também, por outro lado, um positivismo face a todas essas coisas, pelo menos na camada mais jovem. Então fazer trabalhos juntos e cruzarmos ideias acho que deveria ser algo que acontece naturalmente. Hoje em dia conseguimos criar contacto e fazer qualquer coisa com qualquer pessoa à distancia de um clique. Fazer uma música com alguém da cidade ao lado da minha ou fazer uma música com alguém no Rio de Janeiro é a mesma coisa, basta só quebrarmos essa barreira.
Em termos de pessoal de lá que temos seguido, da nova escola, podemos falar do BK, Rincon Sapiência, Djonga, Baço Exu do Blues, Sant, produtores como o Pedrolotto e o ChrisBeats (que é companheiro do Xandy Mc no projecto deles Endolasom). O Criolo que traz um outro universo junto com o Daniel Ganjaman. E os que ouvimos desde muito tempo como Sabotage, Racionais MC’s, MV Bill, etc.
Brasil e Portugal unidos na primeira vez que Lisboa é a Terra do Rap