[TEXTO] Ricardo Farinha [FOTOS] Sebastião Santana
Depois de quatro edições no Brasil, os versos do Festival Terra do Rap atravessaram o Atlântico e atracaram no Cais do Sodré, em Lisboa, para uma noite de celebração do hip hop lusófono. O rapper que organiza o festival, o carioca Vinicius Terra, foi o anfitrião da festa que constitui mais uma ponte relevante entre Brasil e Portugal (e que pode ser o início para futuras e mais alargadas colaborações).
Os nomes da casa — os portugueses que Vinicius já tinha levado ao Brasil — estavam na plateia: Xeg, Capicua ou a angolana Eva Rap Diva integravam o público que compunha o Musicbox, mas que, apesar de tudo, ainda era escasso para encher a sala. Outros deles iriam mesmo subir ao palco para pequenas actuações.
Maze mostrou-nos a sua entrega experiente, competente e cheia de classe com temas do seu disco a solo — ainda houve tempo para o clássico “Brilhantes Diamantes” —; enquanto NBC interpretou alguns dos principais singles de Toda a Gente Pode Ser Tudo, álbum editado em 2016. E notou-se que aquelas músicas pediam uma banda para abrilhantar a actuação.
Quem também deu um concerto em Lisboa, depois de já ter estado no Brasil, foi a cantora portuense Denise, com vozes e flows r&b, por cima de beats de hip hop. Com ela trouxe a comitiva feminina da mixtape Hellas, representada por Lady N, Shiva e Chikita. Foram os Noss-One que estrearam o palco, grupo que o DJ de serviço de toda a noite, Tayob Juskow, levou consigo.
O prémio da noite vai para Keso, o poeta original marginal, sentado e armado com a sua caixa de efeitos de voz. “Defeito Sério”, “Underground” ou “BruceGrove” fizeram-se ouvir — e bem ouvimos também os turistas estrangeiros, que entraram por acaso no Musicbox, e não noutro clube qualquer da Rua Cor-de-Rosa, a perguntar quem era aquele: podiam não perceber nem uma palavra, mas foram conquistados pela voz e instrumentais do autor de KSX2016.
Nota ainda para o desconhecido brasileiro Xandy MC — o vencedor, entre 98 rappers, da competição de freestyle da 1.ª Batalha Terra do Rap, na última edição do festival. Encontra-se ainda a preparar o álbum de estreia, mas deixou boas impressões, com letras bem trabalhadas por cima de autênticos bangers. O final, claro, foi como em todos os festivais Terra do Rap: uma cypher à moda antiga com (quase) todos os participantes em cima do palco. Vinícius Terra, depois de um discurso anti-establishment, não partiu sem deixar um statement sobre as rimas dos MCs: deixem lá as views e os likes, o hip hop é isto. Salva de palmas na sala. Curiosamente, a noite no Musicbox prosseguiu com muitos desses hits cheios de likes e views passados na Gin & Juice nos DJ sets de Mike El Nite, Oseias., rkeat e Ice Burz. Espaço na mesma sala e noite para a importância da palavra do rap mais ligado ao cerne da cultura hip hop e para os party bangers. Ainda bem que assim é.