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Fotografia: Brenndel Ferreira
Publicado a: 21/06/2023

Bailando e conversando com o artista mineiro que passou por Lisboa.

VHOOR: “Muitos produtores de funk estão em uma situação muito marginalizada no Brasil”

Fotografia: Brenndel Ferreira
Publicado a: 21/06/2023

Nem se alguém quisesse muito, não conseguiria ficar parado durante o Baile do Cais, evento promovido pela Torcida Records no último sábado (24 de Junho). A festa aconteceu no Estúdio Time Out e teve como a grande estrela da noite VHOOR, um dos produtores brasileiros mais importantes para a visibilidade do funk e da música brasileira atualmente, ao lado de Shaka Lion, Bieu, Chunga Daddy, DJ Swingueiro e demais DJs que integram os quadros da Torcida. 

Não havia quem não estivesse totalmente entregue à pista durante o Baile. As apresentações que antecederam a de VHOOR foram como um aquecimento para o que viria, com destaque para o set de Shaka Lion, que fez uma releitura incrível de alguns clássicos da MPB, como “Canto de Ossanha” e “Maracatu Atômico”. Antes de finalizar sua contribuição, o DJ fez uma sessão remember com os funks mais tocados nos bailes brasileiros antigamente, e claro, o público ficou totalmente eufórico, implorando por mais. 

E veio mais, muito mais, mas dessa vez com as bençãos de Victor Hugo de Oliveira Rodrigues. VHOOR, como é conhecido, fez o que parece impossível hoje: mesmo quando tocou faixas aguardadas, como “Se tá solteira” e “Delírios”, havia muito mais gente a dançar e cantar do que a filmar. E assim foi durante todo o set, sempre com um sorriso no rosto. O DJ e produtor brasileiro já possuía diversos trabalhos lançados (como um projectos que assinou ao lado de Sango (Acima), EPs como Ritmo e Baile & Vibes ou o hino que criou para SD9 (“40°.40“)), mas foi com o lançamento de BAILE, ao lado de FBC, foi que viu seu nome ser lançado como o principal precursor de uma nova roupagem para o funk, marcada por um mix de eletrônico dançante e pelo retorno às origens com o miami bass. 

Em entrevista ao Rimas e Batidas, o artista conta que de lá para cá, sua vida mudou completamente. “Tanto no meu trabalho quanto como pessoa, eu me desenvolvi muito. Principalmente no sentido de ocupar o espaço que eu estou ocupando, aprender sobre a história do som que eu estou trabalhando, aprender também a trabalhar da melhor forma. Tudo isso também mudou minha vida pessoal, porque meus trabalhos chegaram em lugares que eu não imaginava” explica VHOOR. 

Um desses lugares foi no palco Boiler Room no Primavera Sound Barcelona deste ano. A apresentação recebeu inúmeros elogios nas redes por levar o funk brasileiro a um outro patamar, em diversos sentidos. “Tocar no Boiler Room foi a realização de um sonho de uma vida. Em Belo Horizonte eu tenho uma festa chamada Baile Room, que criámos quando eu comecei a produzir os com os meus amigos da cidade. A gente se espelhava muito neles e pensava que nunca conseguiríamos alcançar esses lugares. Com muito trabalho, muita sorte, empenho da vida e Deus, a gente conseguiu [risos]. Isso é muito importante pra mim, mas também está sendo muito importante para a comunidade de produtores da minha cidade e para os produtores do Brasil, a gente traz visibilidade. Esse estilo de som que a gente trabalha ainda é muito periférico, então muitos produtores de funk estão em uma situação muito marginalizada no Brasil. Dar visibilidade também para esses assuntos também é muito importante”, conta o artista. 

O trabalho de VHOOR é fora da curva e se destaca em completo do que já é conhecido atualmente na música eletrônica. Especialmente para a comunidade brasileira, as produções trazem nostalgia e relembram os tempos dos bailes de corredor e de todo o contexto daquela época, ao mesclar referências do funk dos anos 2000 com o miami bass, com o brasileiríssimo beat bolha e, porque não, toques de MPB. “A identidade do meu som hoje busca aproveitar a música popular brasileira e a música de periferia. Eu sempre tento pensar em como eu posso atingir as cenas de música eletrônica com os sons mais folclóricos do Brasil, porque os produtores desse tipo de arte no nosso país muitas vezes não têm oportunidade de fazer o seu som chegar na Europa. Eu acredito que, como eu tenho essa oportunidade, muitas vezes eu também posso dar voz para as pessoas. Meu processo de produção tem muito a ver com pesquisa musical e tentar trabalhar a estética que já representa os gêneros que eu trabalho, mas de uma forma mais amplificada, vamos dizer assim [risos]. Eu tento sempre aprimorar a técnica, porque muito dos estilos que eu trabalho no Brasil foram feitos por pessoas que não tiveram acesso à internet ou aos meios de produção tecnológicos, então eu tento passar por essa perspectiva, de pensar como eu vou conseguir adaptar esse som” analisa o produtor. 

Essa mistura de elementos e gêneros para criar uma nova roupagem para o funk e para a música eletrônica também tem trazido frutos não só para a cultura, que só tem a ganhar com isso, mas também para produtores que costumavam ser invisibilizados devido ao preconceito. É necessário lembrar que, apesar da ascensão de diversos artistas no gênero, a visão estigmatizada sobre o funk e as comunidades onde ele se origina ainda é dominante na sociedade. “Essa fusão cultural que o funk está tendo com os ritmos da Europa e da América do Norte tem ajudado muito a divulgar a estética do funk, os produtores brasileiros e também a monetizar os produtores de funk. Eu tenho conversado muito com os meus amigos que trabalham com baile funk de periferia e eles têm me contado que, cada vez mais, estão recebendo proposta de oportunidades que vem de fora e conseguindo monetizar suas faixas por que o funk é muito marginalizado no Brasil. Até o cenário que a gente tem pra poder fazer esse tipo de monetização é bem precário, então acredito que essas estéticas que já são mais trabalhadas, que têm mais acesso a esse tipo de cultura de distribuição, está sendo bastante legal dentro do funk” conta VHOOR. 

É interessante observar que para além da brasilidade presente nas produções de Victor, também ouvimos muitas referências do funk de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. O eixo cultural do Rio de Janeiro e São Paulo é mais valorizado devido à sua história, tamanho da população, influência econômica e oferta de atividades artísticas. Entretanto, Minas Gerais também possui uma cultura riquíssima, mas tem menos projeção nacional e internacional. A valorização não indica superioridade, já que cada região tem sua singularidade cultural. “Eu acredito que ser mineiro influencia no meu som porque Belo Horizonte é uma cidade muito diferente do Rio e de São Paulo. A gente fica cada vez mais ‘mente aberta’ pra poder aproveitar e absorver algumas estéticas no nosso trabalho, porque a pessoa que vai no role do hip hop, ela também vai no funk, vai no techno e isso acaba deixando a comunidade de produtores cada vez mais unida. Como sempre trabalho com estilos musicais mistos, eu acredito que essa base que a gente tem em Belo Horizonte e esse distanciamento das principais capitais do Brasil me dá mais liberdade pra trabalhar assim” explica VHOOR. 

E isso é nítido. O trabalho de Victor é maduro e bem pensado, ele sabe o quê e como está fazendo. Temos a oportunidade de testemunhar uma reinvenção do funk a moldes totalmente brasileiros e muito diferente do que era visto há alguns anos. Apesar das influências norte-americanas e europeias sempre terem feito parte do funk, só agora vemos um processo de empoderamento do ritmo em que ele se tornou sólido em sua identidade para não mais se espelhar no que vem de fora, mas sim exportar o que tem de melhor e transitar entre outros gêneros sem perder o que tem de valioso: sua origem. “Está sendo bem legal essa oportunidade que eu estou tendo de trabalhar aqui na Europa por alguns países. Sinto que a comunidade internacional tem um carinho muito grande pelo baile funk, principalmente a comunidade de imigrantes, a comunidade latina em geral. A comunidade brasileira também ter me dado um suporte muito forte nas minhas apresentações e isso está sendo incrível. Esse ano ainda pretendo fazer algumas turnês pra fora do Brasil e sempre volto renovado, com muito aprendizado, principalmente das culturas locais, de como as pessoas enxergam o baile funk aqui na Europa. Isso são ganhos muito importantes pra gente que, muitas vezes, não estamos acostumados com isso na prática, porque a gente acaba conhecendo as coisas pela internet mas muitas vezes não temos a oportunidade de estar aqui” finaliza o artista.


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