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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/12/2021

O baile enquanto ferramenta de revolta contra o sistema que oprime.

FBC & VHOOR: “BAILE foi um álbum que a gente fez por diversão”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 17/12/2021

Acreditamos que na primeira vez que a maioria das pessoas ouviram BAILE, o álbum dos mineiros FBC e VHOOR, lançado no dia 12 de Novembro, foram imediatamente teletransportadas para o passado, mais andando para trás 10 ou 15 anos (assim como aconteceu connosco). Para as crianças crescidas nos subúrbios brasileiros nos anos 90, o contacto com o miami bass, género que deu a base inicial do rap e do funk no Brasil, era tão fácil e natural quanto hoje é com o sertanejo, por exemplo. 

A parceria entre o MC e o produtor é a segunda deste ano e, como já era esperado, deu mais do que certo e se tornou um dos álbuns mais significativos de 2021. O resultado é um trabalho completo que explora uma diversidade de temas sociais, histórias românticas e a actuação da polícia militar e das milícias nas quebradas, além de apresentar uma nova roupagem para o funk carioca dos anos 90.

Antes do lançamento do disco, as faixas “Se Tá Solteira” e “De Kenner” já haviam sido disponibilizadas na Internet. A segunda foi lançada há um ano e fez surgir uma onda de vídeos com os passinhos comuns dos bailes funk. A primeira dispensa, praticamente, apresentações: por esta altura, mesmo que não conheçam nenhum trabalho anterior da dupla, já a devem ter ouvido — isto falando para aqueles que moram em território brasileiro ou que estejam atentos à sua cena musical; a faixa entrou para a tabela viral do Spotify Brasil na sétima posição graças ao seu sucesso no Tik Tok, onde um challenge em que as pessoas mudam de visual no ritmo da música viralizou.

BAILE é um disco com valor intrínseco, mas, no contexto actual do Brasil, torna-se ainda mais necessário. Não bastasse aquela sensação desesperante de querer que a vida volte ao normal depois de uma pandemia que terminou com cerca de 600 mil vidas, o que vemos actualmente no país da América da Sul é uma crise generalizada que contempla todos os aspectos da vida e que cada vez mais persegue e criminaliza a diversão, a periferia e a cultura popular. Nesse sentido, BAILE vem como um novo sopro para uma tradição que já estava sucumbindo aos rumos que o país tem tomado. Como se dissesse: o mundo também é nosso e esse é o nosso jeito de o tomar de volta.

Em entrevista ao Rimas e Batidas, a dupla conta como foi o processo de criação, as inspirações e muito mais.



Oi, Fabrício, oi, Victor! Tô feliz de finalmente conseguir trocar uma ideia com vocês com calma. Vocês estão há um bom tempo trabalhando pelo hip hop e, agora, resgatando as raízes, alcançaram um novo patamar dentro da cena. Como foi que vocês chegaram nessa ideia?

[FBC] Oi, Gabi, como você está? Então… muita coisa. BAILE foi um álbum que a gente fez por diversão, tá ligado? Foram tardes e noites que a gente se encontrava para pesquisar e falar de música, ouvir as músicas que a gente gosta e disso saiu o BAILE. Pra mim foi muito bom acontecer assim, dessa forma, uma parada que fez meu nome crescer, e ser algo que eu tenho tanta afinidade! BAILE é uma parada que eu colocaria aqui no carro pra ouvir agora, eu ouviria em qualquer lugar, eu dançaria, eu mostraria para qualquer um, até no aniversário da minha vó [risos].

Fabrício, eu acompanho seu trabalho desde antes da DV Tribo e, principalmente depois de S.C.A (2018), em cada novo trabalho você busca outras sonoridades, está sempre se renovando. Como se tem dado nessas mudanças de uma produção para outra? E para você, Victor, o que mudou?

[FBC] É uma construção musical que eu tenho desde novo, sabe? Minha família só tem trabalhadores que sábado e domingo estão de folga e querem ouvir música, beber cerveja e comer churrasco, então eu tô desde cedo ouvindo todo tipo de música. Hoje faço música, então eu quero fazer aquilo que eu ouvi, aquilo que eu gosto, tá ligado? Quero fazer do jeito que eu aprendi com os grandes mestres, vários tipos de música, vários géneros. Quando vou fazer um álbum, eu já penso: “eu quero fazer alguma coisa diferente”. Não é que seja uma necessidade, só é assim. É natural.

[VHOOR] Eu já tinha meu trabalho, sou beatmaker, já fazia instrumental e, por ser da zona norte de Belo Horizonte, sempre tive contacto com o miami bass, que é muito forte principalmente nessa região da Vilarinho, tem até o Baile da Vilarinho e eu sou cria daqui. Essa cultura de baile dos anos 90 sempre esteve muito presente na minha vida porque eu ainda moro aqui e os meus amigos mais velhos e minha família sempre frequentaram o Baile da Vilarinho desde os anos 80 para poder dançar e isso ficou muito tempo na minha cabeça. Meu pai sempre brincou comigo: “por que você não tenta fazer um miami pra eu mostrar pra suas tias? Suas tias gostam de dançar, faz alguma coisa aí para eu mostrar para elas!” E logo quando eu conheci o FBC a gente trocou essa ideia. Quando estávamos no estúdio fazendo o Outro Rolê, que é nosso outro trabalho, a gente conversou muito sobre as músicas que a gente ouvia quando era mais novo e aí chegamos no papo do miami bass, que era o funk consciente aqui de BH. Até que a gente falou: “vamos fazer um miami de brincadeira?”, e nessa a gente fez “De Kenner”. A gente brincava que era o outfit dos meninos da Vilarinho. Todo sábado eles desciam pro baile com uma camisa do Messi, de Kenner e o Juliette combinando. E aí todo mundo amou e a gente decidiu fazer mais. Fizemos uma, duas, três, quatro… até falarmos: “isso aqui dá um álbum”. E assim surgiu o BAILE [risos].

Quando vocês lançaram “De Kenner” eu torci muito pra vocês criarem mais coisas dentro do miami bass porque foi um sucesso [risos]. Não conheço ninguém que não tenha gostado e que não se tenha identificado! Como se deu o processo de criação de BAILE?

[VHOOR] [Risos] Então, a gente mora bem longe um do outro, é quase uma hora para ir pra casa dele ou para ele vir para cá, então foi tudo no low cost mesmo [risos]. Eu fazia os beats aqui em casa e poucas coisas a gente fez junto lá na casa do empresário do FBC.

[FBC] Empresário não, sócio! Ele é meu sócio [risos].

[VHOOR] [Risos] Lá a gente improvisou um estúdio no meio da sala com cachorro passando, vizinho ligando o som, colchão nas janelas e aí a gente foi gravando os primeiros. “Se Tá Solteira” e “Delírios”, por exemplo, surgiram nesse processo ali no meio da sala e deu certo. Aí depois que a gente tinha as guias e os protótipos levámos pro estúdio pra fazer uma mix e master melhores, mas esse início foi todo assim.

[FBC] Muita coisa escrevi no estúdio também. Acho que a maioria das músicas, até. Ia pensando dentro da história do BAILE assim: “e agora o que é que vai acontecer?” e a gente ia garimpando os beats. Tanto que “Polícia Covarde” é um dos primeiros beats que o VHOOR fez, mas eu fiquei muito tempo tentando achar outro porque não era o momento, inclusive ele só apareceu no final do álbum. Era coisa de chegar e fazer. Não teve música que durou dois dias, sabe? O máximo que a gente já ficou para fazer uma música acho que foi 12 horas. Isso entre as trocas de ideias e esfihas [risos].

A história contada em BAILE foi inspirada em algum de vocês?

[FBC] Tudo ali é criação, nada aconteceu, mas, ao mesmo tempo, coisas assim acontecem o tempo todo.

São histórias que poderiam ter acontecido em qualquer quebrada.

[FBC] Com certeza! A própria capa já conta um pouco disso, né? Cada elemento da capa do álbum tem a ver com alguma música e a primeira música do álbum já é “Vem pro Baile”. Quem é que vai para o baile? Qualquer um de nós de BH, em qualquer quebrada, todo mundo vai pro baile. Em BH tem a cultura do passinho. Os caras se juntam e gravam vídeos com os passinhos, que também vem da cultura do miami bass, da black soul…

Vocês disseram que enquanto criavam a única expectativa era divertirem-se. Agora, com a repercussão, com o sucesso absoluto de “Se Tá Solteira”, com o calor da recepção do álbum pelo público, as expectativas mudaram? O que vocês têm feito nesse “pós”?

[FBC] Vou-te falar, Gabi… todo dia de manhã eu mando pro VHOOR assim: “e aí, VHOOR? Já encontrou alguma outra fórmula aí? Já desenvolveu outra coisa? Já teve alguma ideia, VHOOR?” [risos]. A parada deu certo. Acredito que tem gente que gasta muito mais dinheiro que a gente para chegar em lugares que a gente chegou. O que a gente gastou para nós é dinheiro, claro, mas para chegar aonde a gente chegou foi bem pouco. A expectativa eu só crio pro próximo trampo, sabe? No processo de criação do álbum a gente acabou abandonando muitas linhas de trabalho do nosso processo criativo, coisas que a gente experimentou com outros ritmos diferentes… A gente tem até um drill em cima de um pagode baiano… então tem muita coisa para fazer e eu estou muito grato, viu, Gabi? Graças a Deus, porque eu estou há muito tempo aqui.

[VHOOR] A “Se Tá Solteira”, por exemplo, tinha dois intuitos: que ela fosse feita, sim, pro Tik Tok, mas que ela também pudesse representar os miamis dos anos 80, tanto que o sample dela é o “Planet Rock” do Afrika Bambaataa. O funk melody aqui no Brasil usou muito essa batida pra fazer música, então eu pensei muito nessa pegada. Mas quando as coisas começaram a acontecer, a música viralizou, foi aí que a gente teve uma noção da proporção mesmo! No dia que a gente lançou eu até pensei, “ah, será que vai mesmo?” e foi acontecendo uma coisa atrás da outra, o FBC no trabalho árduo dele de mandar pra todo mundo [risos] até que a gente perdeu a conta! A música chegou em várias bolhas…

[FBC] Até na bolha do dinheiro [risos]. O miami venceu, meu caro, o miami venceu!

Vocês já estão fazendo shows?

[FBC] Sim! Já estamos fazendo shows e, mesmo com os números reduzidos do público por causa da pandemia, é uma loucura! Eu vejo muita gente gravando também em festivais, umas 10 mil pessoas, todo mundo cantando “Se Tá Solteira”, mas eu mesmo ainda não tive essa experiência com esse trabalho não. Eu quero ver se eles vão cantar as outras músicas do álbum também. Quando eu vou nas apresentações do VHOOR e ele toca no set, todo mundo canta!

Têm previsão de vir à Lisboa?

[VHOOR] Nossa senhora, eu quero!

[FBC] Lá no Spotify para artistas mostra que Portugal é o país onde mais ouvem depois do Brasil! Apresenta a gente pra uma curadoria aí. Se alguém te perguntar, você fala: “olha esses caras aqui”! Pode chamar a gente!


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