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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 16/04/2021

Entre dimensões rítmicas e melódicas.

Vasco Completo: “O tempo ser uma coisa tão objectiva mas ao mesmo tempo tão abstracta é algo que me fascina muito”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 16/04/2021

Saiu ontem o álbum de estreia de Vasco Completo pela Monster Jinx. Wormhole interliga sete faixas, conta com a voz de Carolina Caldeira numa delas e foi masterizado por M.A.F.. Beatriz Passos é quem assina a capa do trabalho. J-K e João Tamura surgem ainda na remistura de “35mm”, tema-bónus apenas disponível na edição em vinil.

Está, portanto, consumado o ritual de passagem do músico e produtor de Mafra na família roxa. Dos primeiros passos na Monkery Collective às edições independentes via Bandcamp, o momento de forma em constante crescimento levou-o a ingressar numa das mais reputadas editoras do nosso país quando o assunto é misturar hip hop e electrónica de forma menos óbvia.

O novo disco, o primeiro da carreira e também a sua estreia na Monster Jinx com um projecto em nome próprio, chega-nos a dois meses de Vasco completar o seu primeiro aniversário a envergar a jersey do Monstro Roxo. Além do raio-x às actuais técnicas que domina — algumas delas que fez por aprender ladeado dos novos companheiros de armas, conforme revelou na entrevista ao ReB –, Wormhole é ainda o coroar de um grande esforço que desempenhou durante estes primeiros tempos na editora. Caso não tenham dado por isso, o seu nome integra o colectivo Monster Jinx Type Beat, e surge alinda nos alinhamentos de Cursed Vol. 1, MJ DOOM e ROXO 07. Depois de um arranque destes, os tempos que se avizinham são no mínimo promissores para o jovem artista e colaborador regular do Rimas e Batidas.



Já estás quase a completar o teu primeiro ano de Monster Jinx.

Exactamente. Daqui a dois meses. Foi quando saiu a “Pack Your Bags”, a 21 de Junho.

Para ti, que até então eras um artista independente, como tem corrido a experiência de estar a trabalhar de mãos dadas com uma editora?

Tem sido uma experiência bastante enriquecedora. Tenho tentado mapear um bocado em que é que isso me influenciou, mas acho que, sendo a Jinx como é e tendo as pessoas que tem, me influenciou particularmente em duas coisas. Em primeiro lugar, ao nível mais sónico e da criação, ajudou-me muito a querer melhorar como soa o meu lado mais rítmico, a nível de drums, etc. O meu lado mais percussivo. A Jinx tem produtores que são muito fortes aos nível do beatmaking. Já mesmo quando era só um fã, apenas enquanto ouvinte ou até de uma perspectiva mais jornalística, sempre os tive em conta como sendo dos melhores nessa área em Portugal. E sendo que esse era um lado fraco que eu sempre considerei que tinha ao nível da produção, senti que tinha de fazer um step up ao meu game de beatmaking. Já era uma coisa que eu queria melhorar por si só porque sabia era muito mais forte na parte de criação de harmonia, melodia, de camadas mais atmosféricas… Era algo que eu queria melhorar muito e sinto que consegui, pelo menos, começar esse processo. Gosto mais dos meus beats e daquilo que estou a fazer ritmicamente.

Para além disso, fez-me também querer melhorar o meu lado de ser mais constante na produção. Produzir mais regularmente e ter resultados mais rápidos. Uma pessoa quando está a produzir e a lançar independentemente não tem nenhuma pressão de “tens de lançar até esta data” ou “tens de o fazer até aqui” ou “temos de ter isto antes dos concertos nesta altura”. Normalmente não há pressão nenhuma. Uma pessoa desleixa-se. Lembro-me de quando lancei a “Serotonina”, eu demorei seis meses a acabar as duas faixas desse maxi-single. Sinto que foram essas as duas vertentes que foram melhoradas com a minha entrada na editora.

É engraçado dizeres isso. Ou seja, o historial da editora teve peso na forma como idealizaste o que irias lançar por eles a partir daí?

Totalmente. Até porque eu nunca me tinha sequer proposto à editora. E isso tem várias razões. Uma delas era o eu não me considerar material de Monster Jinx, à partida. Eu achava que me poderia encaixar e identificava-me imenso com a editora, mas ao mesmo tempo achava que a minha sonoridade não ia ao encontro daquilo que era a Monster Jinx a 100%. Por muito variado que seja o estilo da editora, eu pensava: “tenho coisas bué ambient, coisas um bocadinho mais experimentais sonicamente… Isto se calhar não se encaixa assim tão bem naquela cena mais de beats, mais ‘estrondosa’, de certa maneira, da Monster Jinx”. Mas quando recebi o convite pensei logo em fazer esse step up no meu beatmaking.

Mas eu não sinto que estou a mudar a minha direcção ao nível do estilo. Sinto que estou a fazer aquilo que quero. Mas senti esse peso, como disseste, de ter de melhorar este meu lado.

É um complemento.

Exactamente. E eu sinto que cada artista na Monster Jinx tem uma sonoridade muito própria. Acho que encaixo bem nesse macro todo da editora. Mas sinto que tive essa pequena pressão, imposta por mim, de me adequar à editora, de certa maneira.

Houve aí um certo alinhar dos planetas. Nem tu imaginavas a tua música como parte da Monster Jinx como se calhar a própria Monster Jinx não se imaginava a receber-te a ti ou aos Don Pie Pie se pensássemos num quadro de há cinco anos, por exemplo. Se por um lado estás a tentar adaptar-te, por outro estás também a fazer parte da revolução estética que está a ocorrer neste momento dentro da editora. Sentes isso?

Sinto que sim. Sinto que tem aberto um bocadinho os seus horizontes para novas sonoridades e eu acho que fez todo o sentido para a editora. E acho que parte da evolução de qualquer organismo é também receber novas ideias e novos formatos. Os Don Pie Pie, por exemplo, são a primeira cena em formato de banda que surge na editora. E se fôssemos bem a ver, se calhar os Don Pie Pie seriam até um bocadinho mais fora de alcance da Jinx, de certa maneira. Por ser uma cena mais math rock, embora não sejam só isso.

Mas sim, acho que faço parte dessa expansão e eu acho que a Jinx está a evoluir de uma maneira muito interessante nesse aspecto. Isso sente-se, particularmente, com as compilações que têm saído. Internamente consigo ver muito entusiasmo por parte de toda a gente, de existirem novas sonoridades e de querermos todos colaborar cada vez mais. Há um sentimento de ser um novo passo. Não necessariamente de mudar a editora, aquilo que é a Monster Jinx, mas pelo menos sente-se que há um novo passo que está a ser dado, de certa maneira.

Tu tinhas feito parte da Monkery Collective, depois passaste a actuar de forma independente durante uns tempos antes de chegares à Monster Jinx. Acredito que, neste momento, estejas inserido naquele que será o maior network de sempre dentro do teu percurso e que estás em constante contacto com outros criativos, tanto dentro como fora da editora. Essas pontes e partilhas também têm ajudado a moldares-te a ti mesmo enquanto artista? Sentes que tens mais “armas” ao teu dispor neste momento?

A nível de aprendizagem, tenho aprendido imenso com toda a gente. E lá está, a Jinx tem produtores muito diferentes, com sonoridades e processos criativos distintos. Acho que mesmo dentro da editora existe essa vontade e esse gosto por partilhar ideias e formas de criar, etc. Mas acho que é uma coisa que já era… Ou seja, sinto que estou nesse pico, como tu disseste, de nunca ter aprendido tanto como estou a aprender agora, por estar inserido no meio de pessoas que têm esse gosto de criar e de fazer diferente. Mas eu sempre tive essa coisa, mesmo antes de ter começado a produzir, de gostar de falar sobre música e sobre fazer música. Obviamente que sim, que estou com muitos mais contactos e a falar com muito mais gente, mas acho que já era uma coisa que eu fazia um pouco em várias comunidades diferentes. Seja com amigos com quem produzia, como os RLGNS, com quem já me dava e tinha construído algumas ideias. Mesmo antes de me juntar à Jinx, estava a colaborar com algumas pessoas do universo ambient, como aquela editora que surgiu, a Weathervane Recs, através de umas compilações em que participei.

Agora lanças o teu álbum de estreia e também o teu primeiro projecto a solo pela Monster Jinx. Este trabalho foi pensado e executado já a pensar na editora ou tens aqui ideias que já vinhas a colocar em prática ainda antes disso?

Este álbum, inicialmente, era para ter sido um EP. Já estava a ser criado ainda antes do convite da Jinx mas estava numa fase muito embrionária. Eu já tinha criado as bases para algumas destas ideias, penso eu que da “Wormhole”, da “Lullaby for the Inebriate” também. Da “35mm” acho que também. O resto, por acaso, acho que já foi tudo feito depois de ter sido convidado pelo DarkSunn. Mas a maioria do que foi feito e como foi feito foi fruto desse convite e de já ter em conta que teria a possibilidade de sair pela Jinx. Até porque, inicialmente, o convite não foi “queres entrar na Monster Jinx?” Eu estava com o DarkSunn no ID_NOLIMITS, isto em 2019, e ele disse “então mas olha lá, o que tens andado a preparar? Vais lançar alguma coisa?” Eu disse que, por acaso, estava a fazer um EP. “Então quando tiveres isso, fala comigo”. Eu fiquei tipo, “what?!” [risos] Depois, lá está, eu já tinha algumas ideias, mas a maioria delas acabou por nem entrar, para ser sincero. Mas fui criando, obviamente, tendo isso em conta. Ou seja, a pensar que os meus beats vão ter de melhorar e que eu vou ter de me adequar um bocadinho. Eu sinto que teria feito isto da mesma maneira, mas claro que tive em conta por onde ia sair e como ia sair. Na altura falaram-me que ia sair em vinil, e eu já tinha em mente aquelas cinco/seis faixas, que depois passaram a sete e o projecto passou a ser um álbum, um bocado por sugestão do DarkSunn.

E este título, Wormhole? Tem a ver com alguma questão estética que te tenha atraído ou os fenómenos da física são realmente algo que te fascina? E de que forma é que este termo se liga às ideias que quiseste transmitir no álbum?

A ligação é total. Tem tudo a ver e surge tudo do meu fascínio pela física desde miúdo. Daí eu exagerar às vezes nas t-shirts da NASA e assim. [Risos] Eu em miúdo lia coisas sobre astronomia. Não pesco nada de matemática nem sou nada bom em ciências. Mas é uma coisa que em miúdo adorava e lia imenso. Ainda hoje em dia vou lendo algumas coisas. A cena do universo e da astronomia sempre foram áreas das quais gosto muito. E sempre gostei de filme que fossem ao encontro desses temas. Adoro o Odisseia no Espaço, o Interstellar… São referências muito óbvias mas sempre me fascinaram muito e sempre gostei.

Quanto a como isso se relaciona com o álbum… Admito que não sou o maior fã daquela cena de ter títulos com uma palavra só, embora as faixas do disco tenham quase todas os títulos assim. Eu quis que os títulos e os temas se ligassem todos à questão do tempo, que é um tema que, obviamente, inquieta toda a gente. Não sou especial por pensar sobre o efémero e o tempo. Mas como sempre foi uma coisa que me fascinou também, acabei por juntar isso à ideia do wormhole e do espaço. O conceito acabou por ser muito direccionado para a percepção do tempo. A percepção que as pessoas têm do tempo. O próprio conceito de tempo é uma coisa muito… Sendo uma coisa tão objectiva mas que é tão subjectiva para cada pessoa… Se eu te falar no tempo, tu vais pensar numa coisa diferente da que eu estou a pensar. Tu vais pensar num período da tua vida, se calhar no passado; eu posso pensar no futuro; outra pessoa vai pensar na passagem do próprio tempo. É uma coisa que eu acho muito interessante sobre o tempo. O ser tão objectivo mas também tão abstracto ao mesmo tempo. Não querendo ser demasiado generalista, acho que foi isso que eu quis expressar com o álbum através da minha perspectiva. Tentei pensar um bocadinho no passado, com a “35mm” e a “Trauma”. Pensei na viagem do tempo na “Wormhole”. A cena dos estados alterados com a “Lullaby for the Inebriate”. De como a percepção do tempo também vai alterando com o tempo, na “Purple Garden”. A ideia da “Purple Garden” é a de como duas pessoas, que vivem exactamente o mesmo acontecimento, passados dez anos discordam substancialmente naquilo que é a memória disso. É uma experiência que eu tenho muito com a minha irmã em relação a quase todas as nossas memórias. [Risos]

E como é que processaste tudo isto? Eu sei que usas guitarra e computador, pelo menos. Não se tens por aí mais algumas ferramentas que te tenham ajudado a criar este disco.

Infelizmente não tenho material ao nível de sintetizadores/teclados. São coisas que eu gosto muito mas que gravo através do digital, no computador, como tu disseste. Uso o Ableton com plugins que vou arranjando. Acho que as únicas diferenças que existiram durante a criação deste álbum estão nuns pedais que decidi começar a usar. Usei mais o delay, o chorus… E comecei a usar também um baixo que comprei, muita barato, da marca branca da Thomann, para aí. [Risos] Mas tem sido uma ferramenta insubstituível. Mesmo. É um instrumento que eu sempre quis ter e sempre achei interessante. Finalmente consegui adquirir um e tem sido… Mas eu acho que ele só aparece em três das faixas do álbum. Só que, desde que o comprei, tem sido fundamental para muitos dos arranjos que tenho feito desde que me juntei à Jinx. A “Pack Your Bags” tem uma cena de baixo muito presente. A “Lullaby for the Inebriate” tem o baixo super presente. São assim algumas das que consigo identificar. Sem dúvida que foi uma grande mudança.

Agora que as salas vão começar a reabrir aos poucos, que planos tens para passar o Wormhole para o formato ao vivo? Já tens até alguma data em mente para o apresentares em concerto?

Ainda não tenho uma data mesmo marcada mas há uma data que está por ser marcada. Acho que vai ser no Porto. É a única que, para já, tenho quase a certeza que vai acontecer. Estou um bocadinho preocupado porque acho que vai ser dos concertos mais difíceis de preparar. [Risos] Houve muita coisa deste disco que foi feita de forma mais electrónica, muito através de processamento de efeitos. Gravar, pôr em reverse… Ou seja, são coisas que não são muito reproduzíveis ao nível da performance. Eu vou encontrar maneira de tocar estas coisas, obviamente. Arranjo sempre. Nem que seja dar um twist à música e tocá-la de maneira diferente. Ainda estou a testar. Gostava que este fosse o disco em que eu começo a ter um concerto mais visual, seja com projecção de loops ou… É uma coisa que eu gostava muito de fazer. Sempre gostei desse tipo de concertos, com um lado visual e atmosférico muito presente. Lembro-me da minha influência de Pink Floyd nesse aspecto, que sempre tiveram os vídeos. A cena do The Wall… Totalmente abismal. Houve um concerto em particular que também me inspirou, que foi quando vi o Jon Hopkins a apresentar o Immunity no Musicbox. Estou a pensar nessas referências porque sinto que me marcaram e puxaram por esse meu lado mais cinematográfico. Gostava que fosse assim mas ainda não consigo ter a certeza se o vou conseguir. Até porque, com tudo isto da pandemia, tornou-se mais difícil arranjar pessoal para me ajudar a gravar em vídeo e assim. Vamos ver como é que acontece.

E quanto à música? O Wormhole é um disco para tocares todo sozinho ou estás a pensar adoptar o formato de banda para o recriar em palco?

Eu tenho o sonho de um dia vir a tocar com mais malta. Ter um baterista, um teclista, um baixista, eu na guitarra e teclados… Um bocado ao estilo do que o Bonobo costuma fazer, por exemplo. Mas eu ainda não me sinto muito capaz de conseguir depender de outras pessoas para tocar. Isso pode vir a mudar. Mas neste momento eu não consigo depender dos outros músicos, ter de lhes pagar e tudo mais. [Risos] Mas espero vir a conseguir fazer uma coisa mais ambiciosa. E acho que também faz sentido, para este álbum em particular, ser eu sozinho. Muitos dos concertos que dei foram com um saxofonista, o Kenny Caetano, e gostei imenso da experiência. Por causa dessa experiência, acho que agora quero experimentar e ver como é que o Wormhole funciona comigo sozinho. No máximo, ter as aparições do J-K, do João Tamura ou da Carolina Caldeira.


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