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Fotografia: Lucas Own View
Publicado a: 26/04/2023

Estilo selvagem.

Vácuo & Catalão: “O foco é respeitares-te a ti, ao teu processo musical, e com quem crias”

Fotografia: Lucas Own View
Publicado a: 26/04/2023

Diretamente do underground do rap tuga, sente-se um aroma refrescante, que apesar de evocar ares do passado, está a captar a atenção dos mais esfomeados por esta sonoridade — pela sua unicidade e autenticidade. O LUME está bem forte e promete não abrandar, mas quem assumiu as rédeas da grelha? Não vêm sozinhos e funcionam como um grupo coeso que tem hasteado lá no alto a bandeira de um de rap à vista desarmada mais “tradicional”, mas desengane-se quem pensa que estes jovens artistas se vão limitar a replicar uma receita datada.

Um dos chefs, chama-se Catalão, e vem munido de temperos em forma de beats que nos fazem viajar até terras de sua majestade, mas é o outro chef, o já (nada des)conhecido Vácuo, quem tira as teimas ao pulvilhar com as suas rimas em bom português a base do irmão de armas, ou melhor, microfones, para o primeiro EP entre o MC e o produtor da LUME, de nome Wildstyle.

O Rimas e Batidas sentou-se com a dupla durante praticamente 3 horas para dissecar este disco e também descobrir tudo o que se perfila no horizonte das suas carreiras e do projeto da interessante e prolífica Lisbon Underground Music Entertainment (LUME). Um spoiler: os próximos meses reservam muita música nova.



Indo às vossas raízes, como se conheceram?

[Catalão] Estivemos juntos uma vez, trocámos umas ideias e a vez a seguir foi logo em estúdio, e saiu logo som, o “Easy” que está neste EP. A gente ainda nem se conhecia muito bem nessa altura…

[Vácuo] Basicamente foi isso. Eu estive a viver em Espanha e lembro-me que na altura lancei o Megalowmano e estávamos a dar aqueles toques finais e a procurar alguém para scratch e o Amon indicou-me o Max [DJ Algore]. Já conhecia algum trabalho deles e foi aí que se deu a primeira colaboração, e fechei esse scratch para a faixa “Mais Um Copo” do meu álbum. Quando voltei para cá, estivemos uma vez juntos e ya, foi relativamente recente, há um ano e meio, faz dois anos no Verão. Mas epá, parece que já nos conhecemos há bué, a verdade é essa… [Risos] É isso, é a naturalidade com que tudo surgiu e não só, pessoalmente, a amizade entre nós, bué importante também.

[Catalão] Mesmo em conversa, troca de ideias, a cena fluiu bué naturalmente até chegarmos aqui, a este disco.

E puxando a fita ainda mais atrás, como dão os primeiros passos na cultura? O Vácuo já é um nome bem conhecido da praça há praticamente uma década

[Vácuo] Uma década, fogo, até me fazes sentir velho… [Risos] Epá eu desde bué novo que tive contacto com o hip hop, involuntariamente, através de Da Weasel, lembro-me em puto do “Não Sabe Nadar” bater bué, acho que nenhum nós sabia que aquilo era hip hop. Mas ya, depois foi por volta dos 16/17 anos que comecei a escrever cenas wacks, o normal, e gravei o primeiro som em 2011, mas oficialmente só saiu por volta de 2013, na ASTRORecords. E foi isso, comecei por lá com o Vilão, ProfJam, Mike El Nite, essa maltinha. Nessa altura lembro-me de chamar o Benny Broker para fechar dois ou três sons que ainda saíram pela ASTRO e através dele comecei a criar outras pontes, ’tás a ver? Conheci o Uno, juntei o Uno e o Benny, foi ali o elo de ligação entre dois. Entretanto a cena da ASTRORecords morreu e comecei a fazer som mais diretamente só com o Uno, Benny Broker, Eliot, Rott e passaram-se aí uns três ou quatro aninhos. Eu sempre fui dependente de outros no processo de gravação e estúdio, tenho um mic em casa mas a qualidade não é a melhor, então pronto, andei sempre a mexer-me e a fazer cenas com malta diferente — ou seja, é daí que vem essa ligação com tanta gente, conhecia bué malta. E foi isso, em 2014 saiu o Evacuação Obrigatória, em 2016 o primeiro álbum CulTurismo, entretanto uns anos passaram, fui só lançando faixas soltas, até ao Megalowmano em 2021. De 2016 a 2021 fui tendo várias participações em sons de malta, uns singles meus, mas só voltei mesmo a abrir atividade com o Megalowmano, com o Amon. Ele convidou-me e na altura foi grande recognizement, sempre ouvi Royal Máfia, Amon, Gumble, Top Dogs, curti sempre bué. Fizemos um som, estava em Espanha e depois voltei para cá, e pronto, agora surge este novo projeto, o Wildstyle. Basicamente desde que voltei para Portugal, fechei mais sons que nos últimos 10 anos [risos].  

Se calhar, a paragem foi boa…

[Vácuo] Passas por uma fase de desmotivação, parece que já não te sai nada, mas depois lentamente as coisas vão surgindo, agarras o bichinho e só queres fechar mais sons. Felizmente, também fui conhecendo bons produtores…

… tens um ao teu lado [Catalão estava sentado ao lado do Vácuo].

[Vácuo] É verdade… acho que isso para um MC é essencial, é a base. Quase todos nós começamos com beats da net, há malta que vai aprendendo e produzir e isso, mas começa quase tudo por aí. Eu a partir do momento que fui só conhecendo pessoal que tinha bases, para não depender mais de beats da net, enveredei por aí muito mais.

[Catalão] Acho que é muito mais fácil ires de encontro àquilo que é o teu som com um produtor próprio do que com beats da net.

[Vácuo] Eu lembro-me que os primeiros beats assim de pessoal foi na altura do Culturismo, cenas do Amon, Stone Jones, Uno, Pesca, Rott. Hoje em dia sinto que encontrei uma mão cheia de produtores que me sinto mais à vontade. Tenho o Catalão, Cabril, Amon, Stone Jones, ya, vai sendo uma malta que são o meu porto seguro, encontrei pessoas com quem isto é fácil de se fazer, e dá prazer, e o produto sai mesmo fresh. Epá, é uma exigência minha trabalhar com pessoas com as quais eu me identifique, acho que isso é importante, tanto para o MC como para o produtor, acho que também é desafiante para ti [Catalão], falo por ti, é bué desafiante encaixares os teus beats em rappers, imagino eu, certo?

[Catalão] Claro, no sentido em que eu procuro não sair muito daquilo que é o meu espetro sonoro, ’tás a ver? Ainda assim, adaptando-me àquilo que é o registo de cada MC que eu possa estar a trabalhar, tento manter a cena dentro da minha textura sonora nos beats. 

Voltando à parte das raízes, Catalão, fala-me um bocadinho de ti.

[Catalão] Vamos ter que recuar muito mesmo, porque a música sempre foi uma cena que esteve muito presente na minha vida, não a cena do rap em si, mas a música mesmo. Comecei a tocar bateria quando tinha 9 anos, foi o primeiro instrumento que toquei, comecei a ter aulas numa escola, estive lá durante uns 3 anos, depois desisti e passei para a guitarra eléctrica, e ya, toquei durante uns 6 anos. Eu sempre ouvi Da Weasel, Black Company, esses sons assim mais caricatos do rap português, mas a minha cena principal não era tanto isso, venho de uma escola à base do rock, muito à pala do meu pai também. Referências desse estilo tenho os Pink Floyd, Guns N’ Roses, Aerosmith, The Doors, AC/DC, Dire Straits, por aí, ya. Eu durante muitos anos estive obcecado com a cena da guitarra, só tocava guitarra, saía das aulas e ia para casa tocar, every day. Depois ainda cheguei a ter alguns concertos com umas bandas da escola onde eu andava, às vezes tínhamos algumas audições com público, tocávamos uns covers, por aí. Depois meteu-se a faculdade e outras cenas de vida e já não conseguia dedicar o tempo de antes. Acabei por deixar um bocado o instrumento, mas a música sempre fez bué falta na minha vida, e a partir do momento que passei a consumir mais hip hop pensei: “Tenho algum conhecimento a nível teórico e prático, curto bué hip hop, porque é que não me jogo a uma caixa de ritmos, em vez de querer só tocar instrumentos?”. E ya, comprei a minha MPC Studio em 2018/2019.

Parece que tiveste uma curva de aprendizagem de muito mais anos na MPC, mas já percebi que o teu background musical ajuda.

[Catalão] Primeiro agradecer, e em segundo, pá, muitas horas mano. Eu durante os primeiros dois anos, até 2020, não fazia nada. Até trocar para a minha MPC One há um ano e meio, tinha quase 1000 beats meus. Bué horas — e não só — do meu tempo em casa, a descobrir cenas da máquina, constantemente a pesquisar, sons, samples, história disso, como é que as pessoas faziam, enfim — no fundo queria absorver o máximo de informação sobre o tema que conseguisse. Graças a isso, sinto que consigo materializar aquilo que quero de forma muito mais precisa. Sei que podem parecer mais anos do que realmente são, mas é só mesmo muitas horas, muito trabalho, muito tempo investido. 

[Vácuo] Verdade seja dita, eu também aprendi guitarra, durante aí uns 5 anos. Hoje em dia sei tocar as “Dunas” e alguns acordes [risos]. 

[Catalão] Guitarra acústica ou eléctrica?

[Vácuo] Acústica.

[Catalão] É isso, eu sinto bué que ficou-me muito disso, porque para já existem dois tipos de guitarra: lead guitar e rhythm guitar, normalmente a acústica é rhythm guitar, não faz muito mais que dar power chords, ’tás a ver? Eu como tocava guitarra eléctrica, ou seja, lead guitar, tinha bué momentos em que tocava covers, eu não ia soar exatamente igual ao original. Imagina, se tocasse um som do Mark Knopfler, eu não ia soar exatamente igual a ele. Dentro da escala que o Mark Knopfler usou para soar naquele som, eu vou ter que improvisar um bocado ali. Os meus professores obrigavam um bocado a isso também, a menos que fosse algum som assim mais clássico, mas ya, isso ajuda bué mano. Para a materialização dos sons no rap, houve aí uma cena para juntar uns beats para uns MCs, sinceramente já não me lembro bem dos detalhes, mas ya, quatro MC’s escolheram os meus: o Mura, o Kyra, o Damaz e o Déarté. O primeiro som que eu fechei com alguém foi com o Mura, o “Palavras Feias”, e pronto, a partir daí foram saindo cada vez mais cenas, até agora, nos projetos da LUME Portugal. 

Gostava de perceber onde foi esse momento de viragem, de saíres da tua “caverna” e começares a trabalhar com artistas e a saírem cenas tuas.

[Catalão] Foi um bocado eu também sentir algum conforto naquilo que estava a entregar ao people. Eu sou um gajo um bocado perfecionista no meu trabalho, o Vácuo pode confirmar isso, se a cena não me tiver a soar bem…

[Vácuo] … mano, já tivemos sessões de estúdio só focadas num som, chegar de tarde e sair de madrugada.

[Catalão] Eu sou bué reticente quando alguma cena não me ’tá a soar bem. Normalmente quando eu faço os meus beats, ou a cena evolui logo muito rápido para uma certa forma que eu sei que vai funcionar, ou então vou passar muito tempo à volta de samples e se calhar não vou curtir muito, e vou perder muita hora.

[Vácuo] O último som que acabámos por fazer aqui é um bom retrato disso…

[Catalão] Acabou por ficar um grande beat, mas estava dificil encaixar um baixo por lá, enfim, estava com uma tonalidade estranha, estive bué tempo a tentar, e acabámos por gravar no beat como já estava e no dia a seguir vim ao estúdio, não sei o que me deu na cabeça, samplei aí um disco com uma faixa de saxofone crazy, 45 segundos de sample, tudo chopped em sons pequenos, adicionei alguns elementos e ficou feito. Isto também para dizer que eu no início fazia beats com tudo, é por isso que eu tinha muitos beats, absorvia tudo o que ia consumindo. Hoje em dia não, sou bué esquisito na minha escolha de samples, procuro uma textura. Mais do que loops, notas ou instrumentos, procuro texturas. Esse processo tem resultado em duas cenas: sempre que faço um beat, faço um ganda beat, mas não faço beats com tanta frequência. Fico com mais confortável a trabalhar com pessoas assim, sei que não vou entregar qualquer coisa.

Apesar da vossa sonoridade ser algo mais clássica, tem elementos frescos que fazem a vossa músicar soar meio atualizada e inovadora. Lembra-me alguma malta mais do underground de NYC, rap do UK. Concordam?

[Catalão] Sim, sim. Primeiro, uma das maiores inspirações na minha produção é o rap do UK, que vive muito disso — é um rap que eles inventaram, pegaram no boom bap e transformaram-no não na cena do trap, mas sim numa cena mais moderna, aplicando outra textura ao som. Acho que foi o que retirei mais daí. A sonoridade do rap deles também é bué cinemática, ’tás a ver? Os tons usados para fazer, os flows, as métricas, a forma como tudo é construído, remete sempre para uma onda mais de cinema, e tento sempre trazer essa veia cinemática para a minha música.



O beat do “Pyorktu” leva-me muito para esse lado sim, lembra-me quase uma onda assim meio sketchy… lembra-me um tema do Conway The Machine, chamado “OverDose“, com uma sonoridade meio sinistra.

[Catalão] Gosto bué dessa vibe, que nota-se que é assim meio estranha e curiosa.

[Vácuo] E da minha parte, para escrever, um beat que me leve a coisas visuais, tipo ’tou a ouvir o beat e a imaginar um cenário, o beat do “Pyorktu” é uma cena bué misteriosa, com aquela linha de baixo… eu tentei acompanhar a cena, acho que é muito mais fácil quando um beat te leva para uma cena paralela, ficas logo inspirado para escrever.

Mal ouvi esse som, lembrei-me logo de um nome que encaixava na perfeição ali… o Montana dos Álcool Club

[Vácuo] Ya, ya, é verdade sim senhor. O próprio videoclipe lembra um bocado uma cena que eles fizeram há uns tempos com o Mass, o “Honesto”. A vibe é diferente, mas nós também tentámos replicar um bocado aquele cenário, o sítio onde gravámos também era um bocado vintage, um espaço bué fixe.

Onde foi?

[Vácuo] É numa guesthouse no Chiado, era uma casa onde viveu o Fernando Pessoa. Cada quarto é um heterónimo, a decoração toda é inspirada na vida dele, o dono é o pai da namorada do meu irmão, ele é mesmo fascinado pelo Pessoa. Eu há uns tempos fui lá num jantar e fiquei mesmo pasmado com o spot e até dei a dica de que dava um grande cenário para um videoclipe, e o dono foi bastante recetivo, arranjámos uma data que desse jeito aos dois, e ya, fizemos acontecer numa noite, em poucas horas. 

Achei interessante a faixa “Respeita o teu Rap”, é um statement esse nome, um nome forte. Querem fazer uma crítica ao momento do rap nacional? O que pretendem dizer com esta faixa? Na minha opinião, viu-se um grande ascendente comercialmente nos últimos anos e agora as coisas desaceleraram um pouco a nível de números, até hype, vemos os artistas de topo menos ativos e não tão criativos — isto a meu ver, claro. Gostava de ter a vossa visão sobre isto e se esta faixa é algum tipo de reflexão.

[Catalão] Imagina, eu acho que isso é sempre um assunto delicado de se falar, mas acho que se perdeu um bocado o processo da cena. 

Até a nível de padrão de qualidade, não?

[Catalão] Também, de tu estares ok com o teu som. Hoje em dia parece que há muito a cena de querer apressar o sucesso, do querer chegar lá de uma maneira muito rápida, enquanto a cena não é feita para ser vista dessa maneira, não é para ser feita assim, entendes? A cena é feita para construíres a tua cena num processo que é longo. Tens que estar pronto para esperar, para dormir pouco, para perder bué horas, para investires o teu tempo e o teu dinheiro para cresceres devagarinho. Um dia de cada vez, e o people cá na tuga perdeu um bocado isso, a meu ver. Esse é o grande sofrimento do rap tuga, a meu ver. 

[Vácuo] Agora que pegaste nesse som, tenho uma barra em que digo “mais um verso, não te peço tempo, só te peço mesmo que oiças bom rap, o resto é-me indiferente”. Epá, basicamente consome a cena que tu curtes como MC, o que eu tento passar nesse som é mesmo isso: o foco é respeitares-te a ti, ao teu processo musical, e com quem estás a criar a tua música. E se lançares a cena cá para fora e o pessoal perceber a dinâmica, a humildade, a honestidade, vais acabar por ser respeitado.

[Catalão] Respondendo também à parte da cultura ter estado numa fase ascendente e agora estar meio estagnada, é tudo meio reflexo de tudo isso. Se tu te esqueces do processo, se só pensas em chegar lá em cima, não absorves nada desse processo, os erros que cometeste. Não falo de ninguém em específico, é uma cena que sinto que se perdeu no rap tuga e aí a malta estagna, como disseste.

E essa “pressa” pode ser má para a cultura do rap tuga a longo-prazo. Creio que vão haver muitos sons desta altura que vão envelhecer mal.

[Catalão] Como é óbvio mano. Os sons que ficaram de clássicos que ouvimos hoje em dia, são álbuns que saíam de 2 em 2 anos, 3 em 3. Quanto mais tempo estivesses no processo melhor, mano, como quanto mais tempo estás a descobrir, melhor. E por isso é que se não absorves o máximo do processo, vais chegar a uma altura que simplesmente estagnas, porque não vais saber onde vais estar a apontar.

A título pessoal, são muito poucos os artistas hoje em dia que me despertam algum tipo de curiosidade a nível sonoro. Lembro-me de em 2015/2016 andar feito nerd quase diariamente atrás da última dica, da última wave, até mais no trap, e ver um movimento mega interessante. Ultimamente sinto que essa veia perdeu imensa tração.

[Catalão] A cena da rapidez e do som ser feito meio naquele… há muita malta a querer viver da música, tudo certo com isso, mas a cena para mim é: isso não pode ser o main focus, isso tem de vir ter contigo. Não és tu que vais ter com isso. O Malibz recentemente até rimou “Todos preocupados porque o Rap não dá cash. Só te digo, faz fora dele, é menos um pesadelo, contenta-te, faz a tua cena, pode ser que te surpreendas”. Eu acho muito que essa cena do estagnar é porque não houve mesmo maturação suficiente do processo, ’tás a ver? Fizeste uma cena rápido porque, tipo, ‘tá a bater e tal, e vais fazer e acontecer, e pronto. No fim não te encontraste e não retiraste assim tanta coisa do processo, fizeste uma cena que, tipo, até te pode dar algum benefício momentâneo, mas não te descobriste musicalmente. A única cena que me importa a fazer beats é que eles saiam da máquina exatamente como eu quero. É eu ter o controlo da minha música, da minha máquina, de eu saber o que preciso de fazer para sair como eu quero. E se assim for, eventualmente a cena há de correr bem. Eu comecei a produzir com a MPC Studio, hoje em dia tenho a MPC One e tenho a 5000 que o Beware [Jack] me emprestou, e desde este novo workflow de uma MPC mais antiga com uma mais nova, vou ter que comprar uma destas… eu já não vou ficar satisfeito porque eu agora consigo fazer as cenas soar de uma certa maneira por causa desta máquina, deste hardware. É uma cena que eu valorizo no meu som, então vou querer investir nisso. Se calhar daqui a 3 ou 4 anos vou estar a produzir de forma diferente, com mais gear ou whatever, por causa de uma cena específica que isso acrescenta ao meu som. Se tu fizeres isso com empenho, com a ambição e a motivação certa, eventualmente… a cena há-de correr bem, esse é o foco.

Este vosso esforço colaborativo do Wildstyle, acaba também por surgir inspirado no filme clássico dedicado à cultura hip-hop com o mesmo nome, ou há aí outra história escondida?

[Catalão] O primeiro beat que apresentei ao Vácuo na primeira vez que estivemos em estúdio, eu tinha feito um scratch com uma frase do Big L, do “Put It On”, onde ele diz “I got the wild style, always been a foul child” e ya, grande parte da escolha desse nome vem daí. A referência ao filme vem mais no universo que a gente meteu no projeto, por causa da capa, o graffiti, o cenário do filme, mas vem muito dessa cena, desse scratch para esse tal beat, que acabou por nem entrar no projeto!

[Vácuo] Eu lembro-me perfeitamente quando ouvi o scratch, veio-me logo a dica da primeira linha do som “Wildstyle”, que é “Wildstyle, continuo com o feeling, vai buscá-lo”. 

[Catalão] Acho bué curioso daí só ter ficado o nome, não ter ficado o scratch, o beat, nada… [risos]

Já tive a oportunidade de estar em estúdio com vocês para a gravação da cypher “Passa o Mic #6” da DRUGS, com a malta da LUME, e foi uma studio session bem interessante. Queria-vos perguntar: quais foram os episódios mais engraçados, marcantes e inusitados da conceção deste disco para ambos.

[Vácuo] Foi curioso que os dois primeiros sons que grávamos, que foi o “Wildstyle” e o “Easy”, alterámos o instrumental e outras dicas… o Catalão supostamente ia fazer o verso dele no “Wildstyle”, mas acabou por entrar na “Classe 4”.

[Catalão] E entrei nesse som porque me fizeram bué pressão, tinha feito o beat disso, já era bué tarde, umas 3 da manhã, estava bem cansado, gravei o Pete, o Mura e o Vácuo e passado uns dias vim aqui [ao estúdio], fresquinho e gravei a minha cena [risos].

[Vácuo] Quando começámos a ver dos beats foi quando apanhaste COVID também…

[Catalão] Eish essa é má, mas até acabou por ser bom [risos]. Tirei o melhor partido possível dessa situação mano… deu-me um click, ainda naquela fase da quarentena de 14 dias, e pensei que não ia ficar trancado com os meus pais e o meu irmão em casa, no meu quarto, ia ser complicado. Então, no dia em que testei positivo, dia 23 de Dezembro curiosamente, peguei no meu material todo do estúdio e fui para casa dos meus avós em Almada, eles não estavam lá, e montei lá o estúdio, basicamente. Durante esses 14 dias tive sintomas muito leves, então foram dias muito tranquilos, todos os dias levantava-me, fazia 2 beats antes de almoço, 3 beats depois do almoço, jantar, mais 2 beats antes de ir dormir e esta rotina durante 2 semanas. Foi produtivo esse período, chato porque não passei o Natal e a Passagem de Ano com a família, mas ya, não me posso queixar, foi uma altura bem bacana, para a música foi fixe. Shout out aos meus cotas que foram mega pesados e deixaram-me lá 3 garrafinhas de vinhos na noite de Natal, fiquei atestado [risos].

[Vácuo] Há outra história aí porreira recente, não sobre o Wildstyle, mas fizemos um EP recentemente em 4 dias, chama-se Recife Armário. Foi ridículo [risos].

[Catalão] Ya, eu, o Vácuo, o Animal, o Cevas com participações do Uno, do Benny B, do Farrusco, do Mura, do João Pestana, do Rumo e do Pete. Basicamente o Cevas e o Animal vieram aí passar um fim de semana, e em 96 horas, passámos umas 80 aqui no estúdio.

[Vácuo] Foi rídiculo de tão fixe… cada dia foi um som, criar tudo no dia, tanto beat, como escrita, cada som tem diferentes MCs, nunca tinha este processo de criação, foi crazy mesmo.



Brutal! No Wildstyle também contaram com várias dessas participações, de velhos conhecidos. 

[Vácuo] Mano eu sempre curti features, cresci assim no rap…

[Catalão] Mais que um feature, é um prazer ter essas pessoas no disco.

[Vácuo] Ya, é pessoal do nosso meio, da nossa família underground. Dá sempre um sabor extra ao MC e ao produtor que são autores do projeto. 

A “Classe 4” lembrou-me aquelas cyphers que se viam muito antigamente em álbuns de rap americanos, aquela última track sempre repartida com vários rappers.

[Vácuo] Olha, a nossa ideia inicial até passou um bocado por aí. Quando o EP tinha para aí 5 sons, a sexta faixa era para ser uma cypher e ter aí uns 15 minutos… [Risos]

[Catalão] Ya, mas entretanto materializou-se a cypher do Cabril e a cena perdeu o sentido… eu até chamei o Cabril de “byter e filho da p*ta”… podes mesmo escrever isso na entrevista [risos]. 

[Vácuo] Felizmente estiveram muitos nomes, é sinal que nos damos bem com muita gente e nos identificamos musicalmente com muitos. Não tenciono nunca não ter um feature nos meus projetos, não posso dizer isto, mas gosto sempre de ter faixas com pessoal. No caso do Pestana nunca tinha feito um som com ele, pá e acho que foi incrível, um bom som.

O filme Wild Style inspirou-vos na capa deste EP, certo? Recriaram um bocado o cenário do final do filme, certo?

[Vácuo] A própria pessoa que fez esse artwork, o Rumo, pinta bué, e quando lhe falámos da cena do filme, ele disse que o filme foi a base do graff…

[Catalão] Para tu veres, nós nem lhe demos grandes guidelines. Dissemos que queríamos fazer a capa como cenário do filme, referenciar o graff, alguns elementos, e ele fez a cena!

E estão algumas pessoas na capa, certo? Quem são todos para os mais desatentos?

[Catalão] São os participantes e nós! O Mura, o João Pestana, o Max, o Pete e nós os 2. Shout-out ao meu brother Saraiva, sem ele este álbum também não tinha sido feito, peça importante na mistura, um trabalho meio tapado, mas crucial, para conseguirmos ter o som que pretendemos, é fácil as cenas não soarem como queremos. Uma parte fundamental de fazer som, de preferência estar sempre junto de quem o faz, para garantir que fica tudo nos trincos, snares, kicks, qualquer coisa mesmo. Há pormenores deste disco que só foram feitos em fase de mistura e masterização. 

[Vácuo] É bué cansativo, ouves os temas centenas de vezes…

[Catalão] É uma tareia mesmo, não páras, gastas muitas horas, é uma tarefa delicada. Shout-out ao Saraiva mesmo.

Há algum som que seja mais próximo para vocês, não querendo perguntar pelo favorito…

[Catalão] Há um, que é um dos meus sons favoritos de sempre, de sempre mesmo, que é o “Pyorktu”. Gosto mesmo muito desse som, tudo mesmo, cada vez que o oiço parece que é a primeira vez.

[Vácuo] Gosto bué de tocar ao vivo a “Hoje”, divirto-me bué, até a própria envolvência do pessoal, tem aquele refrão que a malta sabe, marcou ali uma nova fase da cena da LUME Portugal. Também gosto bué do “Pyorktu”, a minha cena com o Pestana foi pesada.

Na “Respeita o teu Rap” até citas o Notorious B.I.G e emulas uma barra da “Kick In The Door”. O Wildstyle é um pontapé na porta, o início de um novo capítulo e a estreia da LUME em projetos assim?

[Vácuo] Sim. Antes tivemos também a mixtape De Rajada do Max, mas projeto de produtor e MC, ya. Até já houve malta a perguntar se agora sou da LUME e isso, mas epá, eu fui da ATRORecords, que foi ali a rampa de lançamento, mas já fiz cenas com tanta gente de projetos diferentes…

[Catalão] A questão é tipo não teres sido, ou és, ou serás… a LUME não é assim. Tu vives a LUME como nós vivemos. Apoia e faz pela LUME. Mas se quiser fazer um projeto pela Godsize Records é LUME na mesma, whatever, é indiferente. Ele é LUME porque apoia a cena e faz pelo projeto.

Quem faz parte da LUME?

[Catalão] O Max é o core da cena, e depois assim os mais próximos sou eu, o Miles High e o Saraiva.

[Vácuo] Só há pouco tempo é que descobri que LUME significa Lisbon Underground Music Entertainment [risos].

Bom, olha, eu acabei de descobrir [risos]. Acho que a LUME está meio a “reviver” e a desenvolver um espaço para ceder a artistas mais underground, não sei. Recorrendo à semiótica, a perceção automática que tenho da LUME é um estilo de rap mais a puxar o boom bap, uma parte lírica mais vincada, acho que a bandeira está bem hasteada nesse aspeto. 

[Vácuo] A cena que mais me cativou desde que conheci a LUME é o tipo de eventos que são feitos, desde os Raps Clandestinos, às LUME Sessions, os próprios concertos do Underbangers, etc. Tem fomentado muitos bons momentos de música ao vivo, o pessoal tem curtido bué, todos os artistas que se disponibilizaram a trabalhar, o pessoal tem bué orgulho de ter participado e colaborado com a LUME.

[Catalão] Lembras-te da tal cena do processo que falámos? Uma das maiores prioridades da LUME é construir esse processo, pavimentar isso, para nós, para quem está nesse meio.

Acho que do ponto de vista do consumidor sente-se essa calma, genuinidade no produto final.

[Catalão] O importante é a genuinidade manter-se e a cena estar como tu queres, as you wanted, ’tás a ver?

Quais são os pontos mais positivos e negativos de trabalharem um com o outro?

[Vácuo] O que gosto mais é que acho que já conseguimos um à vontade bué orgânico, quase uma simbiose. E o processo que menos gosto — e digo isto na boa sem ser egoísta — é que ele tem grandes beats e queria esses [risos]. Mas na boa, é bom ele ter imensos.

[Catalão] Ya, essa simbiose. O approach dele também é o mesmo que o meu. Agora, dos que menos gosto, e até é de mim para mim, é chegar ao estúdio e tentar fazer um beat, fico ali horas e horas a tentar encontrar um sample e acabo por usar algo que já tinha produzido antes disso e estava guardado. Não curto disso… Não é que não seja um grande instrumental, mas durante a gravação do resto da música vou estar meio chateado, sou um bocado auto-crítico, sinto que falhei, ya.

[Vácuo] Por acaso até são bastantes as vezes que nem sequer se grava som em estúdio, por bué vezes estou só aqui a chillar, a ver o processo de produção, às vezes escrevo algumas barras. No início mandaste-me o beat da “Hoje” e da “Respeita o teu Rap” e fiquei aqui a escrever, foi bué fixe.

E por uma vez também já o vi de perto a fazer esse processo…

[Catalão] Na cypher do “Passa O Mic”, né? Olha, esse foi um dos que correu bem, ouvi logo o sample, e em menos de nada já tinha todas as camadas que eu queria, saiu mesmo bem.

[Vácuo] Foi uma cena muito fixe, uma experiência brutal. Não conhecia a malta de Faro do Studio 27 e incrível mesmo, shout-out a eles.



Voltando atrás para olhar para o horizonte, falaram-me de um EP entre o Recife, que é o estúdio do Catalão, e a Armário Records. Já há nome?

[Catalão] Ya, é um EP que foi todo feito no Recife, este estúdio, mas vai sair pela Armário Records. O EP vai-se chamar Tábua Rasa

[Vácuo] A Armário Records também é um projeto que vale a pena visitar, é malta que faz o tal processo que o Catalão falou. E é só personagens cada uma pior que a outra… no bom sentido [risos].

[Catalão] E há uma pessoa que está no rap há muito tempo mano, tinha acabado de nascer e ele já rimava! É o Cevas, um OG.

[Vácuo] Tem vários trabalhos com o Uno, imensa música mesmo.

[Catalão] E sente-se mesmo que é de uma geração diferente. Veio aqui e gravou nos tais 4 dias, e como forma de agradecimento ofereceu-me a sua discografia física completa, muito fixe. Shout-out Cevas!

E mais projetos na manga para cada um de vós?

[Catalão] Tenho um EP com o João Pestana já em fase de mistura e masterização, bastante avançado. O projeto vai-se chamar Como Observar o Real. Também tenho um EP com o Óssio, que está a meio do processo, e ainda não tem nome esse. Tenho uma beat tape que tá perdida no tempo, já masterizada, mas ficou em stand-by. E tenho também um projeto para 2024, não sei se vou revelar já, mas vai ser fresh, é só o que posso dizer…

[Vácuo] Pronto, tenho participação neste EP Tábua Rasa.

Já ouvi falar de um EP aí repartido entre ti, o Darksunn, o Mura e o Sensei D…

[Vácuo] Ya, ya. O objetivo é sair este ano, já estão uns 6 sons gravados, mas faltam uns detalhes, temos uma ideia para a parte visual já, algo complexo. Queremos fazer uma cena diferente, vai ser muito interessante isso. Tenho um álbum que já era para estar cá fora, até antes deste, com o Rilha, rapper da Trofa, 12 faixas, tudo gravado, temos um videoclipe feito, faltam só 3 scratches, 2 do Tommy El Finger e 1 do DJ Score. Esse álbum vai-se chamar Fleuma Nossa. Hei de ter aí umas participações noutros projetos, há mais malta com quem já fiz algumas faixas soltas que vão sair. Ya, muitas cenas a acontecer, também tenho um projeto falado com o K.Otic. Enfim, para quem não fez nada durante 6 anos, muitas cenas novas. Falando do EP Tábua Rasa, que deve estar quase a sair, esse nome é engraçado porque simboliza um trabalho feito do zero, algo inesperado, do momento, e tem sido tudo assim, foi tudo feito assim.

[Catalão] Mix e master vão ficar a cargo do Cabril, o artwork vai ser do Rumo, e o lettering do Miles. Vai ser literalmente uma collab entre a LUME e a Armário Records. Também tenho 3 faixas com o VATO, uma delas só com ele, outra dele e do Malibz e outra com o Malibz e o TOM. Era fixe ver se gravava mais 1 ou 2 sons, para ficarem gravados uns 5 ou 6 e fazer algo daí.

E artistas que gostassem de trabalhar no futuro? 

[Catalão] O projeto que falei que vai ficar para 2024 é com uma pessoa dessas [risos]. É alguém que vai ser um grande prazer trabalhar, uma honra mesmo. Mas claro, há mais malta sem dúvida, falei disso recentemente com o Mass e o Nero, tenho bué interesse em fazer um álbum de ORTEUM — bué mesmo, oiço-os desde há bué. São para mim uma referência de rap tuga e damo-nos bem, era um prazer fazer isso acontecer. Como é óbvio, um dia gostaria de trabalhar com o Sam [The Kid], com o Blasph também. Curtia muito de fazer uma cena com M.A.C, com o Kulpado e o TNT, são umas lendas do rap tuga. Um gajo pode estar aqui o resto do dia… mas ya, eventualmente, acho que trabalhar com os ORTEUM e os M.A.C acho que é possível, para o futuro. É isso. É um processo mano, tudo a seu tempo, com calma.

[Vácuo] Eu pessoalmente tenho um gajo com quem quero trabalhar há bué e damo-nos super bem, com o TOM. Acho que nos vamos cruzar bué bem, é um gajo que admiro bué, e acho que vai ser um processo fácil trabalharmos juntos. Curtia também fazer alguns sons com a malta de ORTEUM, cada um deles individualmente, gosto de absorver a cena de cada um.

[Catalão] Curiosamente tenho 2 sons gravados, um com o Tilt e outro com o Mass, que nunca saíram, ya. Agora que falaste do TOM, também gostava bué de trabalhar com ele, ainda não se proporcionou, mas sem dúvida. Ah e estava-me a esquecer aqui de uma cena, da pessoa que cuspiu pela primeira vez, o Chari, respect mesmo, meu sócio Charizard The Killer [risos]. Também há outro rapper, ainda não fiz um projeto com ele, mas vai mesmo acontecer, que é com o Mura, não sei quando, é algo inevitável, tudo a seu tempo.

Regressando ao EP Wildstyle, algumas notas finais para fecharmos este capítulo? 

[Vácuo] Gostávamos de fazer mais umas datas para apresentar o EP, uma apresentação mesmo oficial. Fomos ao Circus, que é uma tenda de circo em Lisboa — uma vez por mês o Pestana arranjou lá tipo uma rubrica dele, que é a Versátil, e apresentámos lá o Wildstyle. Mas ya, gostávamos de fazer uma cena própria, tocar este EP e outras cenas mais clássicas. Não há datas, mas vai acontecer for sure. Relativamente a cópias físicas: estão mesmo, mesmo a esgotar, falem connosco a ver o que arranjamos [risos].


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