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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/07/2021

Reactivar o culto da rima sem rodeios.

DJ Algore sobre Mixtape De Rajada: “O objectivo passa muito por dar visibilidade a artistas que não a têm”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/07/2021

Foi De Rajada que DJ Algore se estreou nas edições com uma mixtape que alberga duas dezenas de convidados, entre eles Tilt, DAMAZ MC, Amon, Avan Gra ou Johny Gumble.

Max Ferreira é uma espécie de canivete suíço ao serviço da cultura hip hop em Portugal. O seu percurso começou em frente ao microfone, função que desempenha em De Rajada enquanto Regalo, mas é atrás dos pratos ou de lata de tinta em riste que melhor damos pelo seu impacto. Nos bastidores, o seu cunho estende-se ainda ao agenciamento e à produção de eventos, sendo ele o homem do leme no projecto Lisbon Underground Music Entertainment, cuja série de concertos LUME Sessions já demos conta por aqui.

Numa altura em as mixtapes curadas por DJs estão praticamente extintas no nosso país, Algore fez renascer o formato ao convocar MCs e produtores para esta sua primeira incursão no capítulo das edições em nome próprio. Entre caras bastante nossas conhecidas e vozes ainda há procura do seu espaço, em De Rajada encontramos contribuições de Tilt, DAMAZ MC, João Pestana, KYRA, Ossio, De Choko, Brisa, ILO, Cachapa, Yur1, Bob, o Vermelho, Bifes, Avan Gra, Puto Rafa, Chari Killa, Johny Gumble, Amon (que também assina o respectivo beat enquanto Groove Synthdrome), Mura, Catalão e Saraiva. São ao todo 39 minutos de rap a bombar directamente das veias para os nossos ouvidos, ilustrados no YouTube com a pintura de um mural e também disponíveis em CD através de mensagem privada no Instagram do artista.

Ao ReB, Algore falou sobre esta reunião de criativos em disco e abordou a sua ligação com as várias vertentes do hip hop.



A maior parte das pessoas talvez te conheça pela produção de eventos ou das LUME Sessions mas já por algumas vezes te tens vindo a apresentar como DJ Algore. Para quem só agora te apanhou neste formato, como é que surge a tua ligação com o turntablism?

Comecei por passar música em 2015 no Copenhagen, no Cais do Sodré. Sempre tinha tido uma ligação enorme ao hip hop e uma vontade grande de mostrar certos tipos de som que o público em geral não ouvia tanto. Inicialmente passava som às terças-feiras e fui “subindo” até às sextas e sábados até que, num sábado daqueles de Verão, em que o Copenhagen tava a abarrotar, os meus amigos decidiram taggar as casas de banho recentemente limpas e isso gerou uma situação desagradável. Tive de voltar às terças por não querer revelar nomes… Depois disso fui passando som onde dava — no 36, também nalguns pequenos festivais — mas fiquei farto da noite e parei, sendo que só me voltei a entusiasmar quando troquei o digital pelo vinil, em 2019/20. Comecei mais a sério no Inverno de 2020, quando eu e o Catalão alugámos o Recife, um estúdio onde estamos praticamente a viver desde então.

O título da tua mixtape aponta-nos para algo que foi pensado e elaborado com extrema brevidade. Dado o contexto actual de distância social, a somar ao facto de teres convidados de vários pontos do país, foi fácil orquestrar todo este projecto?

Não foi de todo fácil. Houve quem não tivesse disponibilidade e quem aceitasse o convite e depois não gravasse, mas por outro lado estive pessoas como o Mura que gravaram a faixa em tempo recorde. Foi uma questão de escolher os beats e depois chatear os rappers para gravarem, sendo que quem não tinha estúdio teve oportunidade de gravar connosco. O projeto começou em Janeiro mas podia ter sido acabado um ou dois meses mais cedo, não fosse terem-se posto as LUME Sessions pelo meio e não fossem também os meus colegas procrastinadores profissionais… Shoutout Saraiva e Miles!

Há ainda a componente da urgência, que também pode ser associada à mesma expressão, De Rajada, já que em Portugal as mixtapes curadas por DJs têm sido quase inexistentes nos últimos anos. Também tinhas isso em mente quando colocaste este plano em marcha, o tentar fomentar novamente este formato sempre tão carismático?

O formato das mixtapes sempre foi algo que me fascinou e que representa para mim o expoente máximo do rap puro e duro. Quando era muito novo ouvia Da Weasel e também Gabriel o Pensador, muito por influência dos meus pais e irmãos. Mas a primeira vez que tive mesmo contacto directo com o rap que, hoje em dia, vejo como underground, foi quando tinha 12 ou 13 anos e desmarquei uma cópia do Kara Davis que encontrei no escritório do meu pai. Fiquei mesmo à toa com aquilo. Era muito diferente de tudo o que tinha ouvido. Depois dessa descobri o De Volta ao Serviço e fiquei preso nisso. Sempre tive pena de que nos últimos, sei lá, 10 anos, não surgisse uma tape nesse formato que me prendesse tanto como essas. E então ya, na passagem de ano, quando estava a ouvir o De Volta ao Serviço pela milésima vez, decidi que se a malta mais estabelecida não está a fazer, temos de ser nós. E pronto, De Rajada.

Além de encontrarmos por aqui nomes que nós, no ReB, costumamos acompanhar, gostava de sublinhar a quantidade e a qualidade de algumas novas vozes às quais nos introduziste neste teu disco. Como é que foste dar com todas estas pessoas? É malta que acaba por se cruzar contigo na tua caminhada ou há também aqui uma espécie de prospecção da tua parte?

Nesta tape, tal como noutros projectos que temos feito, o objectivo passa muito por dar visibilidade a artistas que não a têm, por falta de estrutura ou simplesmente porque vão passando entre os pingos da chuva. Nesta tape entram tanto rappers que considero consagrados, como o Gumble e o Amon, como amigos meus que, na realidade, nem são rappers, mas que por pararem no nosso estúdio acabam por gravar sons que se tornam icónicos no nosso grupo de amigos, como a faixa do Rafa e do Chari. Sempre gostei de misturar malta que rima semi-profissionalmente com outros que nunca gravaram som ou se focam apenas em freestyles. A maioria dos rappers foram pessoas com quem me cruzei em eventos organizados pela LUME ou em concertos com ORTEUM e, até, no caso da Brisa, por “passa-palavra”, visto que ouvi a música dela através da minha prima. Shoutout para a Brisa que gravou para a tape o seu segundo ou terceiro som da vida, com beat escolhido na hora e um skill surpreendente, mesmo. Tento ficar em contacto com toda a gente que produz algo e que se mostra apaixonada pelo que faz, porque normalmente isso vem seguido de coisas boas nas quais consigo, por vezes, ajudar. Foi o que aconteceu neste caso.

No vídeo que acompanha a Mixtape De Rajada, no YouTube, mostras ainda valências nas componentes do graffiti e do MCing, dois outros elementos da cultura hip hop. O que é que entrou primeiro na tua vida, a música ou a pintura? E que peso têm cada uma dessas vertentes na forma como vives o movimento?

Primeiro que tudo era MC. Dos 15 aos 18 fartei-me de gravar sons no estúdio lá de casa. No entanto, rimar não era visto com a normalidade que é hoje em dia. Os artistas que abriram as portas ao rap mainstream ainda não o tinham feito e acabei por largar a caneta quando peguei na lata, por volta dos 18. A partir daí sempre fui writer, acima de tudo. Não vou revelar a tag nem a crew mas a maioria do pessoal que me conhece é por aí! Quando comecei no Copenhagen já pintava. E, aliás, entrei para a crew numa das vezes que lá toquei, com direito a champanhe e tudo, tipo Fórmula 1.

O graff ensinou-me a ver a parte mais pura do hip hop. Talvez seja por isso que sempre tive tendência a ser um bocado radical quanto aos valores da cultura. O graff continua a ser, para mim, a forma mais pura de hip hop e de arte no geral. Porque não traz vantagens, sem ser a da realização pessoal. Só se gasta dinheiro, arriscam-se multas, beefs, etc. Os writers vivem para o hip hop e não dele, algo que acho de valor, mesmo, e que é raro hoje em dia. A cena engraçada é que, como ninguém vive do graff (street artists não entram na conversa, obviamente), acabas por conhecer malta de todos os tipos — pessoal que trabalha em escritórios, advogados, economistas, malta que serve às mesas, outros que têm negócios menos legais, todos unidos pelo movimento do graffiti. É fácil identificar a pureza da vertente quando vês malta que trabalha no duro, 10 horas por dia, e depois de tratar dos filhos e isso ainda vai para a rua taggar. É amor, pura e simplesmente. Isso não existe tanto nas outras vertentes, como no rap e no turntablism, porque acaba por se juntar o dinheiro à mistura (claro que os b-boys também se enquadram neste discurso).

Apesar de agora ser cada vez menos extremista em termos de sons ou géneros, tenho de admitir que o graffiti moldou muito a minha personalidade e é, sem dúvida, a justificação para a forma como vivo o hip hop. Mas pronto, já que falamos de graff, shout-out aos SCK, NMFP, NK, BRODAS, AFK, ao Hel, Ware, Ekis, Copulo, Eko, Dish, Knock, Res, PibXis e a todos os outros que me têm acompanhado e que se mantêm fieis ao movimento graffiti como deve de ser.


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