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Fotografia: Nádia Ferreira
Publicado a: 16/03/2022

Construções dançantes a diferentes velocidades.

UNiiQU3 | XEXA | DJ Danifox | ZDB: uma assembleia afrofuturista

Fotografia: Nádia Ferreira
Publicado a: 16/03/2022

Há umas boas semanas assistimos ao concerto de Loraine James | Photonz, há umas boas semanas ainda mais para trás (10 de Dezembro de 2021) a Muqata’a | Lagoss | Ondness, numa noite da Discrepant. Na passada sexta-feira, 11 de Março, foi a vez de UNiiQU3, DJ Danifox e XEXA. Serve a pequena lista, não como exercício de micro-cronologia, mas para constatar com júbilo e alegria, como se costuma adjectivar estas ocasiões, uma tendência para assistir a concertos de uma certa electrónica marcadamente autoral e na margem, no momento e no contexto certos.

A noite começou calma. Três microfones alinhados davam um toque inusual. Ao centro por detrás da mesa, com um pano de padrões que associamos a África, encontramos XEXA. A noite começa calma porque XEXA tem esta capacidade para ir despertando em nós uma serenidade contemplativa, tornando matéria sentimentos antes etéreos, uma agilidade para nos envolver no seu universo, convidando-nos através de ritmos mais ambient, com a utilização de computador ou outras tonalidades sonoras que remetem para as suas origens (filha de santomenses e nascida e criada em Portugal) sem nunca as cristalizar. São canções que se desdobram, que desfilam um imaginário tão terra quanto esquecido. Uma relação ancestral entre a natureza e as diferentes ligações que cada um pode estabelecer. O trabalho com que se deu a conhecer Calendário Sonoro (2021) é muito revelador do caminho que XEXA pretende seguir. Seja no processo, através da mistura de bases de field recording, utilização de sintetizadores e processamento vocal, seja na vontade de associar cada ciclo lunar a uma canção, seja ainda no facto de remeter toda esta energia na construção de um corpo próprio, amálgama de todas estas influências e desejo de transformação, no que a própria admite como próxima da estética do afrofuturismo. Alguns pequenos percalços na introdução das bases sonoras e no ritmo com que se desenrola o concerto não diminuem em nada um trabalho que está a ganhar forma. Sabe-se que o caminho é longo, não faz falta ninguém o recordar, haja espaço e espaços que a ajudem nesta construção.

Aos três microfones sucedem-se dois grandes tops apontados na direcção do público. Das vocalizações calmas de XEXA sucede-se Danifox, nome a dispensar qualquer tipo de apresentação. Nome próprio de um universo maior como, por exemplo, a Príncipe e que remete irrevogavelmente para um universo dançante. Assim aconteceu. O que surpreende (ou talvez não) em Danifox é, como em qualquer DJ de excelência, a capacidade para cruzar universos musicais sem nunca ter de sair de um contexto de que é profundamente conhecedor. Mesmo em temas que são mais ou menos imediatamente reconhecíveis há uma astúcia na apresentação, um virtuosismo sonoro, se quisermos, em vez de mestria técnica. É um verdadeiro baile que nos dá, ora nos amparando ora nos sacudindo. Há, também, no trabalho dele uma relação com a matéria de terra, com uma ancestralidade que é necessária conhecer e dar a conhecer, do kuduro ao tarraxo, categoricamente combinadas com batidas mais house. Tal como XEXA a ideia de afrofuturismo paira no ar.

Todos queremos ser o João Botelho. Mas a vida é uma constante impossibilidade. Todos queremos ser o João Botelho e o set de UNiiQU3 merece de cada um de nós a mais esmerada dedicação. A aclamada rainha do clubbing de New Jersey, como é descrita na apresentação, desfiou todo o seu poder para cativar quem dança. Sem concessões. Os ritmos acelerados, os momentos vocais enfáticos e a tendência para misturar a cultura pop com o universo das pistas deu-se a conhecer em mais uma noite da Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, dedicada a estas sonoridades. Mas enquanto nos dois momentos anteriores pairava a subtileza, tudo aqui é arremessado. Mesmo para aquele que quer ser como João Botelho, às vezes é mais sensato enroscar-se no sofá do que estar a arrastar-se na pista.


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