“Não sou, apenas alcanço”. A tirada é de Inês Trindade na primeira faixa de Trochilidae, “Nada (Intro)”, e diz muito sobre aquilo que a guia em termos artísticos: mais do que ser, a jovem artista que assina como C̶o̶r̶a̶ parece mais interessada em assumir que não é dona de uma verdade, mas o resultado de muitas — e que vai tentando perceber o que é o quê enquanto se perde num infinito de ideias.
Para o seu EP de estreia, que foi criado em colaboração com ᴊᴀᴄᴋɪᴇ e editado pela RAIA Records, a cantora foi buscar uma ave para servir de símbolo para aquilo que quis transmitir: “Trochilidae é latim para beija-flor. Este animal é conhecido pelo seu simbolismo de cura, renascimento e delicadeza. Tratei este EP como uma terapia onde tentei expor as minha mágoas e assim me curar dos meus ‘males’.”
Em declarações dadas ao Rimas e Batidas, o produtor declarou que “o EP é um reflexo de tudo o que se passou”, referindo-se, pois claro, à pandemia. “Não vou mentir: foi um choque, mas por outro lado foi bom porque daí surgiu muita música, tanto que este EP surgiu maioritariamente no confinamento”, acrescentou C̶o̶r̶a̶.
Ao lado de nomes como ORTEUM, Bambino, DJ Ketzal (que participa em “Semente”), Kalash Makaveli, Amaral, Il-Brutto e John Miller, a dupla que entrou pela “Porta da Frente” em Novembro de 2020 poderia soar deslocada no selo da Margem Sul, mas não é, de todo o caso, como se pode perceber melhor em “Orla”, o novo single com participação de Tilt. Há um inconformismo (seja em que direcção for) que atravessa as obras de praticamente todos aqueles que fazem parte do elenco e o duo, nesse sentido, está no sítio certo para se expor no panorama actual português.
“Trabalhar com a RAIA tem sido fantástico, a importância dela para este EP é vital, principalmente a presença do Sebastião [Santana] na imagem que torna a nossa visão numa coisa palpável e do Nero na masterização, que faz tudo soar como deve de ser”, garantem-nos.
Quanto à sonoridade, Inês encaminha-nos para uma caixa em concreto, mas sem se comprometer: “Em termos de som, é tudo muito melancólico, pois era como eu me sentia… tem um travo doce e nostálgico. Nós chamamos trip-hop àquilo que fazemos, mas cada um tem a sua interpretação e, na minha perspectiva, isso é estritamente necessário. O que eu sinto não é o mesmo que a pessoa que está a ouvir vai sentir… Não sei bem onde nos podemos encaixar mas estou a apontar para um ‘Veneno‘ que possa encher a cabeça todos os ouvintes que se identifiquem com o projecto.”
A navegar nas margens do som “bristoliano” dos Massive Attack e Portishead ou do rock industrial dos Nine Inch Nails — e, numa referência mais recente, podemos atirar Sevdaliza para a equação –, C̶o̶r̶a̶ X ᴊᴀᴄᴋɪᴇ mostram, cerca de um ano depois da sua estreia, que ainda há universos paralelos para se explorar cá no burgo. As variantes possíveis do rap também surgem de uma maneira descarada nos interlúdios “Kapta” e “Atmo”, duas evidências que há muitos (e bons) caminhos para serem explorados nas próximas etapas.
E ao vivo? “Por agora vamos ser só nós os dois, mas o nosso espetáculo vai viver muito da parte visual, que é bastante importante para mim e acho que dá outra experiência ao espectador, mas depois também vamos querer actuar com banda! Estamos ainda à procura de músicos.”