[TEXTO] Rui Correia [FOTO] Direitos Reservados
Produtor, compositor e cantor que procura a intersecção entre hip hop e outros géneros musicais. Esta é a apresentação de Tom Misch, mas que, actualmente, serviria para descrever um número generoso de artistas em representação de variadas geografias terrestres que procuram novas explorações sonoras.
Neste caso e a representar Londres, o jovem músico Tom Misch de 23 anos já aprendeu a ter uma voz, mas tudo começou apenas com beats. A criar e a partilhar músicas no SoundCloud com uma atitude desprendida desde 2011, o seu talento foi evidenciado por plataformas como a Majestic Casual, que destacou o tema “The Journey” em 2014, ou como a Soulection, que lhe ofereceu a oportunidade de lançar um EP de 3 temas em 2015. Ainda sobre outros registos anteriores como as Beat Tape 1, inteiramente instrumental, e Beat Tape 2, cuidadosamente delineada à volta de participações de Loyle Carner, Carmody, Jordan Rakei ou Alfa Mist, pintava-se aquilo de que Tom Misch é capaz como produtor: cada música revela-se uma peça refinada nos desígnios do jazz, do funk ou da electrónica. Tem adornado os elementos predilectos no seu processo criativo — guitarra e violino — com artefactos computacionais que o ajudam a erguer uma batida boom bap alegre, ébria e contagiante, numa clara celebração dos ritmos que J Dilla nos deixou, conjugando-os num som mais orgânico que mecânico.
Tudo soa majestosamente maior que o espaço onde as músicas são concretizadas. Seja a partir do seu quarto ou do estúdio da mãe, Tom é um artista ascendente que “carrega” o desígnio do beatmaker/produtor caseiro nas costas. Um produto local que sabe procurar o melhor nos seus amigos e companheiros musicais para oferecer novas cores vibrantes a Londres e ao mundo, tal como Kaytranada — com quem já partilhou palco em 2016 — o tem feito a partir de Montreal, no Canadá, colaborando com nomes como Shay Lia ou Lou Phelps.
Essa liberdade de acção não é um acaso: Tom é filho de um psiquiatra e de uma artista que sempre incentivaram a criatividade no seio familiar. Aliás, a sua irmã, Laura Misch, também produtora, cantora e saxofonista (a arte corre-lhes no sangue), tocou no tema “Follow” do EP Reverie, editado em 2016, que marcou um momento de viragem na sua curta carreira, expondo todo o seu esplendor. Em 4 faixas, Tom Misch brilhou com a sua voz soul e demonstrou que havia mais para lá do véu instrumental. Conseguir fazer a diferença com o aparelho vocal significa muitas vezes avançar para uma maior exposição, que o diga James Blake. Embora não tão arriscado no momento de compor como o seu conterrâneo, Tom Misch recorreu, deliberadamente, nos seus dois últimos trabalhos auto-editados pela Beyond The Groove — o EP 5 Day Mischon, de 2017, e o álbum de estreia Geography, deste ano — a uma sonoridade que possa ser recriada ao vivo com banda.
Avizinha-se a primeira passagem de Tom Misch por Portugal, com presença garantida no segundo dia do festival Super Bock Super Rock. E o público poderá sonhar ir mais longe com o álbum Geography, aventurar-se quando ouvir “Lost In Paris”, dançar ao som de “Disco Yes” ou “Tick Tock”, espalhar amor quando se fizer ouvir “Cos I Love You”, até relembrar a passagem dos De La Soul pela edição de há dois anos com “It Runs Through Me”, sucumbir a emoções à flor da pele com “Movie” e, se tudo correr como desejado, replicar e repetir em uníssono “Come back to me”.
Já a pensar no futuro, tal como foi revelado pelo próprio em entrevista à NME, podemos aguardar uma de duas coisas: um projecto conjunto com o rapper Loyle Carner – artista que recomendámos e que certamente será bem-vindo a apresentar-se em terras lusas – ou a possibilidade (remota) de inscrever-se no curso de geografia numa universidade e abandonar por uns tempos a sua carreira musical. Ironia das ironias.