pub

Fotografia: Ana Limão
Publicado a: 19/05/2022

Mais electrónicos do que nunca.

Throes + The Shine: “Chegámos a um ponto onde queríamos algo mais próximo da festa dos primeiros discos”

Fotografia: Ana Limão
Publicado a: 19/05/2022

“Aqui, aqui, aqui, aqui, aqui pra vocês”. Lembram-se? Sim, é isso mesmo, Buraka Som Sistema. O bom e velho projecto que colocou as produções de Branko e companhia a rodar por todo mundo. Aqui é o título do mais recente álbum dos Throes + The Shine e, se a origem do nome em nada tem a ver com o verso relembrado, o que se ouve no disco já não corrobora essa ideia. 

Produzido por Pedro da Linha, figura crucial do catálogo recente da Enchufada (aqui está mais um elo de ligação entre os projectos), a banda de Marco Castro, Ivo Domingues e Mob Dedaldino retirou ainda mais o rock da sua linha sonora para se aproximar do kuduro electrónico. O resultado são nove temas em que a memória de Black Diamond surge. 

Em pleno estúdio, os três elementos contam-nos algumas histórias. Falam, entre outras coisas, das dificuldades da pandemia, da forma como este álbum se transformou numa renovação, do peso das redes sociais na música moderna, de como foi colaborar com Preto Show e Chullage e, claro, dos BSS e de como não fica mal pensar neles.  



Gostava de começar a entrevista a debater uma curiosidade que tenho e que vem desde a génese do projecto. Como é que uma banda como os Throes + The Shine ganha vida e espaço numa cidade como o Porto? Uma cidade que praticamente não tem história nem cultura africana presente. Se pensarmos nos restantes grupos nacionais que têm essa influência de África no som- 

[Igor Domingues]  Está tudo lá em baixo [em Lisboa]. 

[Marco Castro] Acho que se pode dizer que foi mesmo uma obra do acaso. A banda, basicamente, começou quando eu e o Igor tínhamos os Throes e o André e o Diron (ex-elementos) tinham os The Shine. Por um acaso, tocámos na mesma noite no Plano B e daí veio a ideia maluca, e que foi do nada, de juntar os grupos. Não temos grande explicação, foi mesmo uma obra do acaso. Agora, é verdade que não se formou um circuito com este som por aqui. Há mesmo aquela coisa que ouvimos muitas vezes do som de Lisboa e o que fazemos, realmente, é um bocado isso. 

[Igor Domingues] Lá está! Sempre que se fala deste tipo de som, nunca nos referenciam porque, a verdade, é que não estamos lá. Mas uma das obras da internet é um bocado isto! Apesar de não sermos de Lisboa e deste som não ser algo propriamente visto e ouvido no Porto, acaba por ser um pouco mais global. O que pesquisávamos se calhar acabou por nos levar até este som. 

[Mob Dedaldino] Essa é uma temática que as pessoas oriundas de África, e que vivem cá no Porto, sentem muito. Há essa necessidade de ter ambientes que reúnam a comunidade africana, mas muito dificilmente encontras um clube ou algo que tenha essas sonoridades. Havia o famoso Number One, mas acabou por fechar. Se eu juntar os meus amigos para sair, e eles perguntarem por uma noite africana para curtir, eu não sei o que dizer. Houve agora uma festa dedicada ao kuduro e assim, mas foi em Braga. É tudo muito lá em baixo.

No Porto há, sem dúvida, uma ligação muito maior com a sua comunidade brasileira, sentes muito mais a sua presença, parece muito maior e muito mais estabelecida. 

[Mob Dedaldino] Ya.

[Marco Castro] Mesmo dentro da cena mais indie. Aquelas festas da Kebraku explodiram com muito maior facilidade do que as várias tentativas de fazer noites Príncipe. Se calhar, agora que estão a acontecer no Plano B, é que capaz de encarreirar mais, mas é verdade que houve sempre mais essa cena brasileira.

[Igor Domingues] Também é um público muito fiel. Sinto que sempre que vem um artista brasileiro ao Porto, a comunidade aparece em peso. E no nosso caso, o nosso público até nem é tanto a comunidade africana, é mais o pessoal da cena indie. Agora, é verdade que quando há angolanos e assim no nosso público a coisa é diferente…

[Marco Castro] É mais efervescente. 

[Igor Domingues] Por exemplo, durante a pandemia tocámos no Seixal, onde fizemos uma banda sonora para uma peça de teatro do Vítor Hugo Pontes chamada Meio no Meio, e tinha presente algum público de Moçambique, Cabo Verde, Angola… entre uns 10 e 15, e sozinhos fizeram a festa. É incrível!

Na entrevista anterior que deram ao Rimas falou-se de um concerto do Alive, onde apareceram muitas pessoas do nada e aquilo se transformou numa grande festa. Por acaso, eu estava presente nesse concerto, e uma coisa que reparei é que maioria dessas pessoas eram estrangeiras. Fiquei sempre com a ideia que as pessoas que mais vibram com a vossa música até nem são portuguesas. Se calhar, por conhecermos também já começamos a banalizar…

[Mob Dedaldino] Não acho que seja muito isso, é muito do people. Portugal e Angola têm uma cena que se assemelha muito. As pessoas só te agarram, ou só têm vontade, quando conseguires atingir algo fora do teu país. Em Angola para um artista ter uma sala cheia é porque está a bater muito em Portugal ou já tem uma carreira de uns 20 anos bem estruturada, porque senão é muito complicado. E o que sinto aqui é também muito isso. 

[Marco Castro] Agora também tens muito a preponderância das redes e há artistas que navegam muito bem nisso. Tu até podes fazer música incrível, ou um trabalho mesmo desenvolvido, mas às vezes é mais importante o peso que tem o teu follow, ou a tua imagem nas redes, para conseguires ter um público que te siga. Essa é uma das grandes diferenças de como as coisas funcionavam quando começamos a banda em comparação com agora. Não havia Instagram, o Facebook estava na infância… Há essa dicotomia de importância. Esse lado de persona se calhar antigamente era uma parte pequena e agora se calhar é 50/50. 

[Mob Dedaldino] Ou maior.

Tu acabas por notar muito isso no cartaz do Primavera, onde vocês vão estar presentes. Notas que há lá um olhar muito atento sobre os fenómenos das redes no cartaz. Hoje tens nomes com características que antes dificilmente terias. 

[Marco Castro] É possível. Porque, lá está, o paradigma mudou e eles adaptaram-se a isso. A verdade é que eles trabalham para o público, não para os artistas. A realidade é essa. 

E se calhar, outro exemplo da influência das redes, é o vídeo-concerto que vocês fizeram. Se calhar era algo que, no início, não pensavam de todo fazer. 

[Marco Castro] Foi um projeto porreiro, feito em parceria com o Rompante, a filmesdamente e os The Others (Creative Lab). Era algo que queríamos fazer já faz algum tempo e optámos por fazer desta forma porque não fazia sentido ter o concerto de apresentação do disco no Porto, quando daqui a pouco tempo estamos a tocar em festivais da mesma cidade. Foi bom, nunca tínhamos feito um live neste formato, com tempo e controlo artístico que pretendíamos ter, e ficou dentro do que tínhamos pensado. 

Repescando novamente a entrevista que deram ao Rimas em 2019, achei muito interessante a forma como falaram das vossas influências, de como o rock a que antes eram muito colados passou a não ter preponderância em oposição à pop. Gostava de saber o que vos influenciou na criação do Aqui. 

[Marco Castro] Eu pessoalmente tanto posso estar a ouvir um disco de algo mais afro, como algo tipo Rosalía, como ambient, Boards of Canada, coisas até que não têm nada a ver com o que fazemos. Falando um pouco, se calhar, por mim e pelo Igor, nós basicamente temos o rock no nosso passado, no que nos fez crescer, mas agora ocupa pouco espaço. Nos concertos que vamos dar agora nem vamos usar guitarras, porque chegámos à conclusão que não valia a pena andar com não sei quantos amplificadores atrás, mais isto e aquilo, quando nas 17 músicas que estamos a programar para este tour apenas 4 usam guitarras. Decidimos que vamos transformá-las em samples ou synths, que é o que agora gostamos mais de fazer. 

[Igor Domingues] São 10 anos de banda, e se ainda estivesse a ouvir o mesmo, não tínhamos evoluído nada. Mas isto não significa que daqui a 5 anos, se calhar não usemos de novo guitarras, [mas] se calhar de uma maneira diferente. O que nós dizemos é que a cada disco gostamos de fazer algo distinto, e esta é uma das diferenças óbvias. 

[Marco Castro] E gostamos de trabalhar sempre com produtores diferentes. Desta vez foi com o Pedro da Linha, precisamente para termos, novamente, o feedback de uma pessoa diferente, para aprendermos coisas novas — e também por isso os discos ficam sempre diferentes.

Eu perguntei isto das influências porque uma coisa que senti muito no Aqui é que este é o álbum “Buraka” dos Throes + The Shine. 

[Igor Domingues] Consigo perceber o que estás a dizer.

[Mob Dedaldino] Também eu. 

[Marco Castro] Acaba também por ser consequência do nosso meio. Dentro da nossa estética, é cada vez mais difícil ouvires um disco que não soe a música electrónica, que não tenha ali a bateria a estalar, com todos os elementos. Uma das características do Aqui é todos os beats serem electrónicos. Os pratos são live, mas tudo o resto é programado. Claro que, quando forem tocados ao vivo, vão ganhar uma preponderância totalmente diferente. Mesmo para os concertos estávamos a sentir a necessidade de ter músicas mais explosivas e que fossem mais festivas, por isso é que temos neste trabalho faixas ali a bater mais nos 140 BPMs, que é o kuduro mais tradicional. Nós fomos mais à procura disso, mesmo as músicas mais antigas, como a “Dombolo”, que já não tocávamos há “séculos”, estão a ser levadas mais para este contexto de música electrónica. 

[Igor Domingues] Andámos a experimentar isso dos beats mais lentos e chegámos a um ponto onde queríamos algo mais próximo da festa dos primeiros discos, mas com uma abordagem mais actual. Mas se a ideia é fazer festa, comparar aos Buraka Som Sistema não é vergonha nenhuma. 

Não deixa de ser interessante que agora que fazem 10 anos acaba por ser, mesmo sem guitarras, um voltar, de certa forma, a um início. 

[Igor Domingues] Sim, é um bocado isso. 

[Marco Castro] Mesmo a nível de concerto acho que nunca fizemos uma mudança tão radical. É uma nova fase.

[Igor Domingues] Isto da pandemia também veio trocar-nos um pouco as voltas.

Não era suposto ter calhado nos 10 anos…

[Marco Castro] Era para ter sido no ano passado, mas não fazia sentido, não dava para fazer as digressões internacionais. Era uma dinâmica e logística demasiado complicada. Possível para artistas grandes, mas para quem é mais independente era deitar dinheiro fora.

Por acaso eu ia perguntar isso: como é que uma banda com a energia e a festa dos Throes + The Shine vive um momento tão delicado como a pandemia? 

[Marco Castro] Foi um período de muita reflexão e de muito auto-controlo, eu acho. Porque há a vontade de fazeres coisas e a frustração de não poderes. Tivemos de ter o controlo de perceber que fazer um disco envolve imenso trabalho, imensos custos e tudo mais. O nosso plano era lançar o disco em 2020, nem era em 2021. Foi um período de muita maturação e experimentação em casa, separados. Depois quando as coisas acalmaram, na Primavera de 2021, já começámos a juntar-nos mais regularmente, a compor, a ir para Palmela gravar com o Jori Collignon [Skip & Die], que foi o nosso engenheiro, e com o Pedro da Linha. Este disco tem nove músicas, mas temos já o mesmo número praticamente pronto para um próximo álbum, que possivelmente está disponível para o próximo ano. Foi tudo muito contra-natura… Durante este período demos uns cinco concertos em cada ano. E muitos deles foram super estranhos, porque estavas a tentar dar um concerto festivo, a pedir para as pessoas se levantarem, e depois vinham logo os assistentes de sala a dizer para tudo se sentar. Pessoal como nós, da cena hip hop, os DJs, viu-se muito barrado, porque os próprios programadores, obviamente, adaptaram-se às condições e procuraram bandas que se enquadrassem melhor em auditórios e esse tipo de espaços. Nesta altura já temos mais concertos marcados do que tivemos nos últimos dois anos inteiros, mas mesmo assim ainda está longe do nosso normal. Porque também há outro problema. O nosso maior mercado são os festivais, e eles têm a problemática de ainda estarem a marcar concertos das edições de 2020 que não aconteceram, ou seja, não há muito espaço para marcar outros artistas. Isto ainda é um recomeçar a andar na nacional, se calhar para o ano a auto-estrada já vai estar livre. 

[Igor Domingues] Eu lembro-me que aquelas duas primeiras semanas até me souberam bem, estava mesmo a precisar de descansar. Tínhamos feito o Festival da Canção na altura. As pessoas tinham aquela esperança disto não ser nada de grave, de repente começas a pensar quando é que isto vai acabar, quando é que vamos poder voltar a fazer o que gostamos. Pensar nisso começa a gerar uma ansiedade.

[Marco Castro] E depois há a questão das quebras de rendimento. Nós tivemos perdas à volta dos 50%! Os técnicos então… foi muito pior, eles perderam tudo. Nós ainda tivemos a questão dos direitos de autor, as bandas sonoras que fizemos, essas coisas foram preenchendo as lacunas e deu para sobreviver, eles não têm essa parte da propriedade intelectual. Além de perderes toda a tua rotina. Foi mesmo frustrante e assustador. Tiveste de estar calmo no meio do caos para conseguir aguentar estes dois anos. 

Vocês falaram em maturar os temas e senti que uma grande evolução neste álbum foi a questão lírica. Estão muito mais maduras, já se sente que há ali mais do que um pormenor da festa. 

[Marco Castro] Altamente veres isso, porque foi um dos nossos objectivos e, sem nenhuma desconsideração ao Diron e ao André, sinto que houve uma diferença notória com a entrada do Mob. Há um cuidado redobrado com as letras, muito por culpa dele, mas também nossa, que agora nos envolvemos mais nesse processo do que fazíamos anteriormente. O Aqui é o culminar disto, e é efectivamente um álbum onde as músicas falam sobre coisas concretas, desde a “febre”, onde o Mob tenta contar a história do kuduro, a “Chibatada”, onde se encontra com o Chullage para falar de questões sociais que normalmente não tocávamos. E este foi o segundo disco onde o Mob escreveu, isso ajuda muito, dá outra bagagem.

[Igor Domingues] Houve músicas que tiveram umas três letras, como a do Preto Show.

[Mob Dedaldino] A “Hey” já tinha uma letra definida e pensada para ela e que falava de uma problemática que acontecia muito nas redes sociais em que quando há uma notícia ninguém verifica se é verdade ou não, as pessoas simplesmente partilham, sem pensar se estavam a prejudicar alguém ou não. Estava tudo pronto, mas, quando chegamos ao estúdio, o Preto Show disse que não tinha nada preparado, não tinha escrito nada, que gostava era de fazer tudo na hora, ele só meteu o beat e fez a parte dele.

[Igor Domingues] A cena é que ele chegou lá e disse, “as vossas músicas são para a festa, não são? Então se é para a festa” [risos]…

[Mob Dedaldino] Eu fiquei a ver a minha vida a andar para trás, porque a música estava toda diferente… e agora como é que ia dar sentido aquilo em uma hora? Eu não sou muito de compor no momento, preciso de estar sozinho, com tempo. Ainda tive um dia durante a noite a escrever e só no dia seguinte é que gravámos.

[Marco Castro] Nota-se que essa música tem mais pontos em comum com o que fazíamos antes e provavelmente tem a ver com essa espontaneidade.

[Mob Dedaldino] Acho que foi das poucas vezes que fizemos assim coisas na hora. 

[Marco Castro] Sim, até porque é raro estarmos pessoalmente com os convidados, nunca estivemos com o Chullage. Fomos trocando ficheiros, ele gravou no estúdio com o Jori, mas nós não estávamos presentes. Acho que as únicas pessoas com quem gravamos temas em conjunto e que estávamos presentes foi com o Mike El Nite, o Preto Show, a Da Chick e com o Cachupa Psicadélica, o resto foi sempre à distância.

[Igor Domingues] Mas isso até é fixe, porque depois quando nos encontramos em palco as coisas ganham outra dimensão.

Mob, chegaste a trocar notas com o Chullage? 

[Mob Dedaldino] Eu tinha a letra programada, mandei-lhe o verso e-

[Marco Castro] Ele disse que a letra estava incrível e que não era preciso mexer em nada.  

Receber esse comentário de alguém como o Chullage, um mestre e senhor das letras do hip hop nacional, é algo especial. 

[Mob Dedaldino] É mesmo, ele escreve mesmo bem. 

[Igor Domingues] Lembro-me de quando saiu o Rapresálias, o Rapensar, eu tenho esses discos. Fazer uma música com ele é algo incrível. 

Estava a ouvir-te falar do Chullage e dei por mim a pensar que é incrível como alguém que tem o peso na história do hip hop nacional por vezes parece tão esquecido na nossa memória. 

[Igor Domingues] Ele é um Deus, é mesmo assim, mas a nível mediático percebo o que queres dizer. Também acho que o Chullage teve muito tempo sem lançar cenas, mas que é alguém que merecia mais reconhecimento é.

[Marco Castro] Eu também acho que ele tem feito mais coisas enquanto prétu. Esteve agora a participar em coisas com o Tristany, com o Scurú Fitchádu. Mas foi muito fixe trabalhar com ele. 

Agora, quando tocarem em Lisboa, podemos esperar uma colaboração.

[Marco Castro] Certamente, é das coisas que mais estamos à espera que aconteça.  

Essa pica de tocar deve estar no máximo, sobretudo no estrangeiro.

[Marco Castro] É fixe, mas já sentimos falta de tocar em qualquer sítio. Vamos ter os festivais, o North Music e o Primavera Sound vão ser especiais porque são os maiores festivais da cidade, e depois temos concertos lá fora, que vão ser espectaculares também, porque temos saudades da rotina de ir conhecer uma cidade nova, ou reconhecer outras cidades que foram importantes como Bordéus, que foi a primeira cidade em que os Throes + The Shine tocaram fora de Portugal. Passados 10 anos, vamos voltar à cidade onde começámos a tocar no estrangeiro e marcado pelo mesmo programador. Vai ser interessante. 

Este trabalho está mesmo marcado pela ideia de retomar, mesmo que sem querer. Estou a sentir essa vibe. 

[Igor Domingues] O Aqui vem mesmo daí. 

Essa é uma boa questão, a ideia por detrás do nome. É um nome tão inusitado e surpreendente. Porquê Aqui?

[Marco Castro] Este não é um disco sobre a pandemia, nem queríamos que fosse esse o foco. O álbum tem este nome porque ao longo destes dois anos, com os desafios que fomos sofrendo, se calhar começámos a sentir-nos afastados disto, e isso fez-nos perceber que é aqui que queremos estar. O nome é uma simples tentativa de reflectir isso. As músicas são um reflexo de todas as influências que fomos tendo nestes 10 anos, condensados num disco muito heterogéneo, mas que tem um pedacinho de tudo o que somos e de onde queremos estar. 

[Igor Domingues] Por isso é que o disco acaba em “Para Ficar”. 

Uma curiosidade que me lembrei agora. Vocês já tocaram em África?

[Marco Castro] Não.

[Igor Domingues] É uma grande lacuna.

[Marco Castro] Isto é daquelas coisas. Até 2019 tivemos uma grande desvantagem: estivemos marcados para ir ao Montreal Jazz Festival, estivemos marcados para ir ao Glastonbury, coisas mesmo fixes, mas que foram canceladas porque o Mob ainda não tinha a nacionalidade portuguesa. Então, por uma questão de vistos e tudo mais, tivemos de cancelar. 

[Igor Domingues] Nós chegámos a ter dias em que tínhamos viagens compradas, chegámos ao aeroporto e não deu.

[Mob Dedaldino] Já tivemos momentos em que tínhamos tudo em ordem e simplesmente olharam para mim e disseram: “Não, tu não vais viajar, eles vão, mas tu não vais”. 

[Marco Castro] Tens coisas mesmo kafkianas. Por exemplo, tens momentos, em que pela Ryanair podes viajar, mas pela EasyJet já não podes. Tens uma altura em que o Mob tinha o título de residência e, para fazeres a renovação, tens de pedir um mês antes dele terminar, mas demoraram quatro meses a renová-lo. Então, nesse tempo, tens de andar com um papel a dizer que estás a renovar, algumas empresas aceitam esse papel e outras não. Em 2019 tínhamos situações em que nós podíamos voar, mas ele não. Nós íamos para uma cidade, ele tinha de ir para outra e depois alguém ia lá buscá-lo. 

[Mob Dedaldino] A cena é que quando havia essas viagens, eu já sabia que íamos passar por isso, então ia lá e falava que precisava daquele papel, mas assinado, carimbado e traduzido, porque eles antigamente não o faziam. Eu pedia lá o documento, eles assinavam e carimbavam, diziam que não podiam fazer a tradução, mas que com aquele documento estava tudo bem. Eu perguntava sempre “dentro da Europa, com este papel, posso viajar?”  Eles diziam que estava tudo bem. Só que um dia, pronto, primeiro trocaram o nome, puseram de trás para a frente, chamaram o SEF, chamaram a polícia… olharam para mim e disseram, “como é que entraste em Portugal, se não temos nenhum registo da tua entrada”-

[Marco Castro] Tudo isto para dizer uma coisa, o nome dele é Dedaldino Miguel e tu esperas que Miguel seja o primeiro e depois Dedaldino, e é o contrário. 

[Mob Dedaldino] Eu via o SEF a vir, eu olhava para eles e pensava: “já fui”. 

[Marco Castro] Eu a correr de um lado para o outro já. 

[Mob Dedaldino] Eu dizia que já estava cá há cinco anos, há uma semana tinha dado entrada com a renovação e eles diziam que “não, não temos nenhum registo teu”. Eu fiz o secundário aqui, fiz a faculdade aqui, mas nada, aí o Marco é que se lembra de dizer se podia ver o nome e aí é que vimos que estava ao contrário. Foram, então, ver os registos e já disseram “já está há cinco anos. Deu entrada na semana passada, por nós está arrumado, boa viagem”. O Marco aí pergunta: “Ele pode viajar com este documento?”, e eles disseram, “Para nós tudo bem, ele pode viajar para onde quiser”. 

[Igor Domingues] Isto com a malta da Easyjet a ouvir tudo. 

[Mob Dedaldino] Pedimos, então, para eles tratarem rapidamente das coisas e só vemos o rapaz no computador a escrever coisas, então veio a superior dele a dizer “ou vocês vão, ou então ninguém vai” e eu “fiquei como assim?”, ao que ela diz: “Tu não vais, mas eles os dois vão” [risos)] E eu, “Como assim?”. O voo era para Genebra. 

[Marco Castro] E tu foste parar a Estrasburgo e ainda gastámos mais uns 300 euros na Ryanair.

[Mob Dedaldino] E depois tive de apanhar um autocarro, e o Scott, que é o nosso agente, foi buscar-me. 

[Marco Castro] Tu chegaste mesmo na hora do concerto, isto aconteceu duas vezes no mesmo ano, houve uma vez que te tive de ir buscar de táxi. 

[Mob Dedaldino] Quando lá cheguei eu nem falei nada, só queria vestir, dar o concerto e bazar, porque estava extremamente fatigado, não comi, o meu inglês é péssimo, não conseguia comunicar.

[Marco Castro] É uma história que fica, isso agora já não acontece. 


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos