[TEXTO] Rui Correia [FOTO] Direitos Reservados
Depois de Pedro Ricardo ter lançado em 2017 o EP Going Somewhere, um registo que casa o jazz e a electrónica, estivemos uma vez mais à conversa com o multi-instrumentista e produtor portuense. Desta vez, falámos sobre o recém-editado EP colaborativo This Is What I’m Going Through, que atravessou fronteiras físicas e sonoras: mereceu uma edição em vinil por parte da inglesa Wolf Music Recordings e a norte-americana Jenna Camille deu voz aos instrumentais criados por Pedro. A música deste novo trabalho mergulha no jazz, soul e broken beat, géneros que trazem à tona uma dinâmica fluída e vivaz que o ligam facilmente à nova e excitante cena jazz inglesa que é encabeçada por nomes como Henry Wu ou Nubya Garcia.
Para lá do talento evidenciado em todos os seus trabalhos editados até à data, Pedro sabe que isso não basta: após finalizar o processo de criação do EP, viajou até Londres para entregar em mão demos a várias editoras. Para quem está no meio musical, sabe-se que a sorte é, grande parte das vezes, fruto de trabalho e procura intensa e disciplinada.
Nos últimos quatro anos lançaste vários trabalhos com diferentes pseudónimos como Bababa e Hai. Entretanto, o que mudou na tua música para assumires o teu mais recente EP em nome próprio?
A maneira como eu encaro a minha música não mudou mas apercebi-me que a mudança faz parte de mim enquanto artista. Não faz sentido mudar de pseudónimo só porque vou editar um disco novo, que inevitavelmente vai ser diferente do anterior, até porque existe um esforço deliberado da minha parte para isso acontecer.
This Is What I’m Going Through é o nome do teu novo registo discográfico. Reformulando-o em questão: pelo que estás a passar neste momento? Quais são as referências actuais que te movem para compor?
Este EP, ao contrário dos trabalhos anteriores, foi o primeiro em que existiu uma intenção real e honesta de falar sobre algo. Antes de partir para o que seriam os rascunhos das faixas, já tinha o EP bem delineado e sabia qual era a temática de cada música. Se Bababa foi a descoberta do mundo da electrónica, e se Hai foi tentar levar o sampling a um ponto que se confunde com o que está a ser tocado, o This Is What I’m Going Through foi sobre a intenção de querer dizer alguma coisa.
A descoberta da Jazz:Refreshed foi, sem dúvida, um momento importante na composição. A Jazz:Refreshed é uma plataforma que funciona como editora e promotora que apoia as novas gerações de jazz inglesa. Artistas como Richard Spaven, Daniel Casimir, Triforce e Nubya Garcia acabaram por lançar EPs na editora que me influenciaram bastante.
A beleza deste EP é decifrar de que forma produziste, tal é a vivacidade sonora dos elementos aqui presentes, nem sempre sabemos o que é tocado e o que é samplado. Não queremos desvendar o segredo da receita, mas aceitas falar um pouco do teu processo de composição?
Não existe receita. Posso estar a tocar piano ou guitarra e surgir uma ideia, samplar um baterista, ouvir um baixo e tentar replicá-lo e construir algo por cima disso. Eu esforço-me para não repetir processos e para que cada música surja de maneira diferente.
Ao contrario de Hai, em que os samples são mais pronunciados, a única coisa que samplei neste EP foram as baterias, o resto acabei por compor e tocar tudo.
O EP surgiu de uma intenção de teres pela primeira vez uma presença vocal? Como é que criaste laços com a norte-americana Jenna Camille?
Depois de ter um rascunho sobre o que seria o EP, senti que a maneira mais fácil de tornar reais os conceitos era utilizar palavras e a voz. Na altura encontrei o primeiro álbum da Jenna no Bandcamp, acabei por entrar em contacto com ela e as coisas aconteceram naturalmente .
A Jenna tem opiniões muito fortes e bem definidas e depois de ouvir algumas entrevistas fiquei com mais vontade de trabalhar com ela. Para além disso tem uma presença muito forte em palco, que era exactamente o que eu estava à procura. Existe um vídeo da Jenna no Sofar Sounds que vale a pena ser visto.
Este é um trabalho editado em vinil pela editora inglesa Wolf Music Recordings, o que te permite ter o formato físico distribuído um pouco por todo o mundo em lojas como a Juno no Reino Unido, a Groove nos EUA, a Oye na Alemanha ou a Jetset no Japão. Como surgiu esta oportunidade?
Eu terminei o disco no final de Agosto [de 2017] e no início de Setembro decidi ir a Londres entregar demos em mão. Acabei por ficar em contacto com algumas editoras mas não surgiu nenhum convite concreto para editar o disco. Depois de alguns meses de espera, decidi que a melhor decisão seria lançar o disco sozinho, daí a criação da editora – Hear, Sense and Feel. No processo de criação da editora e de perceber como funciona o mercado, acabei por entrar em contacto com uma PR de Londres, ela gostou do disco e mostrou-o a algumas editoras. Os responsáveis da WOLF gostaram e fizeram-me uma proposta para editar o disco que acabei por aceitar.
Em pouco tempo, a tua música já mereceu atenção, por exemplo de Gilles Peterson, que te destacou na rádio com a passagem do tema “Float”. A Wolf Music mencionou também que tiveste o apoio de artistas como Afronaut ou Henry Wu. Com esta validação, sentes que estás a abrir uma porta para uma carreira internacional?
Obviamente que quando uma instituição como o Gilles Peterson toca a minha música na BBC ou um dos meus produtores favoritos Afronaut (Bugz in the Attic) fala incrivelmente bem do disco é impossível não imaginar e sonhar com o futuro, mas o mais sensato é não o fazer e concentrar-me apenas em desenvolver a música.
Este ano revelaste a criação da tua editora Hear, Sense and Feel. Sentes a necessidade de te editares a ti próprio? Há edições para breve que possas revelar?
A criação da editora passou pela necessidade de editar a minha música mas felizmente surgiu a oportunidade de o fazer com a WOLF. No entanto, se tudo correr bem, espero ter a primeira edição da HSF no próximo ano. Em termos de próximas edições, tenho duas músicas que vão ser editadas em duas compilações distintas de duas editoras portuguesas e um single que vai ser editado em Janeiro/Fevereiro numa editora inglesa.