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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 06/02/2023

A consagração ao vivo e a cores.

T-Rex no Coliseu dos Recreios: em quanto tempo se faz uma lenda?

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 06/02/2023

“Eu não acreditava até chegar aqui”, confessa T-Rex ainda no arranque de uma noite especialmente marcante. Depois de encher “dois Tivolis” (e num deles estivemos lá), o autor de COR D’ÁGUA continua incrédulo com o mar de gente à sua frente. A deixa que antecede “NÃO É POSSÍVEL” é reveladora do que aqui se testemunha: Coliseu dos Recreios, em Lisboa, esgotado para ver um artista que, apesar de não ser propriamente novato nestas andanças, tem ainda toda uma carreira pela frente. E quantos artistas portugueses se viram consagrados, numa das mais emblemáticas salas do país, logo após a edição do primeiro álbum a solo? Hoje, é possível.

É, então, a primeira vez que o protagonista da noite se dirige em palavras ao público, depois da entrada fulminante em palco à boleia de “UUUUHH”. O êxtase da plateia na recepção ao músico potencia esse sentimento de incredulidade que Tóy Tóy viria a expressar ao longo das duas horas seguintes. Ainda assim, não acusa a pressão do simbolismo que esta noite em particular carrega, e volta à carga com “SURVIVA”, espelhando esse leque de emoções que, visivelmente, lhe chegam à flor da pele desde que irrompeu dos bastidores à boca de cena: “Se eu não morri até hoje/Mano, o que é que me mata?” causa os primeiros de múltiplos arrepios em quem atenta na tónica de superação subjacente à música do rapper da Linha de Sintra.

Depois dessa entrada “bruta à Tarzan”, interrompe o alinhamento de COR D’ÁGUA para, agora sim, saudar “educadamente” as mais de 4 mil pessoas que vieram vê-lo. Apresenta-se nos seus vários aka’s — de “Daniel Benjamim” a “Fernando Alien” — e troca as voltas ao prato principal para intensificar o sabor: recua no palco e sobe à plataforma montada entre a banda e o hype man Symle, posiciona-se na cruz marcada ao centro da estrutura estilo realidade virtual e leva “FEELING” a uma dimensão Matrix — sem faltarem os óculos escuros neste Neo — por entre um jogo de luzes condizente. Dá-se uma explosão de euforia até então inédita, momentum que não se perde com a entrada de “VOLTA”, em que a batida metronómica, reforçada pela avalanche de palmas coordenadas, faz sentir a pulsação ao Coliseu. 

Entre temas como “MEMÓRIA” (com laivos de rage à Travis Scott), “OLD SKOOL” (que requisita a já esperada presença enérgica da Mafia73), ou “SALADA” (provocadora de nova explosão no recinto), é ao vivo que se confirma, realmente, a aptidão de Rex para produzir bangers em grande escala. Mas é em “DIAS” que, com o tão aguardado aparecimento de Slow J, a actuação escala para outro patamar — para lá dos cinco sentidos —, assim que o “puto lento” bate o pé em “Alguém sabe quanto é que o Rex calça?”. Cratera que se abre para uma segunda parte tanto ou mais intensa.

“Coliseu, ficamos por aqui ou continuamos?”, desafia Smyle com a retirada (em falso) de T-Rex. Perguntar ao cego se quer ver… E, em menos de nada, a estrela da noite volta a iluminar o palanque, agora cristalina dos pés à cabeça — da cor dessa “nuvem no pé [que] não é de Air Force” —, com a muda de roupa a indiciar uma viragem no espetáculo. Assim, “TÁ TUDO BEM”.

Para quem está há coisa de uma hora a manobrar uma legião de fãs rendida desde o começo, custa a crer quando Rex confidencia estar envergonhado momentos antes de se virar para a família. O público continua a não lhe dar tréguas, e insiste em pedir por mais matéria para lá do recentemente editado álbum de estreia — que, por sinal, teve um peso significativo na lotação esgotada, como os últimos recordes batidos nas plataformas de streaming o provam. Começam as negociações, e o pintor de águas turvas finge cingir-se à sua última criação — mas abre espaço a licitação por mais. É mais uma, duas, três canções? “Já me f…”, atira, com um irónico sorriso rasgado. Para bom entendedor, meia palavra — e sorriso e meio — basta. São quantas lhe der na cabeça, que a parada ainda vai a meio. 

A palavra que todos gritam, porém, é só uma: “ANTI-ANTES”. Primeiro disco-pedido da noite, vontade que só viria a ser atendida mais tarde. É tempo de voltar à família, e depois da dedicatória aos “tios e tias” em “TAMU A LIDAR”, Daniel procura pela mãe na multidão. A progenitora está num dos camarotes (umas varandas à direita do nosso), praticamente de frente para o filho que, tão novo (mais ainda aos olhos da mãe…), já conquistou tanto. Num só movimento, todo o Coliseu se vira para trás em direcção à matriarca, que, desarmada, chora. “Não limpa as lágrimas, isso é felicidade”. E tal mãe, tal filho, que se deixa cair nas tábuas, visivelmente emocionado, antes de dedicar à “cota” o tema preferido dela. Volta a erguer-se, com a voz ainda a falhar, enquanto “É ASSIM” começa a tocar. Afinal, foi a “mommy” que o ensinou a “levantar a vida”, e daí em diante o Benjamim passa a dar conta da tarefa com força redobrada (como quem diz “Mas eu sou mais rijo/O meu bícep ’tá big”). Que atire a primeira pedra quem não se emocionou. 

Altura para ligar, agora assumidamente, as lanternas. É o próprio Rex quem o pede, e já se sabe para onde tanta luz promete apontar. Sob um apelo à união, despida de preconceitos entre cor, género ou orientação, chega a hora de “Tempo” — momento que é, por esta altura, incontornável nos shows do artista —, com as despedidas já em vista. Tempo há, ainda assim, para atender ao pedido não-esquecido. E é, também, contra o tempo que, sem olhar para o que ficou para trás, Tóy Tóy corre para “ANTI-ANTES”, rastilho para o maior abanão da estrutura centenária (mesmo com tantas réplicas de elevada intensidade pelo meio). Imagine-se o eco do coro de “PATINS! PATINS!” na Praia da Rocha, na próxima edição do festival Rolling Loud.

Nem público nem artista acusam o cansaço das quase duas horas de celebração conjunta. Não falta material para continuar a festa por mais tempo, mas a sua descida à plateia, no seguimento de um longo discurso de agradecimento — em que não ficou mesmo ninguém esquecido —, antevê um final (ainda que indesejado) em grande. T-Rex sobe a barreira que define a primeira fila, agarra-se a uns quantos fãs para não perder o equilíbrio e convida toda a gente a abrir o maior buraco possível para a volta final. “Podia ‘tar no block a fugir do… TINONIIII”. Casa abaixo.

A deixa de fuga não foi explícita o suficiente para remeter para a saída. De volta ao palco, T-Rex deixa-se ficar só para mais uma, já com toda a comitiva a bordo, alongando-se com “Duvidava” a capella em comunhão com a sua entourage. Quando, finalmente, sai, deixa ainda um brinde a quem fica: à medida que os créditos da produção deste espetáculo com traços cinematográficos rolam no grande ecrã, é desvendado um inédito do artista (presumivelmente, designado “Ambicioso”), para satisfação (mais ainda?) dos seus admiráveis fãs. Entre agradecimentos e despedidas, ficou também a promessa de uma desforra no Altice Arena em dois, três anos. Lá estaremos, certamente. E não ficou por aí: “Eu vou ser uma lenda. Se eu não conseguir, morri a tentar”. Bom, pelo menos esta noite, a lenda já ganhou vida.


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